A Monstra Esteve À Solta
Já com 15 anos de idade, o conceituado festival de cinema de animação português marcou presença em Lisboa no passado dia 12 de Março, encantando miúdos e graúdos que por ele passavam. Durante dez dias, nas telas do Cinema São Jorge, Cinema Ideal, Cinema City Alvalade e Fábrica Braço de Prata,projectavam-se obras das mais diversas nacionalidades, numa edição dedicada aos países da América Latina.
Fernando Galrito, o carismático director artístico, apresentou a grande cerimónia de abertura, contado com a presença e discursos de muitos realizadores e parceiros. Ao som de música latina, passavam no grande ecrã algumas curtas-metragens, destacando-se filmes como Hasta Los Huesos, uma obra de René Castillo que retrata de forma genial e humorística a morte, um tema muito presente na cultura mexicana; A Grande Corrida, uma curta argentina, de autor desconhecido, datada de 1935; e a comovente Chuva nos Olhos, da mexicana Rita Basulto, que aborda o primeiro contacto de uma menina com a morte, questionando o porquê de o seu avô se ter esquecido dos seus pertences, como a sua mala de viagens e o seu rinoceronte.
A cerimónia terminou com mais um momento musical antecedido de uma homenagem de José Manuel Xavier a Fernando Pessoa, a propósito dos 80 anos da sua morte – um Livro-Filme que contém passagens de algumas obras do grande poeta português acompanhadas por desenhos interactivos e sem som, para que se pudesse apreciar verdadeiramente a beleza das suas imagens, explicou José Manuel Xavier.
Uma das grandes novidades do Monstra’15 foi precisamente o Cinema Mais Pequeno do Mundo, uma sala de cinema numa carrinha com lotação máxima de 9 pessoas, onde se puderam ver filmes com a duração de 1 minuto. Estacionada no Largo de Camões e no Príncipe Real, durante o dia as sessões eram para todos e à noite apenas para adultos. Os prémios foram também, provavelmente, os mais pequenos do mundo: o Amendoim de Ouro para o filme Supervenus do francês Frederic Doazan, vencedor do primeiro lugar, o Amendoim de Prata para Bolas! Et’s outra vez?!, um stop-motion do português Bruno Caetano, e o Amendoim de Bronze para The Evening Cigarette de Matthieu van Eeckhout, também ele de nacionalidade francesa.
Como de costume, a Monstra fez-se acompanhar da Monstrinha, um conjunto de sessões dedicadas aos mais novos a decorrer no período da manhã e início de tarde. Catarina, 35 anos, é responsável por receber as crianças, normalmente entre os 3 e os 6, que vêm assistir a estas sessões. «Eles vêm sempre com muita expectativa, super ansiosos, e o feedback geral é de que todos adoraram, gostaram imenso dos filmes», refere, destacando a capacidade do festival em despertar a nossa curiosidade e imaginação ─ «É um mundo cheio de cores, de formas, de ideias. Acho que é muito giro, para todas as idades!».
Outra novidade da edição deste ano foi a Monstra Universitária, cujo objectivo era «levar às universidades portuguesas filmes de animação produzidos nas melhores escolas de cinema do mundo», refere Fernando Galrito no site oficial do festival, sendo elas a inglesa National Film and Television School, a francesa GOBELINS, l’école de l’image e a ArtFX, também ela francesa.
Destacam-se ainda as retrospectivas, nomeadamente a Retrospectiva do Japão, que enriqueceu o festival com filmes de Hayao Miyasaki e Isao Takahata, respectivamente fundador e co-fundador do Studio Ghibli, e ainda Mizuho Nishikubo.
Constou também na programação a secção TerrorAnime, dedicada a filmes de terror, a ClipAnime para videoclipes de música animados, portugueses e internacionais, e ainda o Dokanim, dedicado a filmes do festival internacional Dok Leipzig, um dos mais antigos de cinema documental e animação, que tem lugar anualmente na cidade alemã de Leipzig.
