A caça
Este artigo é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico
Tenho assistido com relativa estupefação a esta onda de acusações de assédio sexual que assola os Estados Unidos da América.
Em primeiro lugar, nunca esperei que as acusações a Harvey Weinstein, um total desconhecido para quem está fora do meio de trabalho cinematográfico, servissem de tão grande catalisador para esta revolução. A fazer apostas, os abusos de Bill Cosby teriam, a meu ver, um impacto superior. Enfim, o mundo às vezes é estranho.
Não obstante, declaro-vos aqui a minha falta de crença em bruxas. Ou seja, se elas não existem, não sou a favor de as caçar. Não nego a potencial veracidade de algumas, ou, quiçá, de todas estas acusações, mas não gosto de bullying. Um assunto de polícia deve ser resolvido com a polícia. Vir a público metralhar um número imenso de celebridades só tresanda a tentativa de publicidade e a bandwagon. Este tipo de acusações é muito sério. Não servem para culpabilizar um género inteiro, ou para se vomitarem hashtags tontos no Twitter.
As massas, no geral, são estúpidas. As pessoas retêm a culpa antes do julgamento e quando o veredito é “inocente” já a reputação do indivíduo em causa morreu.
Recordo-vos Paulo Pedroso, deputado promissor do Partido Socialista – o delfim de Ferro Rodrigues. Acabou envolvido em toda a salganhada judicial que foi o processo Casa Pia, sendo acusado de abuso sexual de menores. Pedroso foi declarado inocente, mas o dano estava feito: a opinião pública matou a carreira do deputado, destrui-lhe a família e apodreceu-lhe as amizades. Paulo Pedroso é agora um Zé Ninguém, porque foi julgado antes de ter sido julgado.
Acho que Jagten, obra do dinamarquês Thomas Vinterberg, é um dos filmes da década: demonstra com um realismo nauseante aquilo que provavelmente se terá passado com Paulo Pedroso. Mads Mikkelsen é Lucas, um professor de um jardim-escola que é falsamente acusado de molestar a filha de um casal amigo. A partir daí, assistimos a um dissecar de uma realidade pela qual quase nenhum de nós tem de passar, seja-se celebridade ou não. Mikkelsen é espancado, cuspido, ostracizado e excomungado da igreja. É uma lição para a vida e um filme que recomendo que vejam e revejam atentamente.
O assédio e a violação são acusações extremamente graves, mas não imperam sobre a presunção de inocência. Jay Ceschire viu a mãe a suicidar-se enquanto estava atrás das grades por um crime que não cometeu. Mais tarde, depois de ter sido libertado, foi a vez do próprio pôr termo à sua vida.
O clima de acusação pública em que vivemos é tóxico para um funcionamento justo da justiça, passo o pleonasmo. Mesmo no pior dos casos, seguindo a minha filosofia pessoal, prefiro infinitamente ter um culpado livre a um inocente preso. Mas talvez seja eu a besta aqui. Ou talvez esteja a despistar-vos de um qualquer trilho prazeroso. Não sei. Culpem a minha bússola moral. Tento que aponte sempre para Norte.
AUTORIA
João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.