A Conquista do “Eu”
A maioria das atividades humanas são feitas em comunidade, ou seja, em conjunto com outros humanos. Digamos que esse é o paradigma seguido, aceite e com o qual a maioria das pessoas concorda. Nós, seres humanos, gostamos particularmente de companhia. Gostamos de saber que não estamos sozinhos, que não vamos sozinhos, que não começamos sozinhos, que não escolhemos sozinhos, que não comemos sozinhos … enfim, que há outros que, para além de num certo e determinado momento terem partilhado connosco a mesma espécie (espécie humana), também partilham connosco um mesmo local, uma opinião, uma escolha.
Não me oponho a isso. Admito até que é muito agradável ter rotinas, pontos de vista e gostos em comum com alguém. Afinal, é isso que dá vida às relações. Todavia, considero que chegamos a um ponto em que desaprendemos a estar de outra maneira que não assim. Acho que a questão que se coloca é a seguinte: Onde é que termina o gosto por viver rodeado de pessoas como nós, algo comum à espécie humana, e começa a necessidade quase vital de sentirmos aprovação e validação dos outros para conseguirmos agir?
Não tenho quaisquer dúvidas de que nos temos vindo a tornar completamente reféns uns dos outros. Digo isto porque, literalmente, estamos constantemente à espera de que o outro aceite, valide e aprove cada mínima ação que fazemos. Tem de haver sempre alguém connosco ali que também vá, que também concorde, que também goste, que discorde de algo como nós, que nos acompanhe. Estar ou ser sozinho, um momento que seja, parece que tem vindo a tornar-se assustador para muitos, simplesmente porque isso implica termos de ser nós próprios a validar e a aprovar o que escolhemos fazer. Não sabemos fazer isso. E é como se, quando tentássemos, nos sentíssemos fortemente julgados.
Será que quando o nosso cérebro fabrica estes pensamentos e nos faz sentir inúteis por, uma vez que seja, valorizarmos a nossa própria companhia, ele pensa que somos uma peça de puzzle? Um puzzle é constituído por um determinado número de peças, e, se encontrarmos uma no chão perdida, essa peça não tem qualquer valor se não estiver encaixada nas outras. Um puzzle só faz sentido quando todas as peças estão encaixadas umas nas outras e formam uma figura. Acontece que nós não somos peças de puzzle, por mais que essa seja uma comparação frequente. É saudável andarmos acompanhados e partilharmos momentos e vivências uns com os outros, mas considero que não devemos ter receio de, de vez em quando, estarmos connosco mesmos.
Essa aprendizagem é um processo complicado, mas vale a pena querer adquiri-la. Em muitas situações da nossa vida vamos precisar de saber lidar e conviver com a nossa pessoa, e temos de o conseguir fazer sem propriamente estar à espera de que alguém venha connosco, escolha o mesmo que nós, ache o mesmo que nós achamos. Por outras palavras, temos de aprender a estar (e a ser) sozinhos sem precisar constantemente daquela validação ou aprovação confortável e motivadora que a companhia dos outros nos transmite.
Penso que, quando finalmente interiorizamos isso e conseguimos fazê-lo sem dificuldade, somos mais felizes. Paramos de ver com maus olhos esta tão temida solidão, e percebemos que este conceito, “solidão”, não está sempre associado a algo danoso. É mais prejudicial sentir uma necessidade extrema constante de ter alguém e não estar apto a proporcionar satisfação a si mesmo por vezes, do que propriamente escolher e conseguir ficar com a própria companhia.
Quando começamos a encarar isto com a leveza que, sem muitas vezes percebermos e admitirmos, lhe está inerente, iniciamos também um processo de autoconhecimento. Abrimos espaço para a descoberta de nós mesmos e daquilo que nos faz bem. Aprendemos a aproveitar tudo o que de bom temos para nos oferecer, sem termos qualquer medo do julgamento exterior. E esse, muitas vezes, habita apenas na nossa cabeça e funciona como um impostor que não nos permite ter confiança e abandonar a ideia de que somos muito diferentes de meras peças de puzzle.
Fonte da Capa: Unsplash
Revisto por Raquel Gonçalves
AUTORIA
A Liliana tem 18 anos e está no primeiro ano da licenciatura em Jornalismo. A Liliana (Lili, como está habituada a ser chamada) era aquela menina que, em pequena, passava a tarde no quarto a escrever, a inventar histórias, a criar poemas. Adorava fazê-lo e era sempre elogiada pelos mais velhos, que admiravam esta sua capacidade. Até hoje, esse amor pela escrita não desapareceu e, por isso, está na Magazine da ESCS para fazer algo que sempre lhe deu muito agrado, aprender e, acima de tudo, divertir-se enquanto o faz.