A Liberdade em Retrocesso: Os Ataques à Comunidade LGBTQI+ na Polónia
A homossexualidade foi descriminalizada na Polónia em 1932. Em termo de comparação, Portugal apenas declarou que não era crime amar alguém do mesmo género meio século depois, em 1982. No entanto, a ascensão da extrema direita ao poder veio significar uma tremenda regressão em diversos aspetos, sendo a não discriminação pela orientação sexual uma delas.
A união faz a força e os fracos – neste caso, as minorias – passam, mais uma vez, por tempos difíceis. Lutam como podem contra o Governo que está no poder, o forte pilar da religião e uma comunicação social tendenciosa, que parece ter abdicado do dever de informar de forma isenta. A esperança da mudança reside na União Europeia, entidade suprema à qual supostamente estão subjugados, mas que pouco ou nada tem feito de eficaz para alterar o panorama.
A comunidade LGBTQI+ continua a ter de sair à rua num país desenvolvido, que, em 2021, insiste em desrespeitar os direitos humanos fundamentais. Içando a bandeira arco-íris com o orgulho que a caracteriza, os membros desta comunidade tentam fazer-se ouvir, na esperança de que os superiores hierárquicos lhes concedam não mais, não menos, mas os mesmos direitos de que todos deveriam usufruir sem precisarem de marchar por isso.
Significado da sigla
L- Lésbicas. “São mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo género, ou seja, outras mulheres.”
G- Gays. “São homens que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo género, ou seja, outros homens.”
B-Bisexuais. “Diz respeito aos homens e mulheres que sentem atração afetivo/sexual pelos géneros masculino e feminino.”
T- Transexuais. “A transexualidade não se relaciona com a orientação sexual, mas refere-se à identidade de género. Dessa forma, corresponde às pessoas que não se identificam com o género atribuído no seu nascimento.”
Q- Queers. “Pessoas com o género ‘Queer’ são aquelas que transitam entre as noções de género, como é o caso das dragqueens. A teoria queer defende que a orientação sexual e identidade de género não são resultado da funcionalidade biológica, mas de uma construção social.”
I- Intersexuais. “A pessoa intersexo está entre o feminino e o masculino. As suas combinações biológicas e desenvolvimento corporal – cromossomas, genitais, hormonas, etc – não se enquadram na norma binária (masculino ou feminino).”
+ – “O + é utilizado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e género. Aqui são incluídos os pansexuais, por exemplo, que sentem atração por outras pessoas, independente do género.”
Depois de várias marchas e protestos, de ações de rua e de experiências desagradáveis, Julka Ślósarczyk, natural de Cracóvia, ainda tem forças para lutar. É bissexual, algo que assume cada vez com mais receio, pois integra o novo bode expiatório daquele que considerava o seu lar.
“Eles tiveram de encontrar um novo bode expiatório. E, na mesma altura, a comunidade LGBTQI+ e o movimento estavam a crescer cada vez mais e a tornar-se mais visíveis nas grandes cidades polacas. Um exemplo são as marchas de orgulho em Varsóvia, que atraem 50 mil pessoas todos os anos. Então, se queriam escolher um novo bode expiatório, visível e que toda a gente na Polónia conhece, a comunidade LGBTQI+ era a escolha mais fácil”, , explica-nos Rémy Bonny, cientista político especializado em questões LGBTQI+, que trabalha enquanto consultor para várias entidades ligadas à União Europeia. É belga, membro da comunidade, e fez Erasmus na Universidade de Varsóvia entre 2016 e 2017. Concluídos os estudos, visita a Polónia regularmente por motivos laborais. Durante a estadia, observa a realidade que lá se vive: “Eu próprio testemunhei crimes de ódio na Polónia. Há sempre uma demonstração cultural contra estas marchas. Há dois anos, estavam a atirar pedras aos marchantes LBGTQI+, garrafas de vidro e afins. Este é o tipo de coisas que se experienciam lá.”
Carolina Franco é jornalista no Gerador e no Shifter. Para este último, fez uma reportagem sobre a luta LGBTQI+ na Polónia, que culmina os eventos que levaram à situação atual, que, para si, “é um atentado aos direitos humanos, que se está a passar agora, muito perto de nós”, e que muitos desconhecem. Aqueles que continuam do lado de dentro das fronteiras vivem na pele as consequências de um ressurgimento do extremismo.
Mas qual foi o rastilho que fez explodir todo este caos?
O Içar da Bandeira Arco-Íris
Margot, 26, é a cara do movimento LGBTQI+ na Polónia. “Tem sido uma grande figura de resistência e um grande exemplo a seguir para jovens LGBTQI+”, conta-nos a jornalista Carolina Franco. Esta ativista polaca não binária co-fundou a organização radical Stop Bzdurom (“Stop Bullshit”) com o intuito de auxiliar as crianças queer e de as proteger contra o perigo da desinformação acerca da comunidade LGBTQI+. É disseminada de várias formas, sendo uma delas carrinhas equipadas com megafones, que percorrem as ruas polacas emitindo slogans homofóbicos (e não só) como, por exemplo, segundo Margot, “os gays violam crianças”.
