“As coisas acontecem muito por acaso”
Cinerama Peruana foi a sua obra de entrada na literatura portuguesa. Apesar de ter sido lançado há quase um ano, continua a receber críticas bastante positivas, dando um estatuto de talento promissor da ficção nacional a Rodrigo Magalhães. Autor discreto e contido, mas com extraordinária mestria narrativa, Rodrigo aparece sem qualquer background em termos de publicação ou de atribuição de prémios, mas apresenta uma maturidade capaz de igualar, se não mesmo superar, alguns escritores já estabelecidos.
Estreou-se um pouco mais tarde do que é normal. Foi por opção ou por falta de oportunidade?
Foi mais por opção do que por falta de oportunidade. Nunca tentei verdadeiramente publicar, nem nunca tive nada que me agradasse o suficiente para tentar publicar. Daí que não me tenha estreado aos 20 anos com um romance bombástico, como parece acontecer.
A maior parte dos escritores portugueses estreia-se um pouco mais cedo e não tem um estilo bem definido. Acha que ter demorado mais tempo lhe permitiu trabalhar mais e alcançar algo mais ao seu gosto?
Eu acho que, quando nos estreamos muito novos, quando um escritor aparece muito novo, a ideia é que de algum modo vai crescendo e as fragilidades são um bocadinho mais visíveis. Vai crescendo de livro para livro até que se chega à idade que eu tenho, que é uma idade de um bocadinho mais de maturidade… Como me estreei mais tarde já tive tempo para definir um estilo. Acho curiosa essa questão da maturidade, porque acho que ainda podia melhorar.
Sim, mas, tendo em conta os restantes estreantes, é claramente mais maduro.
Eu não leio os estreantes. Leio muito pouco de escritores portugueses. Na realidade, não tenho termo de comparação. É-me difícil avaliar. Acho simpático que diga que surjo em público já crescido e com barba rija, mas foi mais um acaso do que outra coisa qualquer. Não era nenhum plano de carreira estar a trabalhar nisto não sei quantos anos para depois aparecer em toda a minha plenitude. Foi um acaso. As coisas acontecem muito por acaso.
Sem dúvida. Nas personagem do seu livro está sempre presente o desejo de escapar ao que lhes está destinado. Por exemplo, na primeira história, Harry Heels quer escapar à sua família adoptiva. Isto reflecte de alguma forma a sua personalidade?
Sim, tenho sempre… não é que seja bem um desejo de escapar, mas é uma espécie de fantasia ideal de escapismo; quando nos levantamos de onde estamos e deixamos tudo para trás, a vida pode ser melhor. Pode ser diferente. Pode ser um bocadinho mais ideal do que aquilo que é quando estamos presos às nossas rotinas. Portanto sim, há um bocadinho de mim nessa necessidade de fugir, mas creio que toda a gente a tem, seja expressa ou não. O caso mais claro acho que é o do Harry Heels que quer desesperadamente fugir, mas quem é que não quereria fugir daquela família? Até porque é normal e humana essa necessidade de escapar. A fantasia de largar e ir embora é algo que me agrada bastante.
Talvez seja por isso que escolhe sempre locais estrangeiros, mais distantes? Tem mais liberdade criativa e vai ao encontro desse seu desejo?
Sim, também. Fundamentalmente, acho que tem a ver com a leitura, em primeiro lugar, e depois tem a ver com uma espécie de artimanha da minha parte. Ao escrever sobre Portugal, sinto-me obrigado a ser muito preciso, porque conheço em primeira mão o local. E, ao escrever sobre sítios que não conheça, ou que conheça de passagem ou de outros locais, sinto-me mais liberto; basta-me pesquisar uma coisa ou outra e o resto posso ir preenchendo. Portugal, para mim, é um tema muito corriqueiro.
E dedica muito tempo a esse seu trabalho de pesquisa ou prefere ter uma maior liberdade e moldar os factos à sua maneira?
Sou capaz de perder muito tempo à procura de um pormenor, mas não se pode dizer que seja um escritor que pesquisa no sentido próprio do termo e que acumula volumes e volumes de pesquisa; por exemplo, Flaubert, para escrever uma história sobre o Egipto, usou vinte livros sobre o país. Eu vou procurando e, quando estou num determinado estado de espírito ou ponto da história, tenho a fortuna de as coisas virem até mim. Abro um livro e encontro alguma coisa que me interessa ou estou a navegar na internet e descubro uma ligação para algo que me pode ser útil… É como se estivesse numa espécie de estado de espírito de receptor ideal. Estou atento a tudo o que esteja à minha volta… coisas que podem sempre ser enquadradas nas personagens.
