Arrendar a vida
Esta crónica é escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico
Para os que moram na doce capital portuguesa há coisas que nunca mudam: o Colombo é insuportável em dias de jogo do Benfica, os pastéis de Belém são sobrevalorizados e os melhores orégãos compram-se na Rua Augusta.
No entanto, há coisas que mudam. As rendas em Lisboa crescem em completa desproporção com o resto do país. Citando o jornal online “ECO”, “as rendas no município de Lisboa custam mais do dobro do valor registado a nível nacional. No ano passado, o valor mediano das rendas de alojamentos familiares fixou-se nos 4,39 euros por metro quadrado, a nível nacional. Já na capital, o valor mediano das rendas foi de 9,62 euros por metro quadrado.”
Como bom humano que sou, chegou então a hora de apontar o dedo.
Não tenho uma gota xenofóbica no meu sangue, mas parece-me cada vez mais evidente que um dos principais fatores a influenciar o preço das rendas é um certo descontrolo turístico.
A escolha de Lisboa como nova moradia da Madonna catapultou uma vaga de excursionistas que já vinha em ascendente há vários anos. Num vácuo, tudo isto é excelente: mais pessoas a vir, mais pessoas a gastar, mais dinheiro para o Estado Português. So far so good. O problema vem ao de cima quando percebemos a abissal diferença nos poderes de compra: enquanto que o salário mínimo português, o fator base da regulação preçária nacional, não atinge os 600€, o alemão, o holandês e o sueco veem quatro dígitos no cheque ao fim do mês.
Enamorando-se pela vista do Tejo, qualquer estrangeiro minimamente rico que se prese compra uma casa em Lisboa, hoje em dia. A nossa capital tornou-se numa infestação de proprietários estrangeiros dispostos a pagar rendas a preços insustentáveis para o português comum. Preços que para eles são da “uva mijona”. Isto leva a que, por questões de competição económica, todas as rendas da cidade subam em dominó.
Claro que outros fatores contribuem para a ascenção das rendas lisboetas, mas a compra desbaratada de imóveis por estrangeiros ricos é, na minha opinião, a principal causa.
O que podemos fazer em relação a isto? Como absoluto leigo económico que sou vou tentar apresentar algumas ideias. Em primeiro lugar, devo dizer que algumas leis recentes do governo, como o congelamento das rendas antigas, vão dando passos tímidos para a resolução de tudo isto. Os idosos têm agora uma manutenção mais salvaguardada da sua casa. O problema são os jovens. Como formar família em Lisboa se nem de sair da casa dos pais muitos de nós somos capazes? Como culpar jovens que vão viver para Leiria, Coimbra, Portimão, Portalegre, Braga ou até para o Porto? E aqueles que em desespero recorrem à emigração?
A resposta parece-me ser à base dos incentivos fiscais. Os jovens precisam de ajuda e os senhorios precisam de ser travados. Que tal estabelecer um range de preço legal para o metro quadrado em proporção com a zona da moradia? E utilizar áreas abandonadas para construção, como é o famoso caso da Feira Popular?
Tudo isto são soluções embrionárias de um não economista. Sei, no entanto, que a crise de 2008 ligou-se brutamente ao setor imobiliário. Sei que algo tem de ser feito.
Querer viver na capital onde está a maioria dos serviços não deve ser impossível. Como esquerdista que sou não gosto de mercados demasiado livres. É preciso aumentar as poucas leis que temos e travar este galope. Senão, vamos ter de começar a dar um rim para viver na capital. Dava um bonito slogan, até: Lisboa, capital mundial da hemodiálise.
AUTORIA
João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.