Revoltados, Margot e os restantes ativistas vandalizaram uma dessas carrinhas em Varsóvia e colocaram bandeiras arco-íris em diversos monumentos. Margot esclareceu a sua perspetiva numa entrevista à BBC: “as pessoas que não viveram as vidas da comunidade LGBT neste país não deviam julgar-nos (…) e ninguém devia ficar surpreendido por eventualmente sermos forçados a resolver as coisas à nossa maneira.”
Para Jakub Gawron, polaco e ativista nos tempos livres, “o relacionamento entre a comunidade LGBTQI+ e a Polónia é como estar numa relação tóxica e violenta. Nela, a parte dominante usa violência simbólica e psicológica diariamente, e, no caso de haver resistência, também usa violência física e económica. A parte mais fraca reage com os típicos sintomas – ansiedade constante, medo, sensação de ser uma pessoa de segunda classe, relutância em atrair atenção, falta de identificação para com o estado hostil… E por vezes – como no meu caso – converte-os em raiva e rebeldia.”
A 7 de agosto de 2020, a polícia levou Margot sob custódia durante dois meses, alegadamente pela conduta demonstrada nas manifestações. Margot tornar-se-ia a mártir cujo (terceiro) encarceramento motivaria a comunidade LGBTQI+ a sair novamente às ruas. Estes grupos acreditavam que a detenção teria sido levada a cabo, afinal, por motivações políticas.
Os protestos resultaram em mais 48 detenções. O evento ficaria conhecido como “Polish Stonewall”, uma alusão aos motins Stonewall, que decorreram em Nova Iorque, no verão de 1969 (o bar Stonewall, um espaço assumidamente pró-LGBTQI+, foi invadido pela polícia, que se tornou violenta, motivando o contra-ataque por membros da comunidade). Estes motins do séc. XX são considerados um dos eventos mais importantes pelos direitos das pessoas LGBTQI+.
A irmã de Julka Ślósarczyk pede-lhe “por amor de Deus, tem cuidado, por favor, se andarem de mãos dadas na rua”, referindo-se a quando Julka namora alguém do mesmo sexo. A ativista deixa clara a vontade de demonstrar estes afetos publicamente, sem ter de se “preocupar com mais nada”, mantendo a imagem de uma “lutadora”, uma “mulher forte”, mas confessa-nos que tal não acontece: “Comecei a ter muito medo e comecei a pensar que gostava de não ser bisexual. E isso é a parte assustadora, porque é tão importante mostrar às pessoas que elas podem ser abertas quanto à sua orientação sexual, e agora temos de dar este passo atrás.” Durante a entrevista, faz questão, ainda, de alertar para a quantidade de jovens que sofre de depressão e outros problemas do foro psicológico. “Nós temos mesmo muitos pensamentos suicidas e desejos entre adolescentes”, refere, antes de um longo e sentido suspiro.
Margot, o novo símbolo LGBTQI+, acabou por ser libertada sem ter de cumprir os dois meses de cadeia. À Reuters, declarou não temer retomar a greve de fome (que durou duas semanas atrás das grades) e morrer, se necessário for, para virar o jogo quanto à homofobia na Polónia:
A Ascensão do Partido Lei e (In)Justiça
As águas estão agitadas, mas não é de agora. “Eu sinto que é fácil nós pensarmos que é obvio que isto ia acontecer, porque há uma série de estereótipos associados à Polónia, ou o nós pensarmos que sim, claro, nesses países eles são super racistas ou são super homofóbicos.
Mas há sempre uma razão, e não tem de ser assim desde sempre, e muitas das vezes não é assim desde sempre – há sempre um turning point”, conclui a jornalista Carolina Franco. Os polacos rejeitaram o comunismo em 1989. A transição deste sistema económico para o capitalismo foi naturalmente conturbada, mas estabilizou a partir de 1995. Em 2007, foi Donald Tusk quem ocupou o lugar de primeiro ministro da Polónia. O social-democrata abandonou o cargo em 2014, após ter sido eleito presidente do Conselho Europeu. O seu lugar ficou ao dispor, abrindo caminho para a intervenção dos irmãos Kaczynski, que, em 2001, fundaram o partido Lei e Justiça (PiS).
Este partido conseguiu a vitória nas eleições de 6 de agosto de 2015, tendo começado imediatamente a mudar o panorama político do país. Presidido por Andrzej Duda, o partido foi re-eleito a 13 de julho de 2020, no meio de todo o caos. Este partido de direita, nacionalista, ultraconservador e eurocético conseguiu reconquistar o poder na segunda volta daquelas que foram as eleições presidenciais mais renhidas dos últimos anos. Andrzej Duda angariou 51,21% dos votos contra 48,79% pertencentes a Rafał Trzaskowski, presidente da Câmara de Varsóvia e representante da Plataforma Cívica (PO), partido de centro-direita, “mais liberal e progressivo, muito pró-direitos LGBTQI+”, elucida-nos o cientista político Rémy Bonny.
A oposição existe pela forma de inúmeros partidos mais liberais e a favor da integração europeia. Contudo, tal não se revela suficiente para unir o eleitorado numa contra-proposta com a força eleitoral necessária para derrubar a extrema-direita. Deste modo, o Lei e Justiça (PiS) tem monopolizado o poder, atraindo para altos cargos os indivíduos mais conservadores, católicos e autocráticos.
