Literatura

“A estupidez racista deve ser contagiante”

A ideia de que a literatura infantil é importante já foi referida noutros artigos, nomeadamente a propósito da escritora Enid Blyton. A literatura contribui para a formação da personalidade individual, muitas vezes de uma forma tão suave que não nos conseguimos aperceber enquanto crianças.

Torna-se comum perguntar: “qual é a moral da história?”. Ler ajuda-nos a questionar o mundo, a refletir não só sobre a nossa realidade como também sobre outras realidades, envolvendo outras pessoas. Quanto mais cedo nos conectamos com o universo em constante expansão da literatura, mais cedo temos esta oportunidade de reflexão e mais cedo estimulamos o nosso cérebro e começamos a moldar o nosso carácter. Aquilo que vemos, ouvimos e lemos não marca apenas a nossa infância, mas também a nossa vida adulta. Aquilo que escolhemos dizer ou fazer é influenciado pela realidade onde nos inserimos.

A discriminação dos outros não é algo simplesmente espontâneo. Nascemos todos diferentes, mas todos iguais. Tratando especificamente do caso do racismo e da xenofobia, é também em criança que devemos ter contacto com o tema da discriminação, neste caso no que diz respeito à cor da pele e à nacionalidade.

“(…) Quando o menino voltou à sua terra de meninos brancos, dizia:
É bom ser branco como o açúcar
amarelo como o sol
preto como as estradas
vermelho como as fogueiras
castanho da cor do chocolate.
Enquanto, na escola, os meninos brancos pintavam em folhas brancas desenhos de meninos brancos, ele fazia grandes rodas com meninos sorridentes de todas as cores.”

Luísa Ducla Soares

(história completa aqui)

Catarina, ou Nina, uma jovem de apenas 13 anos, vê a sua vida completamente alterada quando o seu primo, Daniel, vai morar temporariamente para a sua casa. Daniel muda-se para o quarto de Nina e passa a frequentar a mesma escola. Não é muito falador e está sempre a ler um livro, sendo alvo da atenção não só dos colegas como também dos professores. Inicialmente, não acreditam que Daniel e Nina são primos, mesmo quando ela o confirma. Por que motivo? A mãe de Daniel é da África do Sul, ou seja, ele é negro, sendo alvo de diversos comentários racistas, tais como:

“ – (…) Lá em África só há nomes desses, assim estapafúrdios.”;
“ – Deixa lá, filha. Não vale a pena dizer nada, que eles deviam ir p’ra terra deles.”;
“ – Julgam que somos todos pretos, é o que é. Já não há respeito nem educação; isto digo eu.”

Ao longo dos diálogos existem muitos mais exemplos, sendo que Daniel chega a referir:

“ – Desses racismos se faz a tolerância portuguesa. Ciganos, pretos, todos os que não são como a maioria, são vítimas de discriminação e insultos.”

Torna-se notória a desigualdade no tratamento das diferentes personagens. Daniel, no início, apenas é completamente aceite pelos tios e avós, embora Nina lhe tenha cedido o seu próprio quarto. A personagem, ainda que seja um pouco reservada, é inteligente e resiliente, sabendo o que responder e em que ocasião o fazer quando lhe são dirigidos comentários. Nina acaba também por perceber o quão perto estão as pessoas que são capazes de discriminar com base na cor da pele, começando a compreender o próprio primo.

Embora o racismo seja o tema central na obra, também são abordadas outras questões, como o perdão. Tal como Nina, os seus colegas também revelam algum crescimento e Daniel acaba por perdoar os comentários iniciais, ganhando amigos, como Vítor, que se mostra arrependido pelo que disse.

Esta história é apenas um pequeno exemplo do problema que abrange todas as faixas etárias daqueles que são diferentes da maioria. Discriminação devido à cor da pele, nacionalidade, género, deficiências físicas ou intelectuais… todo o tipo de características que não correspondam ao padrão de beleza, à definição de intelectual.

Neste artigo foi abordado apenas o racismo mas existem inúmeras formas de discriminação. Ninguém escolhe o corpo com que nasce, não sendo também uma razão para justificar uma hipotética inferioridade social. Não existe justificação para a discriminação.

Fontes consultadas:

Cativar na Escola. (2015, Março 3). “Meninos de todas as cores” – texto poético de Luísa Ducla Soares. Consultado a 1 de fevereiro de 2022). Disponível em: https://www.cativarnaescola.pt/2015/03/meninos-de-todas-as-cores-texto-poetico-de-luisa-ducla-soares.html

imagem:

Unsplash. (2018, Novembro 10). Consultado a 01 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://images.unsplash.com/photo-1523544473559-f94346f6221e?ixlib=rb-1.2.1&ixid=MnwxMjA3fDB8MHxwaG90by1wYWdlfHx8fGVufDB8fHx8&auto=format&fit=crop&w=871&q=80

Artigo revisto por Catarina Peixe

Fonte da capa: Unsplash

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