Há Fado no fado da gente
Desde 2011, quando o Fado foi considerado património mundial da humanidade pela UNESCO, que me apercebo da quantidade de história que anda perdida nas ruas de Lisboa. Essa que é a minha casa e cidade que tantas e tantas vezes foi palco do Fado, que desde o século XVIII encanta milhões dos seus ouvintes.
Na década de noventa, perto da estação de Santa Apolónia, o fado ganhou um lugar que se dedica única e exclusivamente a esta arte. É um edifício simples, num tom rosado, pelo qual havia passado centenas de vezes, sem me aperceber da quantidade de história que lá dentro mora. Talvez fosse mesmo o fado do Fado ter a sua casa em Lisboa.
Só no Museu do Fado nos é explicada e cantada a história de incontáveis fadistas e músicos que se fizeram (e fazem) ouvir além-fronteiras. O Fado é de todos, mas será sempre muito mais nosso.
À entrada do museu, depois de comprados os bilhetes, é-nos dado um guia – uma espécie de telefone, com números e afins -, a partir do qual temos acesso à explicação dos objectos e imagens apresentado na exposição. Uma vez que é feita cronologicamente, tem um caminho determinado a seguir. Isto proporciona ao visitante uma experiência mais pessoal com o Fado, simultaneamente mais detalhada, ainda que, no trajecto da exposição, existam duas salas onde são projectados vídeos. Trata-se de pequenos documentários alusivos à história do Fado, de Lisboa e daqueles que ainda hoje lhe dão voz e que não conseguem explicar o que sentem quando o cantam.
Alguns dos objectos que mais chamam à atenção são um quadro de José Malhoa (pintor do século XX), intitulado “O Fado” (de 1910); uma miniatura de uma casa de fadistas; guitarras de vários tamanhos; discos de vinil; poesia escrita na grande maioria das paredes do museu, bem como alguns artigos pessoais de artistas conhecidos no mundo do fado (como carteiras profissionais, vestidos, ponte e molas, etc). Um outro aspecto a realçar é também a existência de vários poemas que, nos tempos de censura, por “esconderem” nas entrelinhas algumas mensagens políticas e menos favoráveis ao regime, foram recusados e não chegaram a ser cantados. Há também, ao longo de alguns corredores, algumas curta-metragens a preto e branco que mostram, por exemplo, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, em actuações de há algumas décadas. A experiência do Fado, no Museu, é total.
Numa outra vertente da visita, houve uma coisa que mexeu comigo: a quantidade de estrangeiros que, ao mesmo tempo (e com a mesma intensidade) que eu, se deslumbrava com aquilo que enxergava e ouvia, sem muita vezes perceberem o que é dito. O Fado é, afinal, toda essa magia condensada em letras portuguesas, que exultam a glória e a tristeza do passado, do presente. E, também, como o Fado pode ser do futuro. É pena que, a meu ver, tenda a cair no esquecimento ou a ser ultrapassado por outros estilos e tendências que, na clara evidência da evolução dos tempos, acabam por se instalar.
Ana Luísa Alves
Nota: todas as fotografias são da minha autoria, aquando da visita ao museu.
AUTORIA
A Ana e a Luísa são duas personalidades distintas numa só rapariga: a bailarina e a aspirante a escritora. Às vezes juntam-se ambas e nascem sublimes risos no papel. No caso de se chatearem, é favor de manter longe delas quaisquer sapatilhas ou folhas em branco.