A 4 Mãos: Enquanto a torneira não se fechar, ‘tá-se bem
Marcos Melo (MM): Portugal está em seca e a água escasseia. O cenário é dramático. Segundo dados do IPMA de 15 de novembro, 6% do território continental encontra-se em seca severa e 94% em seca extrema. A falta de chuva resulta em falta de água, uma realidade inquietante que, nas palavras do presidente da Câmara Municipal de Mértola, se traduz num estado de calamidade. Em entrevista ao Telejornal da RTP, o Ministro do Ambiente, Matos Fernandes, disse que “os portugueses [só ainda] não se aperceberam [das consequências da seca] porque a água está nas torneiras”. É uma afirmação um tanto ou quanto polémica, mas certeira. Enquanto a água continuar a correr das torneiras, ‘tá-se bem. As notícias do abastecimento de água em certas zonas do país têm sido presença assídua nos noticiários — veja-se o caso de Viseu e concelhos vizinhos. Entretanto, o Governo lançou a campanha de sensibilização “Um minuto da sua atenção”, cujo objectivo passa por sensibilizar os cidadãos para uma utilização parcimoniosa deste bem tão escasso (a água). Por contraponto, na sua rubrica da revista Sábado, André Silva, deputado do PAN, sugere que o Governo falha no alvo, na medida em que o problema da falta de água reside na indústria agro-pecuária (que representa 80% do consumo de água) e não no sector doméstico (apenas 20%). Maria, será que estamos mesmo conscientes dos efeitos da seca (nomeadamente, a falta de água)?
Maria Moreira Rato (MMR): Como abordaste (e muito bem) dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, fui averiguar o significado da sigla PDSI, que consta em todo o site do mesmo, e acabei por constatar duas coisas: o Palmer Drought Severity Index diz respeito ao “conceito do balanço da água tendo em conta dados da quantidade de precipitação, temperatura do ar e capacidade de água disponível no solo e permite detetar a ocorrência de períodos de seca classificando-os em termos de intensidade”; assim sendo, quis entender em que estado o nosso país se encontra e devo admitir que fiquei perplexa, pois de acordo com dados do final do mês de outubro, 25% do território nacional estava em seca severa e 75% em seca extrema. Para ser mais exata, coloco abaixo a imagem que me elucidou, porque a verdade é aquela que mencionaste: enquanto girarmos o manípulo de uma torneira e a água sair, a nossa preocupação será um pouco hipotética.
Marcos, estará na altura de sermos mais conscientes, de aliarmos medidas para a poupança deste bem precioso aos esforços que o governo deve executar ou tudo isto é conversa da treta e a dança da chuva é a única saída?
MM: A falta de água, decorrente de ausência de pluviosidade, é uma realidade incontornável. E não há dança-da-chuva que nos valha. O clima está (mesmo) a mudar — só não vê quem não quer —, embora haja por aí uma militância activa que defende que os discípulos de Al Gore são vendedores da banha-da-cobra — Trump e outros que tal; eles andem aí, como se costuma dizer. Mas, indo ao encontro da pergunta que me lançaste, a verdade é que todos somos responsáveis. Todos (aliás, #SomosTodosResponsáveis, já que, hoje em dia, é cool ser-se qualquer coisa precedida por um #). E deixem-se lá de usar o Governo como álibi para tudo e mais alguma coisa. Somos uma Sociedade (com S maiúsculo) e, como tal, partilhamos direitos e deveres. Enquanto cidadãos, cabe-nos consumir água com conta, peso e medida. Há pequenos gestos que fazem a diferença, os quais tão bem conhecemos. Mas, infelizmente, muito boa gente não está ralada (falando em bom português). Lá está — e retomando o que disse no primeiro parágrafo —, enquanto a água sair da torneira…
Mas, quando a chuva chegar e a seca findar, voltaremos a esquecer-nos deste ano tão atípico. Ou será que a Sociedade acordou?
MMR: “Quando a chuva chegar e a seca findar, voltaremos a esquecer-nos deste ano tão atípico” – não gosto muito de falar ou escrever na primeira pessoa do plural nestes temas delicados, por uma razão muito simples: nem tudo se aplica a todos/todas. Com isto quero dizer o seguinte: já te deparaste com um anúncio onde se vê uma torneira cujo cano está torcido e pode ler-se “Um minuto da sua atenção. Este anúncio demora sensivelmente 1 minuto a ler. Uma torneira aberta durante 1 minuto pode gastar 12 litros de água”? Tenho a certeza de que apesar da agenda mediática, muitos jornais, canais televisivos, estações de rádio e quiçá até nós aqui na nossa rubrica continuaremos a prestar atenção à seca e ao mau uso da água, o cerne da questão é outro: será que as pessoas que podem realmente modificar algo, o fazem?
João Pedro Matos Fernandes apelou à poupança de água por parte dos portugueses, principalmente aqueles que vivem em zonas onde a seca é extrema e referiu que “um ou dois dias de chuva não vão inverter a situação”. Mas, por outro lado, afirma que Espanha está a fazer “um grande esforço” ao manter os caudais mínimos diários dos rios que desaguam em Portugal. Um grande esforço? Calma aí… Foi assinada a Convenção sobre Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas (Convenção de Albufeira) há 19 anos. E o que raio quer dizer Matos Fernandes com “o Governo está a fazer um acompanhamento muito fino dos distritos onde as albufeiras não têm a quantidade de água que deveriam ter”? Chamem-me leiga, burra, o que quiserem, mas a menos que tenhamos alguns reservatórios de água escondidos por aqui e acolá, não sei em que se baseará esse “acompanhamento muito fino”.
E sabes… sociedade pressupõe que exista “uma associação amistosa entre um grupo de indivíduos” e se colocarmos as palavras água, seca e política à mistura… nada amistoso sairá daqui. Pelo menos, não em Portugal, não neste momento.
Marcos, concordas comigo ou achas que a minha perspetiva não é a mais correta?
MM: De facto, há que utilizar a primeira pessoa do plural com cautela. Temos de ter cuidado com as generalizações. Mas, admito, tendo a encarar a Sociedade com algum cepticismo, porque, pegando no que referiste, de amistoso, temos muito pouco. Não é defeito, é feitio…
A campanha de consciencialização “Um minuto da sua atenção” é uma iniciativa louvável. É um primeiro passo na pedagogia relativa ao consumo da água. Contudo, é, em grande medida, direccionada para o sector doméstico. Há, ainda, muita pedra a partir no consumo massificado (indústria agro-pecuária, limpezas urbanas, regas de espaços verdes, etc.) e é nesta área que o Governo e a legislação terão de actuar, a fim de os resultados obtidos serem significativos.
Até lá, a chuva há-de cair do céu, sem serem necessárias danças supersticiosas. E, quando isso acontecer (no momento em que escrevo este parágrafo, chove a potes), não nos esqueçamos de que a água é um bem escasso.
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AUTORIA
Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).