A política está polarizada. O sistema judicial polarizado está. Utilizaram a maioria parlamentar para, inclusive, eleger juízes parciais para os tribunais superiores: “Quando todos os juízes se reformaram, o Governo pôde nomear novos juízes, e claro que nomearam juízes de direita conservadora. Então, sempre que algo vai ao Supremo Tribunal, estes juízes conservadores decidem de uma forma ultra-conservadora. É por isso que há uns meses vimos o anulamento do aborto na Polónia”, explica-nos Rémy Bonny. Os media são agora uma ferramenta de propaganda do partido no poder. Servindo-se da elevada religiosidade dos cidadãos polacos, este partido tem avançado com políticas contra os direitos humanos fundamentais, direcionadas às minorias. “O Governo não tinha ideias para as campanhas das eleições, então virou-se para difamar a comunidade LGBTQI+. É um método velho do partido PiS, usado para cobrir a ineficiência da crise da Covid-19 e outros tópicos desconfortáveis, como pedofilia na Igreja Católica. Este Governo já teve como alvo os refugiados, as pessoas com mobilidade reduzida, os judeus, os professores em greve, os médicos, os ambientalistas, os juízes, etc.”, revela-nos Jakub Gawron, que testemunhou tudo isto.
O Parlamento Europeu condenou “qualquer discriminação contra as pessoas LGBTQI+ e os seus direitos fundamentais por parte das autoridades públicas, incluindo discursos de ódio pelas autoridades públicas e oficiais eleitos, no contexo das eleições, bem como as recentes declarações de zonas, na Polónia, livres da chamada «ideologia LGBT»”, apelando ainda à ação da Comissão Europeia, nomeadamente para punir estas demonstrações.
Zonas Livres de Direitos Humanos
Em fevereiro de 2019, o presidente da câmara de Varsóvia e principal opositor de Andrzej Duda, Rafał Trzaskowski,assinou uma Declaração de Apoio aos Direitos LGBTQI+. Além disto, deixou clara a sua intenção de integrar as questões LGBTQI+ no currículo de aulas de educação sexual, inseridas no sistema escolar de Varsóvia, seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O partido Lei e Justiça (PiS) mostrou-se contra estas declarações, alegando que tal iria “sexualizar as crianças” e que era necessário defender “furiosamente” os valores da família polaca, porque se trata de uma “ameaça para toda a civilização”. Para Jakub Gawron, isto representa nada mais, nada menos do que “tentarem levar as pessoas LGBTQI+ de novo para os armários – sendo que a maioria ainda lá está de qualquer das formas”, o que, segundo a sua perspetiva, “não vai, de maneira alguma, melhorar a situação familiar – pelo contrário – destrói essas famílias que têm pessoas LGBTQI+. Leva a falta de confiança na sua família, vida nos seus próprios mundos fechados, depressão, pensamentos suicidas, alcoolismo, às vezes até ódio e perda de contacto.”
Por vezes estas famílias tóxicas reproduzem-se em casamentos sob pressão para esconderem a sua orientação sexual. É mesmo este modelo de família que os conselheiros que votam pelas resoluções querem?” Em vez disto, Jakub Gawron aponta que “o Governo local pode cuidar da família de várias formas. Pode investir em programas para lidar com o alcoolismo, o vício das drogas e a violência doméstica (…), mas eles requerem recursos financeiros, conhecimento, criatividade e prontidão para agir em várias frentes ao mesmo tempo.” Julka Ślósarczyk está de acordo: “Acho que, durante os últimos 3 meses, muitas pessoas na Polónia viram que estamos muito divididos. Essa é a ameaça para as nossas famílias; não a existência de pessoas LGBTQI+, mas o facto de estarmos tão divididos ao ponto de não conseguires aceitar alguém da tua família.”
Lukasz Szulc leciona Digital Media and Society no Departamento de Estudos Sociológicos na Universidade de Sheffield. Trabalha maioritariamente assuntos relacionados com os polacos LGBTQI+ e o uso de diferentes meios de comunicação. Confessou-nos que integra a comunidade e que, por causa disso, foi, por duas vezes, espancado em Cracóvia – isto antes de emigrar para o Reino Unido, onde se encontra atualmente, pelo que acompanha a situação de longe e faz questão de se manter a par das evoluções: “Eles decidiram usar os tópicos de minorias sexuais e questões de género instrumentalmente para ganhar mais alguns votos nas eleições. Temos um novo discurso sobre a ideologia de género, a ideologia LGBT. Então, de acordo com este partido e outros apoiantes, eles diriam que isto é um tipo de ideologia (…), que é ameaçador para as tradições polacas, para a maneira de ser polaca, para a tradição de família na Polónia”.
Enfurecidas, as camadas conservadoras aprovaram resoluções para “zonas livres de ideologia LGBT” ou “LGBT-free zones”, e emitiram a Carta dos Direitos da Família do Governo Local, que se foca nos valores familiares e ataca, de forma indireta, a comunidade LGBTQI+, com passagens como a que define a identidade do casamento enquanto uma relação “entre uma mulher e um homem, a família e a paternidade” (Artigo 18.º), a do direito à proteção da vida familiar (Artigo 47.º), a do direito dos pais de educarem os seus filhos “de acordo com as suas próprias convicções” (Artigo 48.º) e a do direito da criança à proteção “contra a desmoralização” (Artigo 72.º). Estes direitos foram intitulados pelos media enquanto “declarações de zonas livres de ideologia LGBT”. E foi assim que estes locais (municípios, condados e províncias) vincaram a sua posição quanto à Declaração de Varsóvia, deixando claro que os membros da comunidade LGBTQI+ não são bem-vindos.
