Desporto

ARTIGO DE OPINIÃO – Um fim de semana com a “mejor afición del mundo”

Para todos aqueles que planearam assistir a este evento desportivo, a espera já ia longa. Chegado o fim-de-semana das corridas, os fãs do MotoGP dirigiram-se, em peso, para o circuito de Jerez de la Frontera, no sul de Espanha.

Depois dos treinos livres na sexta-feira e das qualificações no sábado, chega, finalmente, o grande dia: as corridas. Ora, tendo em conta que são três categorias, a festa é grande. E este circuito é um dos que mais permite isso. Existe uma área que se chama “pelousse” – esta zona é vendida a um preço mais baixo pelo facto de não ter lugares reservados e de não ter cadeiras. No entanto, para quem quer viver a verdadeira experiência do MotoGP este é o sítio ideal. Mas, como em tudo na vida, temos de fazer alguns sacrifícios.

Um deles é chegar cedo e acordar mais cedo ainda. Quando chegámos ao parque de estacionamento de terra batida já se viam as luzes das centenas de carros que iam chegando. Eram seis da manhã. Noite cerrada. Desde o parque até ao pelousse ainda é, pelo menos, um quilómetro. As pessoas, à medida que estacionavam os carros, seguiam a pé ao longo da extensa estrada que os levaria à entrada do circuito. Em fila indiana, cada um ia andando ao seu ritmo e carregando as suas coisas. Lancheiras, geleiras empilhadas em carrinhos, guarda-sóis, cadeiras de campismo, cadeiras de praia, toalhas de praia, mochilas, máquinas fotográficas, bancos, mesas desmontáveis, tudo um pouco.

Chegando à entrada, já com o sol a querer espreitar, esperava-nos uma subida até à zona da pista. Ainda meio a dormir, meio acordados chegámos lá cima. Assim que pisámos a relva do pelousse e vislumbrámos o circuito ainda vazio tudo valeu a pena. Se escutarmos com atenção, conseguimos ouvir os barulhos das motas dentro das boxes (do outro lado do circuito) a começarem a trabalhar.

As pessoas vão chegando e o speaker começa a falar: “Buenos días y bienvenidos al circuito Ángel Nieto de Jerez de la Frontera. El lugar de la mejor afición del mundo”.

Vêm de todos os cantos do mundo. Muitos deles, de Portugal, tal como eu, para apoiar o nosso piloto Miguel Oliveira (RedBull KTM Tech 3). O MotoGP não é apenas um evento desportivo. É uma festa do desporto e dos fãs de motociclismo. Não há guerras, agressões, insultos, assobios… Nada, absolutamente nada. Posso dizer que de todos os eventos desportivos aos quais já assisti, este é provavelmente o mais pacífico de todos.

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Miguel Oliveira, em pista, em Jerez de la Frontera, aos comandos da sua KTM.
Fonte – Captado por Ana Nunes.

Cada pessoa tem, claro, o seu piloto favorito. Grande parte vem até equipada a rigor. T-shirts, casacos, mochilas, bonés, bandeiras. De tudo um pouco, pode-se dizer. No entanto, a felicidade de estar ali supera qualquer tipo de fanatismo que possa surgir. Todos apoiam todos.

Antes das corridas, teve lugar, como é habitual, a sessão de warm-up. Mal os pilotos saíram para a pista, foram todos aplaudidos independentemente da categoria a que pertencessem. A sessão terminou, como é habitual, com os pilotos a acenar ao público.

No intervalo, aproveita-se para esticar as pernas e espreitar as bancas de comida e merchandising. Quem está na zona do pelousse tem uma grande vantagem pois com um só bilhete pode ter acesso a várias zonas. Muitos aproveitam o intervalo, ou até mesmo o warm-up, para ir espreitar a vista de outras partes do circuito. Na zona onde me encontrava, era possível ver facilmente desde a entrada da curva um até à entrada para a curva quatro. Se subíssemos o monte e entrássemos pela vegetação, espreitando por entre as árvores, surgia à nossa frente o final da reta da meta e algumas das boxes.

Iniciada a corrida de Moto3, apesar de todos estarem de olhos postos nos pilotos, os fãs espanhóis tinham um entusiasmo especial. Um dos melhores pilotos da categoria, Marcos Ramirez (Leopard Racing), era natural da região. O apoio dos presentes era notório pois quando Ramirez passava as vozes a gritar pelo seu nome e os apitos das buzinas faziam-se ouvir.

No entanto, tal como disse, o apoio é para todos os pilotos, sendo ele o nosso preferido ou não. Todos estão ali para dar o seu melhor e merecem o devido reconhecimento. Pouco depois do início da corrida, o então líder do campeonato, o espanhol Jaume Masiá (Bester capital Dubai), sofreu uma queda mesmo à frente da zona onde me encontrava, tendo sido projetado da mota e aterrado com toda a força no alcatrão. Ouviu-se um “Ah” em uníssono e todos se levantaram para ver como se encontrava o jovem piloto de apenas 18 anos. Teve de ser assistido, abandonou a pista de maca e saiu pela via de serviço já de ambulância. Ao passar, um mar de gente levantou-se e as palmas para Masiá fizeram-se ouvir.

