Música

A história de André Covas, que nadou até aterrar no mundo da música

Figura 1 Créditos: Magnética Magazine
Figura 1 Créditos: Magnética Magazine

O título desta entrevista pode parecer absolutamente invulgar: estúpido, talvez. Mas quem troca dois dedos de conversa com o guitarrista dos peixe : avião apercebe-se de imediato que a descrição suprarreferida assenta-lhe na perfeição. De designer a guitarrista, de bracarense a cidadão do mundo… Quem é, na verdade, este artista multifacetado que não se contentou com as artes visuais e sentiu necessidade de pisar palcos por este mundo fora?

Quem o vê a atuar não imagina o backstage da sua vida: estudou Design na Universidade de Aveiro, participou no festival Semibreve como diretor artístico, colabora em projetos relacionados com a área da saúde, como o Alert Life Sciences Computing e, juntamente com os outros membros dos peixe : avião, criou a PAD, coletiva de artistas. Ah, e se alguém achar que isto é pouco, também é tutor num curso de User Experience e Interface Design no Porto. Poder-se-ia dizer que o músico personaliza o Pepe Rápido mas quase nada é ficcionado na sua vida. Aliás, desde junho de 2007 que muitos dos seus sonhos se têm vindo a concretizar enquanto membro de uma das bandas portuguesas mais promissoras. No entanto, o guitarrista é sincero: “Acho que somos muito descomprometidos em relação àquilo que fazemos. Não temos propriamente pressões externas mas andamos a navegar livre e tranquilamente no universo musical ao mesmo tempo. Nós fazemos a música de que gostamos com os nossos próprios timings, somos nós que editamos, fazemos a coisa um bocado a nosso bel-prazer, por assim dizer”.

André, Pedro, José, Ronaldo e Luís mantêm sempre os pés bem assentes na terra: “Nunca tivemos grandes expetativas. Começámos a compor como qualquer banda compõe, sem ter noção do que ia sair dali”, afirma o guitarrista, que admite ter decidido, juntamente com o resto da banda, entre os álbuns 40.02 e Madrugada, que ser um grupo demasiado presente no campo mediático não era o caminho que pretendiam seguir: “Acabámos por nos querer afastar disso depois do lançamento do Madrugada e quando começámos a compor para o nosso álbum homónimo. Ao fim de nove anos enquanto peixe : avião e com mais de carreira individual, não nos iludimos com aquilo que fazemos, sabemos que não somos uma banda de massas, nem pretendemos propriamente sê-lo. No início, preocupávamo-nos um bocado, e quisemos ser algo que não correspondia àquilo que somos, mas agora não. É claro que gostamos de tocar o máximo e melhor possível, chegar ao maior número de pessoas, mas a dimensão da banda vale um bocado o que vale e acho que vai variando ao longo do ciclo de cada disco”.

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A maioria dos críticos musicais considera que o primeiro álbum da banda, 40.02, pertence ao género pop, enquanto que, em Madrugada, iniciaram uma transição para o indie rock, mas o entrevistado desmistificou essa ideia: “No álbum homónimo iniciámos essa rutura mais acentuadamente, ao contrário daquilo que muitas vezes se possa pensar”. Os artistas, que compunham individualmente e trabalhavam em casa, refletiram e chegaram a uma conclusão: faziam as coisas de uma forma muito cerebral e pouco de banda – “Esse modo de composição foi mais notório ainda no Madrugada, em que sentimos alguma pressão para fazer um disco mais complexo do que o primeiro, e acabámos por nos preocupar com coisas mais supérfluas. Sentimos a necessidade de dar uma reviravolta na forma como fazíamos musica e como nos encarávamos como banda e essa foi a nossa segunda fase, isto é, a partir do álbum peixe : avião”.

Na letra de Avesso, lê-se: “ser um mapa que perdeu os pontos cardeais” e André realiza uma analogia entre os traços metódico e instintivo do ser humano: “Eu acho que ser demasiado metódico pode ser inteligente ou chato e, demasiado instintivo, ser demasiado perigoso. Na banda, acabamos por usar isso na forma como nos apresentamos porque tradicionalmente somos muito ponderados naquilo que fazemos e raramente damos passos maiores do que a perna, mas gostamos de nos colocar a nós próprios em algumas situações de limite ou mais desafiantes porque são dessas situações que surgem as coisas mais interessantes” e, espelhando um orgulho evidente, abordou a composição da banda sonora da longa metragem O que há de novo no amor?, algo que, por ter sido realizado num curto espaço de tempo, levou os jovens músicos a abandonar a sua zona de conforto.