A sua escrita é muito concisa: não desperdiça tempo com elementos que não têm qualquer importância e mesmo os detalhes que parecem mais irrelevantes conseguem como que criar um ambiente para a história, trazendo sempre algo de novo e necessário, enriquecendo-a. Considera que isto é como que uma influência minimalista? Aliás, considera-se minimalista?
Não me considero minimalista nem tenho grande experiência de autores minimalistas. Simplesmente não posso descrever as árvores que estão no jardim porque não sei o nome delas; não posso descrever o rosto das personagens porque senão eles serão necessariamente todos parecidos; neste aspecto, o meu vocabulário é muito limitado. Então prefiro deixar para o leitor os concluir e focar-me nos pormenores que dão credibilidade e consistência à história e que permitem descrever que esta poderia ser real.
A experiência que retirou na sua primeira publicação incentivou-o de alguma forma a trabalhar por uma segunda?
Mais ou menos… Eu sou muito discreto… secreto, vá. Retirei disto uma experiência de exposição à qual não estou habituado. Com coisas boas e com coisas más. No fundo, coisas muito curiosas. Alguns encontros com leitores muito sui generis. Lembro-me, aliás, de um encontro na biblioteca de Algés muito particular. Mas não creio que isso influencie ou deixe de influenciar o facto de escrever. Tal como disse na primeira pergunta, estreei-me muito tarde mas sempre escrevi; sempre escrevi para mim, portanto não tem influência absolutamente nenhuma o facto de agora estar sobre o olhar do público. Se quiser continuar a escrever, continuarei a escrever.
Esse episódio da biblioteca de Algés, quer falar um pouco mais sobre ele?
Era um grupo de leitura que estava reunido para uma ocasião especial organizada porque havia um concurso de primeiros romances que davam acesso a um prémio para se ir a França. Algo sem grande relevância, digo eu, cheio de mim [risos]. Achei à partida que era esquisito porque não escrevi nenhum romance, portanto não percebia porque é que estava ali e, como decorreu quase à noite, havia apenas três leitores e esses leitores estavam de algum modo mais interessados noutras coisas, como em conversar entre si a falarem dos netos, a falarem do tempo, de que se calhar já estava na hora de irem embora… Foi a minha primeira experiência de fama. Acho que é isso que se pode dizer. Aquelas pessoas estavam ali para me verem mas, a partir do momento em que viram que não era particularmente cativante nem entusiasmante, dedicaram-se à sua vida normal diante dos meus olhos, fingindo que estavam interessados, o que foi engraçado.
Mas foi algo desmotivante?
Ah, não, de todo! Não me chateia ver as pessoas agirem normalmente sem prestarem muita atenção ao artista. O artista está na casa mas os netos é que continuam a interessar, não é? [risos]
Tem, de momento, algum projecto seu em mãos que lhe agrade particularmente?
Estou a tentar escrever uma coisa… um romance, vá. Mas estou numa fase de um bocadinho de rejeição daquilo que estava a fazer e estou a ter dificuldade em encontrar o espaço ideal para o fazer. Então pode dizer-se que agora não estou a escrever verdadeiramente, estou só a elaborar e a pensar no que é que irei escrever para depois chegar a fazê-lo. É uma fase de planeamento, uma fase de alguma repulsa e de algum incómodo por aquilo que escrevi e ver se vale a pena continuar. Não é uma fase muito entusiasmante. Mas já foi mais desmotivante. Não há nada que tenha verdadeiramente desvantagens.
Em relação ao papel de escritor e de leitor, tem alguma preferência especial por um deles?
Acho que se podem interligar até porque não se pode escrever verdadeiramente sem ler. Há um certo prazer em qualquer um dos lados que é muito particular. Tanto a escrita absorvente como a leitura absorvente tiram-nos tempo para fazermos outras coisas, portanto tem que ser achado uma espécie de equilíbrio entre as duas.
AUTORIA
Cláudia Costa nasceu em 1992 e estuda Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social. Depois de anos a cultivar um carinho especial por Jornalismo, foi com a sua entrada na instituição e com a passagem no núcleo de rádio, ESCS FM, que decidiu dedicar-se à área e envolver-se neste projeto.