A cerimónia de encerramento foi apresentada novamente por Fernando Galrito, que mostrou ao público os seus dotes de poliglotismo. Homenageou-se John Lennon com uma interpretação de Yellow Submarine, e novamente Fernando Pessoa com o Livro-Filme de José Manuel Xavier, tendo sido atribuídos os prémios nas mais diversas categorias ao longo de toda a cerimónia. Ao som de música cubana, Markus Dorninger apresentou-nos ainda o TagTool, um instrumento criado por si, premiado pela expressão visual espontânea, que possibilita a pintura e respectiva animação em tempo real.
Com um sneak peak exclusivo do cartaz da próxima edição do Monstra, chega ao fim este grande festival de cinema de animação. É de congratular o magnífico programa proporcionado ao público – «Temos a sorte de ter uma das melhores programações, sem exagerar muito, a nível europeu e até a nível mundial», refere João Gil, assistente de produção – e o excelente ambiente que se vive no festival. Desde workshops e masterclasses a conversas com realizadores, o Monstra consolidou um fantástico festival, estando verdadeiramente de parabéns.
A ESCS MAGAZINE analisa também alguns dos grandes premiados.
Fuligem | Vasco de Sá e David Doutel – Prémio Especial do Júri (Curtas-Metragens), Melhor Filme Português e Prémio SPA/Vasco Granja
A curta-metragem dos portuenses Vasco de Sá e David Doutel foi a grande vencedora da noite, merecendo projecção no fim da cerimónia de encerramento. Em concordância com o movimento regressivo de um comboio onde segue um homem, acompanhamo-lo numa viagem pelas suas memórias, centradas na existência de uma carruagem abandonada e de um rapaz do qual tomava conta. É sem dúvida uma história marcante que se foca não só na importância e contributo dos comboios em Portugal, como também no poder e simplicidade da imaginação de uma criança, concretizando de forma exemplar o ditado – “uma imagem vale mais que mil palavras”.
O Conto da Princesa Kaguya | Isao Takahata – Grande Prémio/RTP (Longas-Metragens)
Uma fantástica obra de Isao Takahata do Studio Ghibli sobre uma menina encontrada dentro de um brilhante talo de bambu. Acolhida por um cortador de bambu e pela sua mulher, rapidamente cresce e se torna numa elegante e requintada senhora que, apesar de encantar todos com quem se depara, tem de pagar o preço pelo seu crime e abraçar o seu destino.
Takahata concretiza um filme verdadeiramente comovente e um dos melhores trabalhos do Studio Ghibli.
Canção do Mar | Tomm Moore – Prémio Especial do Júri (Longas-Metragens) e Melhor Banda Sonora
Baseada no mito céltico das selkies, Tomm Moore traz-nos a história de Saoirse, uma pequena rapariga com a capacidade de se transformar numa foca, que embarca numa aventura com o seu irmão para encontrar o caminho de regresso a casa. Nesta viagem, o seu irmão apercebe-se de que as histórias antigas que a sua mãe lhe contava eram verdadeiras e que Saoirse detém o poder de as manter vivas.
É um filme absolutamente imperdível, dotado de uma excelente banda sonora e de poderosas metáforas narrativas.
A Ovelha Choné | Richard Starzak e Mark Burton – Melhor Filme para a Infância e Juventude (Longas-Metragens) e Melhor Longa-Metragem (Prémios do Público)
Quando a ovelha Choné decide tirar um dia de folga e divertir-se um pouco, acaba por ter mais acção do que inicialmente planeava. Numa aventura que envolve o Agricultor, uma caravana e uma colina íngreme que se estende até à Grande Cidade, cabe à ovelha Choné e ao resto do rebanho regressar sãos e salvos aos seus pastos verdejantes.
Apesar de o público-alvo serem os mais novos, é certamente um bom retrocesso ao cinema mudo, repleto de humor, inocência e animações encantadoras.
AUTORIA
Sebastião Sabino frequenta o curso de Audiovisual e Multimédia. Começou por experimentar programação e construção de circuitos eletrónicos, passando depois a contornar nuvens aos comandos de um avião da Força Aérea, até finalmente aterrar na ESCS. A sua paixão pela 7.ª arte fê-lo juntar-se à ESCS MAGAZINE, onde escreve sobre alguns filmes que vê e acha que tal equivale a uma licenciatura em jornalismo.