Opinião

As moças de grelha

No dia 31 do passado mês, a organização da Fórmula 1, a mais prestigiada e importante modalidade automobilística de todas, anunciou que vai deixar de introduzir as grid girls (raparigas de grelha), um grupo de raparigas atraentes que, antes do início de cada corrida, ficava junto do carro de cada piloto, na grelha, num momento de apresentação pré-corrida. Mas essa prática não se limita apenas à Fórmula 1: é comum a quase todas as modalidades automobilísticas, apesar de algumas já terem abdicado desta “tradição”, como a Fórmula E, o campeonato de monolugares elétricos. Aliás, o diretor da Fórmula E “deu as boas vindas ao século XXI” à Fórmula 1 com esta decisão. A organização da F1 justifica esta decisão, acreditando que a prática “não é apropriada ou relevante para a Fórmula 1 e para os seus fãs, velhos ou novos, em todo o mundo”. A prática vai ser substituída pela introdução dos grid kids (putos da grelha, nome de gangue), tal como na Fórmula E, algo que eu considero uma excelente ideia, pois coloca os mais jovens, quer rapazes quer raparigas, junto daqueles que eles podem considerar como ídolos, partindo do pressuposto de que gostariam de ser pilotos no futuro.

Esta decisão não é, de todo, surpreendente, tendo em conta a conjetura atual da relação homens-mulheres, sobretudo homens em posições de poder e mulheres atraentes, independentemente daquilo que cada homem e mulher considera atraente. Aliás, até me admiro de esta decisão não ter sido tomada mais cedo. Não me admiro é que cheguem histórias de grid girls assediadas. No entanto, muito sinceramente, é-me indiferente que tenha chegado: as estrelas do espetáculo são os pilotos durante a corrida. Pornografia existe por alguma razão, meus amigos e amigas. Da mesma maneira, não me fazia confusão que continuassem a aparecer. Mas isso é, se calhar, o meu sexo a apoderar-se do artigo. A razão para a sua existência é até muito simples, e não tem nada a ver, veja-se bem, com a malvadez e perversão da mente masculina, predatória, animalesca, sem escrúpulos, sem exceções, apesar da grande quantidade de homens que, aparentemente, não o conseguem deixar dentro das calças. De qualquer maneira, é o melhor para o negócio, e não é algo que comprometa o desporto, apesar de ser uma tradição antiga. Mas há uma tradição de merda, e se eu defendesse esse argumento que abomino, era um hipócrita.

O desporto motorizado é um festival de adrenalina cujos fãs e praticantes são, na sua grande maioria, homens. Nesse contexto, o casamento entre mulheres voluptuosas e veículos em altíssima velocidade é inevitável. São ambos portas-estandarte do risco, do perigo: um é da morte, o outro é do pecado. Na Fórmula 1, sempre existiu um twist na coisa, na medida em que, aliado à adrenalina, a atmosfera à volta da modalidade é de um tremendo glamour e sofisticação, derivado do facto de ser um “desporto de ricos”. Desse modo, a presença num evento do género é um símbolo de prestígio, e muitos dos fãs famosos da modalidade, quando comparecem nos grandes prémios, vão para o paddock e, inclusive, para as boxes da equipa do seu piloto favorito. Nem considero o facto de provavelmente serem amigos, porque pilotos e outros famosos frequentam os mesmos círculos, e nos círculos de poder, não falta pessoas bonitas. Quando os círculos de poder são maioritariamente masculinos, não falta mulheres bonitas, partindo do pressuposto de que é um círculo heterossexual. Em suma, isto é uma panóplia de estereótipos, algo que não invalida a explicação, mas que justifica a decisão.

Mas algo que também não falta nestes círculos são eventuais intrusos que tentam afirmar-se de forma a atingir determinado objetivo, nem que seja ganhar a vida. Para muitas raparigas que têm ambições, por exemplo, no desporto motorizado, e que são, coincidentalmente, giras e boas, como se diz à moda tuga, ser uma grid girl é uma forma de começar. Foi assim que começou Michelle Westby, uma stunt driver (piloto de truques ou acrobacias, não há grande tradução) e piloto de drift britânica. “Nós estamos mais vestidas do que as adolescentes em supermercados”, afirmou num post de Facebook. Da mesma maneira, as atuais e antigas grid girls, quase na totalidade, culpam o movimento feminista, afirmando que está a ir longe demais e que está a tirar trabalho às mulheres.  Westby acrescenta: “Pensar que raparigas estão a perder rendimento porque as feministas pensam que sabem mais que toda a gente, quando não fazem a menor ideia do que estão a fazer, é frustrante”.

Nunca pensei que o movimento feminista fosse impedir mulheres de quebrarem estereótipos no que toca àquilo que é um trabalho de “homem” e um trabalho de “mulher”. Mas Donald Trump é o presidente dos Estados Unidos, por isso tudo é possível, à exceção de os sportinguistas irem para o Marquês em Maio. Aliás, ao mesmo tempo que tentam dizer que ninguém diz a uma mulher aquilo que pode fazer, essas mulheres tentam decidir aquilo que outras mulheres devem fazer. Cada vez mais o movimento feminista apresenta traços de movimento de culto, religioso e puramente dominado por ideologia. Quer o movimento feminista estar alinhado com movimentos que estão constantemente a infringir o ideal emancipador pelo qual lutam? Não há que duvidar das boas intenções do movimento feminista. Esta “terceira-vaga” está dominada por muitas mulheres que, por muito alto que seja o seu nível de educação, nem com um doutoramento ganhariam bom senso.

A Fórmula 1 é um desporto que consiste em pessoas (independentemente do sexo) pegarem em monolugares e conduzirem o mais rápido possível sem se espatifarem uns contra os outros ou contra as barreiras dos circuitos. Não é para ver mulheres bonitas. Mas não há mal nenhum em ver mulheres bonitas e apreciar a sua beleza. Se alguém colocar duas pessoas que não conhecemos à nossa frente e nos derem a escolher uma ou a outra para namorar ou estar na companhia de, vamos sempre escolher aquela que consideramos mais bonita. Não há problema nenhum nisso. Da mesma maneira, há homens que são capazes de tratar mulheres bonitas com respeito, e vê-las e acarinhá-las pelos sonhos que têm e não pelos seios que têm, tal como Michelle Westby, que concretizou um dos seus sonhos. Parece que há muita feminista frustrada por não ser jeitosa o suficiente para ter sido uma “moça de grelha”.