Em dezembro de 2019, foi criado o Atlas do Ódio (“Atlas of Hate”), um mapa interativo da Polónia que assinala as localidades que aceitaram uma ou mais destas resoluções. Jakub Gawron é um dos responsáveis por este projeto (em conjunto com Paulina Pająk, Kamil Maczuga e Paweł Preneta). Além de lidarem com as questões técnicas do mapa, monitorizam a divulgação de resoluções e contactam políticos e meios de comunicação social para o manter atualizado, dividindo tarefas. Jakub, natural de Rzeszów, sudeste da Polónia, está encarregue de publicar estas resoluções, de estabelecer contacto com as entidades e de gerir os perfis das redes sociais do projeto.
O Atlas do Ódio, conta-nos, baseia-se em dois elementos: “um mapa com os governos locais marcados com «adotaram», «rejeitaram» e «influenciaram» resoluções anti-LGBT, e um documento online que contém uma base de dados rica com links de documentos oficiais e estudos estatísticos”. A vermelho estão os locais que adotaram resoluções. O verde diz respeito àqueles que as rejeitaram. A amarelo encontram-se os que efetuam atividades de lobbying (reuniões informativas, petições, inquéritos, etc). As cores individuais têm tons distintos, resultantes da sobreposição de diferentes níveis do Governo local (municípios, condados e províncias).
As resoluções anti-LGBT “combinam o conformismo, o medo e a falta de conhecimento, podendo ser uma ferramenta eficaz para a exclusão de pessoas não-heteronormativas do espaço público, começando por aqueles que estão sob direta supervisão do Estado, como escolas”, de acordo com Jakub, que aproveita os seus tempos livres para fazer voluntariado em organizações de direitos humanos, tentando fazer a diferença através de iniciativas como o Atlas do Ódio.
Este “projeto independente e de horas vagas, feito em cooperação com várias organizações e grupos” nasce da vontade de divulgar um fenómeno de difícil visualização, devido à sua escala. A versão interativa e detalhada que adotaram contribuiu para “popularizar o conhecimento acerca destas resoluções”, crê Jakub, tal como ajudará a “preparar a resolução do Parlamento Europeu acerca das LGBT-free zones na Polónia”. Como se não bastasse, “mantém o assunto no debate político polaco”, algo que se revela premente.
Entretanto, a resposta pública foi de tamanho alcance que pelo menos três Governos locais (Przysucha, Tatrzański e Przasnyski) já recorreram ao poder judicial na tentativa de intimidar e silenciar os envolvidos no projeto – em vão. “Na Polónia, tens de aguentar ser chamado de «ideologia LGBT» pela televisão estatal, conselheiros, Governo, primeiro ministro e presidente – mas não tens permissão para lhe chamar «ódio». Porque os seus advogados atentos vão arrastar-te para tribunal, com juízes desprezíveis por todo o país para te arruinar financeiramente e intimidar outros ativistas”, desabafa Jakub. Durante a entrevista, fez questão de clarificar a posição dos quatro elementos envolvidos: “Não concordamos com a discriminação e sonhamos com uma Polónia de direitos iguais, onde todas as famílias, independentemente da sua composição, são tratadas com o mesmo respeito.”
Juntos reúnem esforços para garantir a maior visibilidade possível para a questão das “LGBT-free zones”, uma “manifestação da hostilidade pública do Estado para com a comunidade LGBT”, almejando colocar-lhe um fim.
Crentes na Mudança
De acordo com o Relatório de Coesão Social de 2018 acerca da vida religiosa na Polónia, levado a cabo pelo Escritório Central de Estatística, quase 94% dos polacos (com 16 ou mais anos de idade) declararam pertencer a uma religião, sendo que o nível de religiosidade varia consoante as faixas etárias (é superior nas mais altas). Aproximadamente 70% dos inquiridos rezam uma ou mais vezes por semana e metade dos habitantes da Polónia participam em missas ou outros eventos religiosos pelo menos uma vez por semana. Os fiéis da Igreja Católica Romana estão em larga maioria.
Assim, é possível concluir que a Polónia é um país bastante religioso. A predominância da religião católica explica-se, entre outros fatores, pelo regime comunista. A Igreja Católica declarava-se abertamente contra o comunismo. Com os polacos oprimidos por um poder estrangeiro, a Igreja contribuiu para a luta pela independência, preservando e até aumentando o nacionalismo e a identidade cultural. Ao desafiarem o comunismo, conquistaram um lugar num patamar ainda mais elevado do que aquele em que já se encontravam. Este símbolo do património e da cultura polaca é respeitado por crentes e por não-crentes.
Outro fator que pode justificar esta religiosidade fervorosa é o Papa João Paulo II, o único papa polaco até à data (e o primeiro papa não italiano desde 1522). Ocupou o cargo de chefe da Igreja Católica de 16 de outubro de 1978 até à data da sua morte, a 2 de abril de 2005 (pouco mais de 26 anos). Considerado um dos líderes mais influentes do século XX, João Paulo II desempenhou um papel fundamental na queda do regime comunista na Polónia, regime este sob o qual o mesmo viveu. Desde o começo do seu pontificado que definiu como sua intenção conquistar a liberdade civil e religiosa para as nações dominadas pelo comunismo.
