Black Panther – o segredo para o sucesso é a perfeição
Poucos são aqueles que ainda não ouviram falar no mais recente filme da Marvel Studios, Black Panther. Desta vez, isso é um bom sinal para o franchise.
Black Panther, realizado por Ryan Coogler, é o 18.º filme dos estúdios Marvel, uma obra cinematográfica que sai dez anos depois do lançamento do filme que deu origem a todo o universo Marvel: Iron Man. Por muitos recordes que tenham sido já batidos por filmes anteriores, como é o caso do primeiro filme dos Vingadores, que é neste momento o quinto filme com maior lucro de bilheteira de sempre, Black Panther é não só um dos mais esperados filmes dos últimos tempos como tem sido também muitíssimo bem recebido pelos críticos de todo o mundo. Lançado há pouco mais de uma semana nos Estados Unidos (e em Portugal), o filme tem vindo a quebrar, todos os dias, recordes de bilheteira. Quatro dias após o seu lançamento, já tinha arrecadado mais dinheiro do que o total arrecadado pelo filme Justice League, do franchise rival, DC Comics. Conseguiu ultrapassar os lucros de bilheteiras, no mesmo espaço de cinco dias, de Captain America: Winter Soldier, um dos filmes mais aclamados da Marvel Studios. Numa semana, já arrecadou mais dinheiro do que a grande maioria dos filmes X-Men. Mas, afinal, qual é a receita para o sucesso de Black Panther?
O filme conta a história de T’Challa (Chadwick Boseman), que já tínhamos conhecido em Captain America: Civil War, e as dificuldades que encontra ao subir ao trono do reino de Wakanda após a morte do seu pai, T’Chaka. O seu reino e a sua posição no trono é posta em causa quando Erik Killmonger/N’Jadaka (Michael B. Jordan) se apresenta como herdeiro ao trono e o desafia para um combate de ritual – quem ganhar o combate, seja por morte do oponente ou por desistência do mesmo, torna-se o novo rei de Wakanda.
A história é básica, como são quase todas as histórias de super-heróis. Mas o que torna Black Panther tão diferente de todos os outros filmes de super-heróis do seu tempo, e até de muitos outros filmes de Hollywood, é a grande crítica sociopolítica que está sempre presente ao longo do filme. As questões raciais, amplamente discutidas hoje em dia, têm no filme uma grande importância e dão voz, de forma constante, aos oprimidos e àqueles que raramente têm hipótese de falar sobre o assunto. Até o próprio enredo principal do filme se centra em questões raciais – o objetivo principal do vilão N’Jadaka é dar, através das armas e da guerra, a possibilidade ao seu povo (que considera ser o conjunto de todos os descendentes do continente africano, ou seja, todos os negros do mundo) de se defender contra as injustiças e violência social que sofre todos os dias.
Wakanda é o país mais avançado do mundo, tendo tecnologia com décadas de avanço em relação ao resto do planeta, e deveria interferir nos problemas que fazem o povo negro sofrer todos os dias; no entanto, prefere manter-se isolacionista, na sua redoma de vidro, escondendo-se do mundo através de uma fachada de país pobre e sem condições. Esta é a premissa do vilão, que muitos críticos defendem ser um dos melhores vilões da Marvel Studios até agora. Isto é particularmente importante num universo onde a Marvel Studios é conhecida por fazer vilões bastante fracos, como é o caso de Whiplash, Ronan ou Abomination.
Mas não é só a personagem de Michael B. Jordan que torna este filme uma experiência visual agradável. Esta obra cinematográfica vive das grandes performances de Chadwick Boseman, Lupita Nyong’o, Forest Whitaker, Daniel Kaluuya, entre muitos outros. A direção de fotografia, os efeitos especiais e, genericamente, todo o aspeto visual do filme deixam qualquer pessoa deliciada e não é difícil ouvir no público um “será que este sítio é real?”, tal é a forma realista como Wakanda nos é apresentada.
A banda sonora também é organismo vivo neste filme; é visível a mudança constante entre a música hip-hop e trap, presente nos momentos diretamente ligados a N’Jadaka, e a música tradicional africana, presente nas cenas com T’Challa e com o povo de Wakanda. Esta questão não é apenas uma escolha de pós-produção; T’Challa está muito ligado às suas raízes e ao seu povo, está mesmo de mãos dadas com aquela que é a sua ancestralidade. N’Jadaka, apesar de o seu pai ser de Wakanda, cresceu e viveu toda a sua vida nos Estados Unidos, no meio de um mundo completamente desligado e afastado das verdadeiras raízes do continente africano. Por isso mesmo, as suas raízes são as mesmas raízes que ouvimos expressas nas músicas de hip-hop.
Apesar de tudo isto, não nos podemos esquecer de que este não deixa de ser um filme da Marvel Studios e, por esta pertencer à Disney, isso significa que falta sempre um tanto de seriedade aos assuntos tratados. Até a questão racial é tratada com demasiada “elegância”: o vilão defende as suas atitudes com o típico “tu sabes o que se passa com o nosso povo”, mas nunca se diz nem nunca se mostra o que realmente se passa. Enquanto isso é, certamente, suficiente num país como os Estados Unidos, onde a discriminação racial é levada a extremos, é fácil o mundo hollywoodiano esquecer-se de que o mundo não são os Estados Unidos e que, por isso, pessoas de outras partes do mundo não se identificam com as mesmas experiências e podem precisar de mais contexto sobre os problemas apresentados.
Ainda assim é seguro dizer que a Marvel está a seguir um bom caminho com os seus mais recentes filmes – e esta obra está próxima da perfeição. Black Panther ainda tem muito para dar nas próximas semanas; continuará a quebrar recordes de bilheteira mas, ainda mais importante do que isso, será lembrado como um dos primeiros filmes de super-heróis a ter um elenco maioritariamente negro e a dar a oportunidade a muitas pessoas de se sentirem finalmente representadas num mundo cinematográfico quase sempre tão despido de cor.