Literatura

A Seleção: o princípio do fim

Há livros cujo conteúdo nos faz refletir durante dias, não por se tratar de uma história extraordinariamente boa, mas por escapar ao óbvio e romper com todos os paradoxos convencionais e tradicionais daquilo que deve estar presente numa obra. Quando acaba o primeiro livro da saga A Seleção, é exatamente com esse dilema que o leitor se depara, resultando, assim, na crescente vontade de ver respondidas as suas questões, ansiando pelo segundo livro da coleção.

A ação desenrola-se no reino Illéa, anteriormente conhecido como Estados Unidos da América. Este novo reino foi um resultado da 4.ª Guerra Mundial, que teve como cabeças principais a Rússia, a China e os EUA (facto interessante quando olhamos para as relações internacionais dos dias correntes). É justo dizer que este mundo pós-guerra é marcado por profundas desigualdades sociais em que os pobres se têm de subordinar aos mais ricos. Illéa ficou sob o comando da China, a grande vencedora da Guerra, e está dividida em 8 castas: a primeira ocupada pelos principais membros do reino e pela família real, e a oitava pelos mais pobres, nomeadamente sem-abrigos.

Quando o príncipe Maxon, filho do rei Clarkson e da rainha Amberley, atinge a maioridade dá-se a seleção, onde 35 candidatas das mais diversas províncias do reino se confrontam para conseguir alcançar o estatuto de princesa e ajudar o príncipe a governar contra as ameaças de golpe político, cada vez mais crescentes e efusivas no seio da população.

Ao início, esta obra pode parecer um típico cliché infantil, mas é muito mais do que isso e exige maturidade na leitura: aborda diferentes temas, diferentes perspetivas de ver o mundo e contém em si uma imensa diversidade de personalidades com as quais nos identificamos desde a primeira página. É, assim, correto afirmar que A Seleção, apesar de não ser o primeiro livro que nos chama atenção (seja pela capa ou pelos resumos que vamos lendo na internet), é um bom livro para todos aqueles que querem sair da sua zona de conforto literária e partir em busca de novos géneros.

Se há algo neste livro que desperte, imediatamente, a atenção dos leitores é a complexidade com que todas as personagens são construídas e a importância crucial que têm para o desenvolvimento da ação. América Singer é a personagem principal da obra e é caracterizada pela autora como sendo “determinada, perspicaz e seletiva”, pelo menos até ao momento em que toda a sua vida sofre uma reviravolta quando ela menos espera. O príncipe Maxon é um homem firme, carinhoso e cuja vida sempre fora mantida de uma forma artificial, atrás das paredes do palácio. Aspen é o companheiro de infância de América e está sempre presente nos momentos mais difíceis da rapariga, acabando por ser, também, a sua maior desilusão quando ela é a escolhida para representar a sua província na seleção.

Todas as personagens assumem um caráter importante na obra, até aquelas a que não damos tanta importância quando começamos a ler o livro: em algum ponto da ação, todas elas vão convergir e interligar-se, o que leva o leitor a tentar decifrar, compreender e ir até aos mais pequenos segredos de cada uma delas.

A estrutura formal da obra é do mais simples possível: frases curtas, capítulos pequenos e uma linguagem simples que leva o leitor a entrar psicologicamente no enredo, fazendo com que parar de a ler se torne uma tarefa no mínimo complicada. É, assim, justo afirmar que Kiera Cass mereceu todos os prémios e títulos que conquistou com A Seleção (ganhou, entre outros, o prémio de Mestre da Escrita pelo concurso The Pagemaster e o prémio para a melhor personagem principal pelo concurso Leader of the Pack). As metáforas e a ironia são, também, elementos presentes na história, o que faz com que a leitura seja ainda mais agradável e até mesmo cómica.

Posto isto e em forma de conclusão, é importante dizer que este é um livro que nos faz refletir sobre o mundo que nos rodeia, abordando temas com os quais nos podemos identificar de uma maneira magnífica nos dias de hoje: seja em termos políticos onde há países que se sobrepõem a outros, em termos da pacificação internacional entre as nações ou mesmo em aspetos sociológicos quando são abordadas as questões da desigualdade social entre classes e da pobreza, fazendo-nos refletir profundamente sobre estas questões de uma forma unilateral.

A Seleção é a obra ideal para todos aqueles que querem algo novo, pretendendo sair dos padrões tradicionais do que é considerado uma boa história. Este é um livro para quem quer uma leitura envolvente, um enredo fantástico e uma visão mais abrangente de um futuro que está nas nossas mãos.