“O poder que a Igreja Católica Romana tem agora na Polónia deve-se parcialmente ao facto de, sendo contra o comunismo, apoiar a oposição política polaca. Assim, quando a Polónia derrotou o comunismo, isso foi parcialmente visto como uma vitória da Igreja Católica Romana também. Os novos partidos políticos e o novo Governo da Polónia ligaram-se à Igreja Católica e são influenciados por ela”, acredita Lukasz Szulc.
O protagonismo da Igreja Católica tornou-a um aliado precioso do poder político. O partido Lei e Justiça (PiS), extremamente católico e conservador, concede subsídios estatais à Igreja Católica. Este tipo de regalias une os dois pilares. “A Igreja move pessoas e as pessoas são quem dá votos”, relembra João Valério. Para Julka Ślósarczyk, a Igreja está, no entanto, “a participar na divisão das pessoas”, pois “a sua influência é enorme”.
Desde a campanha contra os direitos LGBTQI+, veiculada pelo partido no poder, que a Igreja Católica polaca tem aumentado a sua retórica homofóbica. De acordo com João Valério, a Igreja Católica compara “um momento muito negativo do país com a vinda do diabo para assombrar, e o diabo são as minorias e são as pessoas LGBTQI+”.
Em 2019, durante as cerimónias de comemoração do 75º aniversário da Revolta de Varsóvia (em 1944, contra a ocupação nazi), o arcebispo de Cracóvia, Marek Jędraszewski, comparou a homossexualidade ao comunismo, considerando ambas pragas:
“Nós sabemos também que, felizmente, o nosso país já não está afetado pela praga vermelha, o que não quer dizer que não há uma nova que quer controlar a nossa alma, os nossos corações e a nossa mente. Essa praga não é marxista ou bolchevique, mas nasceu do mesmo espírito, neo-marxista. Não é vermelha, é um arco-íris.”
Uma (Des)União de Valores
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 2000 pela União Europeia e os seus estados-membros, não deixa margem para dúvidas:
O Parlamento Europeu adotou uma resolução perante a discriminação e o discurso de ódio contra as pessoas LGBTQI+, incluindo as LGBT-free zones, apelando a que a Polónia revogasse as resoluções que atacam os direitos LGBTQI+, incluindo projetos de lei locais contra a “ideologia LGBT”, para cumprir com as suas obrigações para com a União Europeia e a lei internacional. Na resolução, o Parlamento Europeu, entre outras declarações, expressa “uma preocupação tremenda perante o crescente número de ataques contra a comunidade LGBTQI+, provenientes de oficiais do Estado e políticos a nível nacional, regional e local” e reconhece que existe “um aumento da violência contra a comunidade LGBTQI+ pela União Europeia, com crimes de ódio motivados pela homofobia e pela transfobia, enquanto as respostas das autoridades permanecem frequentemente inadequadas”.
A 16 de setembro de 2020, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, quebrou o silêncio quanto aos ataques à comunidade LGBTQI+ na Polónia:
“Eu não vou descansar no que toca a construir uma União de igualdade. Uma União em que se pode ser quem se é e amar quem se quer, sem medo e recriminação. Sermos nós mesmos não é uma ideologia, é a nossa identidade, e ninguém a pode tirar. Por isso quero ser muito clara: as LGBT-free zones são zonas livres de humanidade e não têm lugar na nossa União” (The Guardian).
Posto isto, a Comissão Europeia adotou, no dia 11 de novembro de 2020, a primeira Estratégia para a Igualdade da Comunidade LGBTQI+, para o período de 2020 a 2025, que, de acordo com a entidade, vem marcar “uma nova fase” nos “esforços para promover a igualdade para as pessoas LGBTQI+”. Esclarece que a “força social, política e económica” provém da “união na diversidade”, pois “a igualdade e a não-discriminação são valores-base e direitos fundamentais na União Europeia” e, ainda, que “a Comissão Europeia, o Parlamento e o Conselho, em conjunto com os estados-membros, partilham a responsabilidade de proteger os direitos fundamentais e garantir igual tratamento e igualdade para todos.”
Ao contrariarem a legislação europeia, os países europeus ficam habilitados a ser alvo de um procedimento de infração, podendo resultar, por exemplo, em sanções financeiras. Porém, não é assim tão fácil, como demonstra o cientista político Rémy Bonny: “As reuniões que temos com a Comissão Europeia mostram que querem avançar com o procedimento de infração, mas que ainda não têm todas as previsões legais prontas para isso. O que sabemos é que a Polónia e a Hungria estão a chantagear a Comissão Europeia, afirmando que, se eles avançarem com o procedimento de infração, eles vão vetar outras coisas”.
Enquanto cidadã polaca, Julka Ślósarczyk assume uma posição mais cética quanto à eficácia do papel da União Europeia: “Não sei se a União Europeia nos consegue ajudar agora. Acho que é demasiado difícil.” Segundo Julka, em resposta às repreensões da entidade, o Governo polaco diz: “estão a meter-se nos nossos assuntos privados e é o nosso país”. A jovem desabafa: “É sempre esta narrativa. É bom estarmos lá [na União Europeia], não sabemos durante quanto tempo, porque há uma hipótese de sermos expulsos.”