Estas situações fazem parte do desporto e o jovem piloto espanhol não foi o único na categoria a ter azar. Marcos Ramirez viria a cair sozinho, numa reta, noutra parte do circuito, quando seguia em segundo lugar. A desilusão dos fãs foi grande. Ninguém queria acreditar. Felizmente, não houve danos físicos e poucos foram os materiais pois o piloto da Leopard levantou-se e seguiu caminho, já muito atrasado. Seguiu sozinho até ao final da corrida e até lá foi aplaudido. Terminada a prova, foi aplaudido de pé, mais uma vez. Mais tarde, viria a confessar que fez a última volta em lágrimas, debaixo do capacete devido ao erro que cometeu e ao apoio incondicional dos fãs.

Chegada a hora da segunda corrida, havia grandes esperanças quanto aos pilotos nacionais. Os três na primeira linha da grelha de partida eram espanhóis. Aquele que era mais provável fazer um bom resultado, Álex Marquez (EG 0,0 Marc VDS), viria a cair e a terminar nos últimos lugares da tabela, tal como aconteceu no ano passado. Já Jorge Navarro (HDR Heidrun Speed Up) e Augusto Fernandéz (Flexbox HP 40) terminaram no segundo e terceiro lugar, respetivamente.

Porém, o que mais marcou esta corrida foi uma queda que envolveu múltiplos pilotos. O azar aconteceu logo na entrada na primeira curva, após a partida. Todos os pilotos vinham na luta pela melhor posição numa zona decisiva quando, entre alguns inevitáveis encontrões, um deles acabou por perder o controlo da mota e caiu. Esse piloto foi Remy Gradner (ONEXOX TKKR SAG) que, depois de andar aos trambolhões no meio da pista e ter sido atingido por uma outra mota, ficou imóvel na pista. Álex Marquez também caiu na sequência deste acidente, depois de não ter conseguido evitar a mota de Gardner. Felizmente, conseguiu levantar-se imediatamente e seguir caminho. Entretanto, durante a queda, a sua mota teria atingido um outro piloto, Dimas Ekky Pratama (IDEMITSU Honda). O piloto pareceu ter ficado muito mal tratado, pois derrubou outro piloto, batendo na sua mota com o próprio corpo.

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O momento que fez parar a corrida de Moto2. Gardner caiu mais atrás e a mota está no meio da pista. Lá atrás está Alex Marquez e mais à frente Dimas Pratama. Marco Bezzecchi, com o número 72, vira a cair de seguida.
Fonte – Captado por Ana Nunes.

Este acidente fez parar a corrida durante vários minutos, acabando por ser encurtada de 23 para 15 voltas apenas. Durante o acidente, ouvia-se um burburinho enorme. Todos tentavam perceber se alguém tinha percebido como se tinha dado a queda, quem estava no chão, quem tinha caído e continuado, o que aconteceria a seguir.

Neste momento, posso dizer que apesar das aparatosas quedas e do grande aparato inicial, ambos os pilotos estão bem e irão participar na próxima corrida, em França. Ficaram bastante doridos, claro, mas estão bem. Isso era o que mais interessava a todos os presentes que aplaudiram os dois pilotos enquanto eram retirados da pista.

Depois de outro intervalo e de uma aeronave a fazer acrobacias em redor do circuito, chegou o momento pelo qual todos esperavam: a corrida da classe rainha. Assim que as motas passaram na volta de aquecimento o entusiasmo já se fazia sentir. Com os pilotos a postos na grelha de partida e os motores a aquecer, a espera parecia eterna. Eis que se ouvem os rugidos dos motores. Todos se levantaram, ergueram as bandeiras e soltaram as vozes à passagem dos melhores do mundo.

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Aqueles que assistem ao MotoGP vão dos oito aos oitenta. É um evento para todas as idades. Fonte – Captado por Ana Nunes.

Durante a corrida, os fãs chegaram-se às grades e observaram atentamente cada passagem dos pilotos. Nesta altura, faziam-se ouvir os apoiantes de todos os pilotos, inclusive os portugueses. Quando a corrida se aproximava do final, o vencedor já era mais do que óbvio. O piloto espanhol Marc Marquez (Repsol Honda) voltaria a ganhar sob um manto de bandeiras vermelhas com o número 93. O restante pódio também foi espanhol e a festa foi grande.

No entanto, o que mais me impressionou (outra vez) foi, sem dúvida, a atitude dos fãs.

Sempre que Miguel Oliveira passava, as bandeiras portuguesas esvoaçavam, acompanhadas de gritos de apoio e bandeiras com o número do piloto (88). Apesar de ter ficado nos últimos lugares (ganhando alguns pelo facto de outros terem caído), o apoio dos portugueses foi inacreditável.

Depois de terminada a corrida, quando Miguel Oliveira passou, viu o mar de bandeiras portuguesas erguer-se no céu espanhol; abrandou, levantou a viseira do capacete, acenou e agradeceu. Qualquer que seja o lugar em que tenha ficado, quer nos treinos, quer na qualificação, quer na própria corrida, o português foi sempre aplaudido de pé. Quando os resultados de todo o trabalho e esforço começarem a surgir nem quero imaginar como será o apoio. Nessa altura, tenho a certeza de que os gritos e as palmas de apoio a Miguel Oliveira se vão ouvir do outro lado da fronteira.

Artigo revisto por: Andreia Jesus