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A Severa: onde a gastronomia, a família e o fado se reúnem

O fado, por vezes considerado somente um estilo musical português, outras visto como uma paixão, é descrito como algo com que os jovens não se conseguem identificar por Maria Alexandrina, proprietária da casa de fado A Severa. “O fado é um género musical mais maduro e pesado. Os jovens não se conseguem identificar ou porque ainda não têm a maturidade necessária, ou porque ainda não passaram por aquilo que o fado mais transmite, isto é, a melancolia e a saudade”, afirmou.

Inaugurado em 1955 pelos avós de Maria, Júlio e Maria José de Barros Evangelista, o restaurante A Severa está localizado numa das zonas mais emblemáticas de Lisboa: o Bairro Alto. “Somos o restaurante mais antigo que pertence à mesma família. Somos um restaurante já de 3ª geração”, explicou Maria. “Os meus avós conheceram-se e foram colegas de trabalho numa casa de fado e, depois de se terem casado, quiseram abrir a sua própria casa de fado”.

Volvidos sessenta e dois anos desde a abertura d’A Severa, muito mudou no Bairro Alto e em Lisboa, mas A Severa manteve sempre o seu lugar. Apesar do letreiro já algo gasto e antiquado, o interior continua moderno, mas fiel às tradições do fado.

À entrada, Maria Alexandrina recebe os convidados e clientes com um sorriso. O restaurante é espaçoso, com capacidade para mais de 100 pessoas, é acolhedor e bem iluminado por candeeiros espalhados pelas várias paredes, onde também se pode verificar uma decoração com tijoleira, que forma várias paisagens da cidade de Lisboa. Junto da mesa reservada aos artistas, é visível um quadro do casal fundador da casa. “Os meus avós formaram o negócio numa altura em que só abria negócio quem tinha dinheiro e certezas de sucesso. Como o meu avô trabalhava numa casa de fado, tinha muita experiência. E o meu pai, que tinha emigrado para o Canadá, voltou para ajudar no negócio e aprendeu tudo com ele”, contou-nos Maria.

Nascida numa família apaixonada pelo fado, o seu primeiro contacto com o género musical aconteceu, inevitavelmente, ainda muito cedo: “Ainda nem tinha nascido e já ouvia fado!”, lançou a proprietária entre risos. “Ainda que nenhum dos meus familiares cantasse, todos eram apaixonados pelo fado e eu fui desenvolvendo um carinho especial por este estilo musical porque o ouvia diariamente”, continuou. Aos dezoito anos de idade, Maria Alexandrina entrou no negócio de família e atualmente gere, com o auxílio do seu irmão, o restaurante.

Em 2011, o fado foi considerado pela UNESCO Património da Humanidade e Lisboa considerada a capital do movimento cultural. “Concordo plenamente. Já não era sem tempo. O fado é muito mais do que um género musical. O fado é sentimento. É emoção”, reagiu Maria Alexandrina. “A letra é a coisa mais essencial no fado. Se não perceberes a mensagem escondida na letra, não te irás ligar nem à música, nem ao artista”, prolongou.

Quando confrontada com o resumo ou com a descrição do fado num objeto único, a proprietária não teve qualquer dificuldade ou hesitação: “A guitarra. É impossível ser outro objeto qualquer. A guitarra é a alma do fado. Sem ela, o fado jamais seria fado. O fadista não é ninguém sem o guitarrista. Ambos precisam-se mutuamente”, explicou-nos Maria.

Para a dona d’A Severa, o facto de o fado ter sido considerado Património da Humanidade trouxe, e tem vindo a impulsionar, uma nova vida à tradição: “As casas de fado já atravessaram bons e maus momentos, e agora as coisas têm estado melhores”. O grande boom turístico em Lisboa veio trazer imensa clientela estrangeira às casas de fado. “O fado está na moda”, rematou Maria Alexandrina. “Muitas pessoas vêm cá só para experimentar e para ficar a conhecer um pouco melhor o ambiente vivido numa casa de fado”, continuou.

Contudo, a proprietária do restaurante não esconde a sua insatisfação com a população portuguesa, por esta não dar o devido valor e reconhecimento ao fado: “É preciso que os estrangeiros ganhem interesse e valorizem as nossas coisas para que o típico português também o faça”.

Atualmente, a larga maioria das casas de fado é frequentada por uma população mais idosa e existem várias razões que podem explicar este facto. Em primeiro lugar, o elevado preço a pagar para frequentar um restaurante do género. “Reconheço que uma casa de fado possa ser vista como uma forma de cultura mais elitista e seja, desta forma, pouco acessível para a população mais jovem”, admitiu a dona do restaurante. E, em segundo lugar, o fado não tem a mesma atenção mediática que os outros géneros musicais. “O fado não é para a cultura de massas. É um género muito específico e que não rende tanto dinheiro como os outros”, esclareceu-nos Maria Alexandrina. “Portanto é normal que seja dado um maior tempo de antena e que haja um maior investimento nos outros géneros musicais, pois geram mais receita”.

No entanto, a proprietária do A Severa afirma que as casas de fado sustentam, de forma quase exclusiva, a prática do fado: “Todos os grandes fadistas começaram por cantar em casas de fado”, exemplificou, e continuou, mostrando o seu otimismo em relação ao futuro do fado no país: “O fado jamais cairá em desuso”.

Defende também que o gosto pelo género e a proximidade com o mesmo relaciona-se fortemente com o tipo de educação que nos é dada enquanto crianças, e, para exemplificar este ponto, conta-nos um episódio: “Lembro-me de uma vez termos recebido um casal brasileiro, de ascendência portuguesa, que visitava Portugal e uma casa de fado pela primeira vez, que se emocionou, chegando mesmo a chorar ao ouvir algumas músicas, pois lembraram-se dos discos que os seus pais passavam no Brasil”.

Mesmo no meio de uma das maiores crises que o país alguma vez atravessou, a modesta dona do restaurante A Severa não perde a esperança. Acredita que a população mais jovem, apesar do evidente desinteresse pelo fado, irá saber apreciar o fado quando for mais madura e envelhecida. Quanto ao futuro das casas de fado, o sentimento de esperança é o mesmo. “As casas de fado são precisas e fazem já parte da história do nosso país. São diferentes. Não são um restaurante banal, mas também não são um pub. São um local onde é feita a combinação de duas das maiores marcas de Portugal: a gastronomia e o fado”.

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Num universo tão vasto como o nosso, quantas são as pessoas que são açorianas (micaelenses), ouvem música todos os dias, não falham um jogo do Sporting, leem livros e veem wrestling? Algumas, reconheço. Mas a pessoa que está a redigir este pequeno texto introdutório chama-se André Medina, tem 20 anos e, há dois anos, embarcou na maior aventura da sua vida.
Sair de casa nunca é fácil, e fazê-lo quando não se sabe cozinhar nem dobrar roupa é ainda mais complicado. Mas, muitas saladas de atum, pizzas do Pingo Doce e noodles depois, aqui estou eu: vivo e no último ano do curso de Jornalismo.
E, em jeito de recompensa por ter sobrevivido a estes duros anos, tive o privilégio de poder ser o primeiro editor da secção de Deporto na MAGAZINE. Eu, uma pessoa que ainda não sabe dobrar uma t-shirt como deve ser.
De qualquer forma, espero poder retribuir a confiança depositada em mim e quero que todos se sintam bem-vindos a esta escola e a este magnífico projeto, que é a nossa querida ESCS MAGAZINE.