O inquérito LGBTI Europeu, realizado em 2019 pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), mostrou que, no que toca à satisfação sentida pela qualidade de vida para a comunidade LGBTQI+ na União Europeia, a média é de 6.5 (de 0 a 10). Conclui que aqueles que se identificam enquanto gays ou lésbicas têm a taxa de satisfação média mais alta, atingindo os 6.7. Os inquiridos que se autointitulam como trans ou intersexo constituem a taxa mais baixa: 5.6. Na Polónia, a média geral de satisfação foi 5,1 – o que representa o segundo pior lugar, ficando apenas atrás da Macedónia do Norte, com 5.0.
A Comissão Europeia está ciente destes dados: “para várias pessoas LGBTQI+ residentes na União Europeia ainda é inseguro mostrarem afeto em público, serem abertos quanto à sua orientação sexual, identidade de género, expressão de género e características sexuais (seja em casa ou no trabalho) – simplesmente serem eles próprios sem se sentirem ameaçados. Um número importante de pessoas LGBTQI+ também está em risco de pobreza e de exclusão social. Nem todos se sentem seguros para reportar os abusos verbais e a violência física à polícia.”
A 28 de julho de 2020, a Comissária para a Igualdade da União Europeia, Helena Dalli, anunciou que iria ser cortado o financiamento às zonas que se declararam “livres da ideologia LGBT”, devido ao seu comportamento. Estas tinham concorrido a uma bolsa de valores entre os 5 mil e os 25 mil euros através do programa Europa para os Cidadãos, que pretende estimular o debate e a participação cívica nas políticas da União Europeia. Rejeitaram a candidatura por não ir ao encontro dos objetivos do programa quanto à “igualdade de acesso e não-discriminação”. Este corte pouco surtiu efeitos, uma vez que o valor em questão foi atribuído (e até aumentado) pelo Ministério da Justiça da Polónia. A 18 de agosto de 2020, o site da entidade publicou uma notícia que dava a conhecer essa medida:
“O Ministro da Justiça, Zbigniew Ziobro, e o Subsecretário de Estado do Ministério da Justiça, Marcin Romanowski (…) entregaram um cheque simbólico ao vereador de Tuchów de um subsídio do Fundo de Justiça (…) para a compra de equipamentos salva-vidas e saúde no valor de 250.000 zlotys polacos (55.892.07 euros). Trata-se de um apoio ao município, cujo pedido de fundos da União Europeia foi rejeitado pela Comissão Europeia devido ao anúncio, pela Câmara Municipal de Tuchów, em maio deste ano, de uma resolução sobre o fim da ideologia LGBT no município.”
Atualmente, a Polónia é o país da União Europeia que detém a posição mais baixa no ranking da ILGA-Europe, que mede, anualmente, como estão a ser respeitados os direitos LGBTQI+ no continente. A organização atribui a cada um dos países uma posição, desde 0 a 100%, verificando as suas leis e políticas ao examinar critérios como igualdade e não-discriminação; família; crimes de ódio e discurso de ódio; reconhecimento legal de género e integridade física; espaço na sociedade civil e asilo.
Algumas das conclusões do ranking em causa foram:
- “49% dos países não revelaram qualquer mudança positiva;
- Pelo segundo ano consecutivo, os países estão em retrocesso (…), uma vez que as proteções existentes estão a desaparecer;
- A regressão é mais notória onde os direitos civis e políticos são erradicados: os direitos humanos dos defensores LGBTQI+ estão cada vez mais em risco, as autoridades têm adotado medidas para minar as associações da sociedade civil, e tentam banir eventos públicos.”
(dados de maio de 2020)
Para a Diretora Executiva da ILGA-Europe, Evelyne Paradis, “Esta é uma altura crítica para a igualdade LGBTQI+ na Europa. A cada ano que passa, mais e mais países, incluindo campeões da igualdade LGBTQI+, continuam a falhar os seus comprometimentos para com a igualdade para pessoas LGBTQI+, enquanto mais governos adotam medidas com as comunidades LGBTQI+ como alvo. Há razões para estarmos extremamente preocupados com o facto de esta situação se disseminar enquanto a atenção política se foca na queda económica provocada pela Covid-19.”
Para melhorar a situação na Polónia, a ILGA-Europe recomenda:
- “Garantir que o projeto da legislação de parceria registada para reconhecer e proteger casais do mesmo sexo seja aprovado e implementado de forma eficaz;
- Introduzir leis para os discursos de ódio e para os crimes de ódio que cubram explicitamente crimes motivados por preconceito e baseados na orientação sexual, na identidade de género ou em características sexuais;
- Garantir liberdade de associação para que as organizações LGBTQI+ possam operar e garantir que os direitos humanos dos defensores LGBTQI+ não estão em risco;Banir as terapias de conversão.”
Rémy Bonny, consultor de questões LGBTQI+ junto das entidades europeias, esclarece que “há o direito de não ser discriminado, mas há também a integridade pessoal das pessoas. As pessoas estão a ser espancadas pela polícia só por serem gays. Eles organizam protestos pacíficos e a polícia agora está a tentar evitá-los. Também a liberdade de reunião e a liberdade de expressão das pessoas LGBTQI+ estão a ser violadas.”
