A saúde mental numa sociedade apática
Artigo por Margarida Rodrigues
O ser humano é incrível. Sempre me impressionou pelas suas características muito peculiares e um tanto insólitas. A falta de empatia é uma delas, mas quem me dera que fosse a única.
Por que razão nós, a espécie mais desenvolvida intelectualmente no planeta Terra, optamos por dar atenção somente às situações que nos afetam diretamente? Por que não adotarmos antes uma atitude do género: “e se eu estivesse no lugar daquela pessoa? Como é que seria?”. A verdade é que vivemos numa sociedade, mas não vivemos em comunidade. Assim, o problema do outro nunca é o meu problema.
O “abre-olhos” surge quando nos obrigam a aprender a respeitar e a olhar pelo próximo. Surge quando o problema do outro passa a ser o nosso problema também e quando nós, cidadãos do mundo, temos de assumir a responsabilidade de sermos um só. Eu sei, tudo isto são conceitos novos na nossa vida. Empatia? Compreensão e entreajuda? Esperem lá, porque eu nunca vi isto no meu dicionário!
Nos últimos meses, a nossa vida passou a ser guiada por uma única força – a sobrevivência à Covid-19. Lavar as mãos passou a ser um hábito (sim, descobri recentemente que, para muitas pessoas, não era), a máscara passou a fazer parte do nosso outfit of the day e só nos faltou a fita métrica para garantirmos o distanciamento social. O país adaptou-se a esta pandemia e as organizações competentes fizeram uma lista de todos os cuidados necessários. O que não nos foi dito é como é que poderíamos resguardar a nossa saúde mental no meio desta confusão toda.
Convenhamos que ainda não somos super-homens e que não foi fácil conciliar o teletrabalho com o cuidar dos filhos, o isolamento dos nossos “velhotes” com a deterioração das nossas condições de vida, consequência do desemprego e do lay-off, entre outras situações muito mais sensíveis, que prefiro omitir por agora.
O tópico, ainda tabu, da saúde mental foi, mais uma vez, deixado para segundo plano e só regressou “à baila” quando o bom do cidadão do mundo percebeu que não acontece só aos outros. Não é por acaso que, num inquérito realizado pela Organização Mundial da Saúde, em 130 países, os números são avassaladores:
- Mais de 60% dos países reportaram perturbações nos serviços de saúde mental para pessoas vulneráveis, incluindo crianças e adolescentes (72%), idosos (70%) e mulheres que necessitam de serviços pré-natais ou pós-natais (61%);
- 67% viram interrupções no aconselhamento e psicoterapia, 65% nos serviços de redução de danos;
- Mais de 80% dos países de alto rendimento reportaram o desenvolvimento de telemedicina e teleterapia para colmatar as lacunas na saúde mental, em comparação com menos de 50% dos países de baixos rendimentos
Os adolescentes foram, igualmente, uma preocupação. O isolamento provocou um claro atraso na vida destes jovens que se viram privados de experiências essenciais ao seu crescimento. Alguns especialistas neste tema salientam também o problema daqueles que já lidavam com outras perturbações antes da pandemia, fossem elas familiares, económicos ou de outra origem.
Não, o problema da saúde mental não surgiu apenas há um ano com o início do coronavírus. Os problemas do foro psíquico existem há tanto tempo quanto o ser humano e são tão graves quanto os problemas físicos. Infelizmente, a importância que é atribuída a uns e a outros não é a mesma. A tal falta de compreensão e empatia faz com que pensemos que nunca nos vai tocar a nós, até ao dia em que nos toca. É nesse dia que percebemos que somos simples seres humanos que não conseguem estar isolados e que precisamos uns dos outros para que o nosso dia a dia esteja completo.
O alerta para esta realidade obscura já tinha chegado até nós há muito tempo. Os casos de depressão, de ansiedade ou de perturbações psicóticas nunca deixaram de existir. A nossa atenção é que nunca esteve virada para eles e o grito de ajuda que muitos já nos tinham dado, infelizmente, só chegou agora.
Se a Covid-19 é um pesadelo nas nossas vidas, então que se torne também na chamada de atenção de que a sociedade precisa para olharmos para o outro, para ajudarmos o próximo e para erguermos quem nos rodeia.
Se precisas de ajuda ou queres ajudar alguém, podes contactar as linhas de apoio psicológico. A linha Saúde 24 está disponível 24h por dia durante os sete dias da semana. Deves ligar para o 808 24 24 24 e selecionar a opção 4, de aconselhamento psicológico.
A linha SOS Voz Amiga poderá também ser bastante útil em problemas relacionados com a solidão, angústia e desespero. Está disponível diariamente das 16h às 24h. O número para o qual deves ligar é o 21 354 45 45 ou o 91 280 26 69.
Corrigido por Ana Janeiro