Quando questionado acerca da subversão do formato canção, característica dada à banda de Braga pela crítica musical, André não possui papas na língua: “A nossa música está cada vez mais técnica, pelo menos na parte instrumental. Existe sempre este contraponto entre os instrumentos e a voz: será que um é mais valorizado/está mais presente que o outro?”, mas consciencializou-se de que, enquanto artista, precisa de se aproximar do público e partilha essa visão com os seus companheiros: “a nossa música é sombria, escura, fria, mas nós enquanto banda somos unidos e queremos relacionar-nos de forma mais próxima”.

Curiosamente, o último álbum, Peso Morto, possui efeitos e sons mais eletrónicos, a voz é menos utilizada… Contudo, André explicita: “Nunca decidimos propriamente mudar a sonoridade, mudámos a forma como trabalhávamos e isso acabou por nos trazer outras influencias para cima da mesa, mudou a nossa música, deu-nos outras balizas e moldou o resultado que saia do estúdio. Não tenho muito a sensação de que tenhamos dito: ‘Queremos deixar de ser isto e passar a ser aquilo”, foi um processo evolutivo natural e não uma imposição estética para passar a musica de soar aquilo a outra coisa. A questão da voz… continua a ser muito preponderante e é mais tratada como um instrumento e não como algo imperativo. São opções que tomámos”.

Naquilo que concerne ao reconhecimento dos peixe : avião no panorama musical português, o guitarrista explica que tanto ele como os outros membros da banda não se preocupam muito com isso, na medida em que apesar de desejarem ter um público-alvo vasto, não dependem financeiramente da banda: “Por isso, talvez, fazemos a música que fazemos. Se temos o reconhecimento merecido… Sim, não existe propriamente um júri a definir isso. Não existe um complô contra ou a favor de ninguém, o reconhecimento é o que é. Eu sou designer, existe outro designer, temos um professor de música, um enfermeiro e um programador cultural e todos nós vamos tendo outros projetos musicais. Claro que a banda é mais do que um hobbie, existe uma responsabilidade acrescida, mas temos a vantagem de termos liberdade total porque não precisamos disto para pagar a renda ou pôr comida na mesa”.

No fim deste agradável périplo pelo percurso de André Covas e dos peixe : avião, fica a esperança de um dia nadar por oceanos mais profundos: “Alguns festivais, tanto nacionais como internacionais, são porreiros, porque nos associariam logo a uma série de bandas, que ouvimos e que temos no nosso iPod. Nesse sentido tocar no NOS Primavera Sound seria excelente, porque há um palco grande e dar-nos-ia a conhecer a pessoas que acabam por levar connosco ‘por tabela’, por assim dizer”. E o futuro dos peixe : avião até pode ser incerto, mas existe uma certeza: há quase dez anos que se diferenciam e tentam fazer mais e melhor e, sem dúvida alguma, voarão mais alto.

AUTORIA

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Se virem uma rapariga com o cabelo despenteado, fones nos ouvidos e um livro nas mãos, essa pessoa é a Maria. Normalmente, podem encontrá-la na redação, entusiasmada com as suas mais recentes descobertas “AVIDeanas”, a requisitar gravadores, tripés, câmaras, microfones e o diabo a sete no armazém ou a escrever um post para o seu blogue, o “Estranha Forma de Ser Jornalista”… Ah, e vai às aulas (tem de ser)! Descobriu que o jornalismo é sua minha paixão quando, aos quatro anos, acompanhou a transmissão do 11 de setembro e pensou: “Quero falar sobre as coisas que acontecem!”. A sua visão pueril transformou-se no desejo de se tornar jornalista de investigação. Outras coisas que devem saber sobre ela: fica stressada se se esquecer da agenda em casa, enlouquece quando vai a concertos e escreve sempre demasiado, excedendo o limite de caracteres ou páginas pedidos nos trabalhos das unidades curriculares. Na gala do 5º aniversário da ESCS MAGAZINE, revista que já considera ser a sua pequena bebé, ganhou o prémio “A Que Vai a Todas” e, se calhar, isso justifica-se, porque a noite nunca deixa de ser uma criança e há sempre tempo para fazer uma reportagem aqui e uma entrevista acolá…!