A correr contra o tempo
“Se fores sortudo o suficiente para envelheceres, acho que o deverias celebrar”
Iris Apfel
Iris Apfel é a mais recente centenária na lista de pessoas mais influentes do mundo da moda. Com os seus 101 anos, a fashionista e designer de interiores não esconde as marcas da idade, muito pelo contrário. A artista é conhecida por abraçar as suas rugas e marcas do tempo, contrastando com outras figuras públicas.
Olhando para uma imagem de Apfel, podemos constatar que a idade em nada tira a essência jovial que consegue expressar. Cores gritantes, poses ousadas e os seus óculos icónicos impedem o espectador de se focar no aspecto numérico.
Contudo, esta aceitação do passar do tempo não é um motivo muito adotado pela indústria dos cosméticos e da moda. Numa indústria que se alimenta das ditas inseguranças da população, encontramos um espaço muito limitado para a exaltação das características biológicas do ser humano. Porém, a escolha do “combate ao tempo” enquanto método publicitário não é feita sem fundamento.
Qual o motivo para termos medo do tempo?
O medo do passar do tempo é uma característica naturalmente humana. Afinal de contas, é o que mais nos alerta acerca da proximidade à morte. Por outro lado, a possibilidade de ainda estarmos no início da nossa vida converge uma ideia de que temos mais espaço para alcançar os nossos objetivos. Numa sociedade que privilegia o ato de atingir mais do que o esperado em idade térrea, este é também um fator que influencia o terror que acompanha a idade.
Apesar de ser um medo abrangente aos vários géneros, a história e sociedade atual permitem-nos inferir que a comercialização desta insegurança se direciona para um público de caráter mais feminino.
A rainha Isabel I era conhecida pela sua vasta coleção de hábitos rotineiros que visavam preservar a juventude da sua aparência, um dos quais consistia no desenho de veias na sua testa. Quando começou a perder cabelo, a rainha foi também uma compradora ávida de perucas e, para evitar as rugas, utilizava uma loção composta por clara de ovo, casca de ovo em pó, alúmen e bórax.
Não ignorando o seu posto privilegiado, as inseguranças da monarca são extensíveis às suas súbditas e futuras descendentes. O ideal de beleza feminino sempre esteve muito ligado à fertilidade da mulher, colocando de imediato um ênfase na juventude feminina. Teoricamente, o pico da beleza da mulher concentra-se no seu período mais fértil, e, de preferência, enquanto não está comprometida a um outro homem, para dar mais aso ao desejo. Momentos que ultrapassem tal período da vida de uma mulher são caracterizados como indesejados, e, em tempos, foram considerados doença.
A caracterização negativa da dita “velhice” é apresentada em todos os parâmetros dos média. Começa pela existência das vilãs mais velhas nos filmes animados, cujo o único desejo é derrotar a protagonista “perfeita” e mais jovem. Os cremes comercializados promovem o desaparecimento das rugas, ilustrando-o pela utilização de modelos cujas rugas ainda aguardam pelo tempo certo para se demarcar, e as modelos que idolatramos apresentam um número mínimo de rugas.
Durante muitos anos, as “imperfeições” que a pele de uma mulher apresentava, eram culpa da indelicadeza da sujeita para consigo mesma, sendo mesmo um motivo de repúdio social. Enquanto isso, as mulheres que participavam no mercado como mão de obra, e por isso eram mais suscetíveis a “imperfeições” causadas pelo seu trabalho, eram consideradas como sendo indesejáveis.
A representação atual
Nos dias que correm, a culpa atribuída às mulheres devido às marcas na sua pele é debatível. Por um lado, denota-se uma mudança no que diz respeito à moralidade com que se aborda esta temática. Existe uma espécie de “senso comum” prevalente, que efetivamente nos diz que as mulheres não deveriam ser vítimas destes standards de beleza impossíveis de alcançar. Por outro lado, o tipo de beleza que prevalece como ideal ainda está enraizado na ideia de juventude. Uma pele lisa e sem pêlos, acompanhado por um corpo cuja massa gorda seja semelhante à que a mulher tinha no início da sua adolescência, e de preferência com os seus cabelos livres de grisalhos.
Ainda está por vir um creme cujo principal objetivo seja preservar a saúde da pele, sem as falsas promessas de eliminar as rugas. Tratamentos como o botox preventivo tornam-se cada vez mais populares nas massas mais jovens. O desejo incessante pela preservação da juventude permanece intacto.
Contudo, como em outros pontos históricos, o momento em que nos encontramos apresenta progressos relativos ao passado. A demanda por inclusão por parte de um público vasto que não se vê representado tem vindo a surtir os seus frutos. Modelos mais velhas têm sido exibidas nas fashion weeks e, cada vez mais, podemos encontrar imagens editoriais com uma diversidade de idades muito mais abrangente. Porém, o medo do fim é algo que ainda acompanha a indústria da moda e da cosmética, mas, passo a passo, estamos cada vez mais perto de celebrar a sorte de um envelhecer.
Fonte da capa: Town&Country
Artigo revisto por Julia Gibelli
AUTORIA
A Mariana está no último ano da licenciatura de publicidade e marketing, mas o seu “bichinho” da escrita parece não a querer abandonar. Abençoada por vários hobbies e interesses, ocupa o seu tempo na ESCS Magazine com um pequeno aprofundamento de “factos interessantes” que os amigos já estão fartos de a ouvir contar.