“Quem te informa teu amigo é”
O regime comunista na Polónia deixou heranças como a doutrina de imprensa estalinista, que controlava os meios de comunicação polacos. As próprias caraterísticas do sistema dos media polaco são resultado da transição pós-comunismo (como a privatização da imprensa, a transformação da rádio estatal e da televisão em serviços de transmissão pública, o fluxo de capital estrangeiro para o mercado dos media e a integração de políticas de media audiovisual europeias). Embora pluralista, a paisagem mediática polaca encontra-se, atualmente, bastante polarizada.
A Constituição de 1997 da Polónia garante liberdade de imprensa (artigo 14.º) e proíbe a censura preventiva (artigo 54.º). O setor dos media é regulado pela Lei de Imprensa (1984) polaca e pelo Broadcasting Act (1992). Na Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras, e examinando o ano de 2020, a Polónia aparece em 62º lugar de entre 180 países. Em 2015, encontrava-se no 18º lugar, tendo atualmente o pior resultado.
Imprensa
O jornal com maior circulação na Polónia é o Gazeta Wyborcza, fundado por Adam Michnik (dissidente da era comunista) em 1989, depois das eleições parlamentares. Este jornal assume uma posição de extrema esquerda. Em segundo lugar está o Rzeczpospolita, com uma tradição conservadora (centro-direita). Os jornais têm um grande impacto na opinião pública polaca.
São vários os órgãos da imprensa que deixam explícitas as suas preferências políticas e até religiosas. As revistas Tygodnik Powszechny, Niedzielny e Nasz Dziennik, por exemplo, são assumidamente católicas (e de direita/extrema direita). A polarização política é tão notória nos jornais como nas revistas semanais. Do lado liberal ficam a Newsweek e a Polityka, que se opõem ao partido Lei e Justiça (PiS). Do lado da extrema direita estão a revista Sieci, a Do Rzeczy e a Gazeta Polska.
A 17 de julho de 2020, a revista semanal Gazeta Polska, conservadora e leal ao Governo, lançou uma campanha em que distribuiu autocolantes com a mensagem “LGBT-free zone”. Em declarações à Reuters, o Editor-Chefe da revista, Tomasz Sakiewicz, defendeu a atitude, exclamando que a intenção era a de provar a existência de censura ao não poder divulgar opiniões anti-LGBT, e também que as críticas que enfrentaram são “a melhor prova de que os LGBT são uma ideologia totalitária”. O Governo decidiu não sancionar a ação, alegadamente para proteger a liberdade de expressão.
Rádio e Internet
De acordo com a UNdata, em 2014, 66.6% dos polacos entre os 16 e os 74 anos usavam a internet.
A Polskie Radio é a rádio pública. Quanto a privadas, há mais de 200 rádios, incluindo a ultraconservadora Radio Maryja, a Broker FM, a Eurozet e a Agora. As mais populares são a Radio RMF FM e a Radio Zet. Tanto a rádio como a televisão pública tendem a favorecer quem está no poder.
Televisão
A televisão é a fonte primária de informação na Polónia. A Telewizja Polska (TVP) é a estação pública (equivalente à nossa RTP), com três canais terrestres, um regional e vários temáticos. Detém as maiores audiências, sendo que o noticiário das 19h30 é o mais visto do país. No setor privado, as principais concorrentes são a Polsat (cujo dono é o segundo homem mais rico da Polónia) e a TVN (detida pela Discovery). As três estações televisivas atraem, em conjunto, 75% dos espectadores polacos.
Para o jornalista Mariusz Kurc, que se demitiu da TVP, a televisão pública já não está a servir o público: “em vez de informação, os espectadores agora recebem propaganda incisiva destinada a assegurar-lhes que o Lei e Justiça é o melhor partido para governar este país”, declarou à NPR. De acordo com a Missão de Observação Limitada às Eleições da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a TVP inclusivamente apelidou membros de partidos rivais de “patéticos”, “incompetentes” e “mentirosos”.
O Governo já se apoderou da emissora pública, antes editorialmente independente, mas agora dirigida por cidadãos afetos ao Lei e Justiça (PiS) e pelo partido lá colocados através das emendas feitas, em 2016, ao Broadcasting Act, que define as leis pelas quais os membros do Conselho dos Media Nacionais (corpo de supervisão) se devem reger, bem como os seus poderes. As alterações resultaram no término dos mandatos dos então membros das direções da televisão e rádio públicas nacionais e na sua substituição por indivíduos que, para os Repórteres Sem Fronteiras, “não toleram nem oposição, nem neutralidade, e demitem os funcionários que resistem.”
Esta lei fez com que, como relata a OSCE, mais de 200 jornalistas abandonassem os cargos, tendo ainda despoletado um grande tumulto nos media públicos. Os diretores de vários canais públicos deixaram as suas funções como protesto e dezenas de milhares de cidadãos realizaram manifestações em vários pontos do país para mostrar descontentamento perante o controlo exercido pelo Governo sobre os meios de comunicação. Para a Freedom House, trata-se de uma tentativa para enfraquecer e silenciar vozes independentes e controlar a esfera pública.
Os membros do Conselho dos Media Nacionais não estão impedidos de pertencer a partidos políticos, pelo que o Conselho se encontra politizado, sendo composto por cinco políticos, dois deles pertencentes ao Lei e Justiça (PiS). O Tribunal Constitucional declarou, em 2016, as emendas ao Broadcasting Act como “inconstitucionais”, mas nada mudou. A nova gestão continua em trabalhos e a aumentar as preocupações relacionadas com a independência e imparcialidade da supervisão dos meios de comunicação públicos.
Andrzej Krajewski, jornalista reformado, revelou à NPR que “33% da população polaca só tem acesso à TVP24, um canal com 24 horas de notícias, então os seus cérebros são formatados por isso”. Esta formatação, explica, ocorre pela mão do Lei e Justiça (PiS): “Eles são propagandistas. Querem convencer as pessoas de que elas estão certas e a oposição está errada; de que estamos rodeados de inimigos.”
Segundo a OSCE, que monitoriza as eleições, a polarização dos media foi um problema nas últimas eleições da Polónia. “O ambiente da campanha foi bastante polarizado e tornou-se crescentemente negativo, enquanto as mensagens da campanha que continham retórica nacionalista e homofóbica contribuíram para uma sensação de ameaça”, concluíram. Apesar de os eleitores “terem inúmeras opções disponíveis, a sua habilidade para fazerem uma escolha informada foi minada pela falta de imparcialidade dos media, especialmente a estação pública”, declarou Jan Petersen, que encabeçou a observação das eleições que monitorizaram o voto polaco. “O uso de retórica discriminatória por certas figuras políticas é uma preocupação séria numa sociedade democrática”, acrescentou.
“Ainda que pluralistas, os diversos media estavam bastante divididos por diferentes ideologias políticas, com a maioria deles, principalmente o serviço de transmissão pública, a adotarem lados distintos na cobertura em vez de providenciarem informação objetiva e compreensiva” – pode ler-se no relatório das conclusões. A missão de “repolonizar” os media nacionais parece estar a dar frutos ao verificarmos os resultados das eleições. Para os Repórteres Sem Fronteiras, os “discursos partidários e as mensagens de ódio tornaram-se parte dos media públicos, agora transformados em porta-vozes da propaganda do Governo”, fortalecendo-o e deixando de salvaguardar a liberdade de expressão, o direito à informação e o interesse público.
A Luz Colorida ao Fundo do Túnel
Começámos esta reportagem a dar conta dos cidadãos polacos, que, confrontados com a realidade atual do país, saíram à rua para lutar pelos seus direitos. Mas nem todos concordam com esta forma de proceder. Alguns abrem mão das bandeiras arco-íris, empunhando as brancas; outros abandonam a terra que os viu crescer. Muitos fazem-no por razões ligadas à comunidade LGBTQI+; por ser mais fácil serem quem são noutro local, por quererem adotar ou legalizar o seu casamento, algo que não é possível na Polónia. Ao integrar páginas afetas à comunidade LGBTQI+, Lukasz Szulc reparou que, depois da última eleição, as conversas sobre migração aumentaram: “Olá, sabes como migrar? Quais são as leis?”. Algumas pessoas até perguntavam se podiam pedir asilo com base na identidade de género ou orientação sexual.”
João Valério, membro da Direção da ILGA Portugal – a Associação para a Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo – oferece a perspetiva pessoal de alguém cujo quotidiano é agora passado, em parte, a receber polacos que escaparam à nova realidade que lhes foi imposta.
Para Julka Ślósarczyk, o futuro está nas mãos dos jovens: “Acredito em nós, porque os protestos LGBTQI+ e toda a situação mostraram o poder dos jovens, porque foram eles maioritariamente quem se envolveu. Então acho que o futuro para a Polónia são os jovens que lutarão contra estes idiotas velhos que estão a criar este problema. Então, se alguns membros inteligentes do Governo perceberem isso e falarem com jovens, então temos uma hipótese para mudar isto e parar este ódio, porque é importante. Então sim, acho que os jovens são a nossa única opção.” Mesmo considerando fazer as malas e partir, Julka privilegia esgotar todos os esforços:
Lukasz Szulc, que, por ter emigrado, não convive 24 sobre 7 com o problema, nem de forma direta, mostra-se mais otimista:
Revela-se urgente que a União Europeia faça o que está ao seu alcance para colocar um ponto final nestes acontecimentos. Aos cidadãos polacos, dentro ou fora da comunidade LGBTQI+, cabe exercerem o seu direito ao voto de forma consciente e informada – sempre filtrando o que lhes chega da comunicação social. Só assim contribuirão para que as cicatrizes infligidas por (mais) um pesadelo não demorem a sarar.
Esta reportagem foi desenvolvida por Mariana Coelho, 21, e Sofia Nunes, 20, alunas finalistas da licenciatura em Jornalismo pela Escola Superior de Comunicação Social, no âmbito da unidade curricular de Ateliê de Jornalismo Multiplataforma.
Fotografias cedidas por Love Kraków, Jakub Gawron, Julka Ślósarczyk e Rémy Bonny.
AUTORIA
Depois de integrar a maioria das secções da revista, a Mariana ficou encarregue de incumbir esta paixão aos restantes membros. O gosto pela escrita esteve desde sempre presente no seu percurso e a licenciatura em Jornalismo veio exacerbar isso mesmo. Enquanto descobre aquilo que quer para o futuro, vai experimentando de tudo um pouco.