Moda e Lifestyle

Comprar, usar e deitar fora: dá para quebrar o ciclo?

Nos últimos anos é quase impossível entrarmos no Tiktok ou no Instagram sem sermos “bombardeados” por hauls de roupas da Shein, Bershka ou Zara. Grandes encomendas com peças trending a preços muito baixos e que chegam sempre em tempo recorde. A verdade é que é fácil sentir a tentação de encomendar este tipo de roupas em grandes quantidades por causa dos seus baixos custos, mas, por trás destes preços, existe um sistema de fast-fashion que levanta perguntas importantes: Como são produzidas? Quem as produz? Qual o impacto que tudo isto tem no ambiente e na sociedade?

Quem paga realmente a conta?

Quando compramos uma camisola por cinco euros ou umas calças por dez euros, por vezes perguntamo-nos “Como é que é possível ser tão barato?”. A resposta está nos processos e condições de trabalho dos países onde estas roupas são produzidas.

Investigações recentes mostram que, em fábricas fornecedoras da loja Shein na China, os trabalhadores chegam a fazer 75 horas semanais, o que é contra a lei laboral chinesa. Isto significa turnos de 12 horas por dia, trabalhando apenas três horas a menos aos domingos. Para além disso, estes trabalhadores recebem por peça, o que os obriga a trabalhar incessantemente para conseguirem um salário minimamente aceitável.  Em 2023, a própria Shein confirmou dois casos de trabalho infantil, o que nos faz perceber que crianças que deviam estar em salas de aula estão a contribuir para a produção rápida destas peças.

Fonte: Google

Para além de problemas salariais, este tipo de trabalho prejudica a saúde dos colaboradores. Em muitas fábricas deste tipo de marcas, os estabelecimentos são mal ventilados, sobrelotados e com poucas medidas de segurança. Tudo isto leva a que se desenvolvam problemas respiratórios, problemas de pele, etc.

Mas a Shein não é um caso isolado. Como esta grande marca, existem muitas outras que nos são próximas que seguem os mesmos métodos de fast fashion. Este método é “bom” para nós, pois, enquanto consumidores, pagamos pouco, mas no outro lado do mundo há alguém que paga muito com o seu tempo, saúde e direitos.

Qualidade barata que sai cara

Outro segredo da fast fashion é a qualidade das suas peças, e a lógica é simples: roupas com defeitos e de má qualidade duram menos tempo, levando-nos a substituí-las por novas peças com igualmente má qualidade, o que cria um ciclo vicioso. Quantas vezes já compraste uma camisola ou umas calças que, após poucas utilizações, perdeu a forma ou a cor? Isso não é um acidente, mas sim uma parte da estratégia. 

Pesquisas mostram que, nos países mais desenvolvidos, a vida útil de uma peça de roupa é, em média, três ou quatro anos. Para nós, muitas vezes, nem duram uma estação. A isto chama-se obsolescência programada da moda, um conceito estranho, mas que se traduz na forma em que a roupa, tal como os telefones, é desenhada para obrigar o consumidor a comprar sempre mais. Ora, a verdade é que gastamos mais dinheiro ao repor o nosso armário constantemente, mesmo que o preço das peças seja mais baixo. Por isso, será que vale mesmo a pena apostar nestas lojas?

Fonte: Creative Commons

A fatura ambiental

Não são só os direitos humanos e a qualidade de produção que a fast fashion viola. A indústria da moda é uma das indústrias mais poluentes do mundo, por isso, o aumento da fast fashion nos últimos anos tem impactado significativamente o nosso meio ambiente.

Aqui estão alguns dados sobre o impacto negativo da fast fashion no mundo: é a indústria responsável por cerca de 10% das emissões globais de carbono, mais do que a aviação internacional e o transporte marítimo juntos; produzir uma t-shirt de algodão consome cerca de 2.700 litros de água; todos os anos são geradas 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis; apenas 1‰ das fibras usadas nas roupas é reciclada, tornando-se o resto em lixo ou acabando em rios.

Mas o impacto no ambiente não fica por aqui. Muitas das roupas que lojas de fast fashion vendem são feitas de poliéster, um derivado de petróleo, o que faz com que, cada vez que sejam lavadas, soltem microplásticos que vão poluir o ambiente, nomeadamente, os oceanos. Aliás, estamos em maior contacto com estes plásticos do que pensamos: estão presentes no ar que respiramos, na água que bebemos e, consequentemente, nos nossos órgãos. Assim, é importante termos noção de que, mesmo que compremos uma peça de roupa e que daí a três meses não a queiramos mais usar, mesmo que a descartemos, ela vai estar presente no planeta durante anos.

Tiktok e a cultura consumista

Quase todos os dias passamos os olhos num haul de roupa no Tiktok. A verdade é que a comunidade da rede social transformou a compra de roupas de lojas como a Shein em entretenimento. Este tipo de vídeos, que tanto cresceu desde a pandemia — nessa altura, as encomendas ao domicílio aumentaram significativamente —, é um dos conteúdos mais adorados, guardados e procurados nas redes sociais.

Acontece que estes vídeos acabam por “normalizar” as quantidades absurdas de roupas que os seus criadores compram, levando-nos a pensar “Wow, tanta roupa gira. Tenho de mandar vir também”. Para além disso, faz-nos pensar que repetir uma peça em fotos ou eventos é algo vergonhoso. Mas não, não devemos fazer o mesmo e não, não é vergonhoso. Não é normal apoiar este tipo de cultura consumista ou achar sequer que todas essas peças são realmente necessárias. Se o fizermos de forma a achar que comprar mais peças vai resolver o dilema de não termos roupa suficiente, vamos perceber, mais tarde ou mais cedo, que iremos sempre continuar “sem ter nada para vestir”.

Fonte: Youtube

Se quisermos, podemos ir ainda mais longe e dizer que a fast fashion acentua as inseguranças dos seus consumidores. Ao vermos x pessoa que nos inspira nas redes sociais a usar uma x peça de roupa, achamos que, para sermos como ela, temos de ter a mesma peça. Acontece que muitas das roupas mostradas em hauls de influencers vêm de parcerias nas quais as marcas enviam de graça aos criadores do conteúdo.  A partir daí, cabe-nos a nós, consumidores – tanto de conteúdo como destas marcas de roupa -, perceber se devemos ou não ser influenciados e perceber que o nosso valor como pessoa não é definido pelas nossas peças.

Isto não é sobre culpa, mas sim sobre consciência

Talvez estejas neste momento a pensar “Então, mas tenho de deixar de comprar na Zara, na Pull&Bear e na Shein?” – a resposta é não. Não escrevi este artigo com o objetivo de culpar ninguém ou de tentar deitar estas grandes marcas abaixo (até porque isso seria impossível), mas sim com o de consciencializar, nem que seja apenas uma pessoa, sobre os perigos da fast fashion. Não se pode culpar alguém por comprar nessas lojas, pois estas são, muitas das vezes, opções bastante acessíveis para a maioria das pessoas.

O ponto aqui é como consumimos essas marcas e este tipo de fabrico de moda. Não é o fim do mundo comprarmos de vez em quando, com consciência, mas sim quando isso se torna recorrente, quando todas as semanas fazemos uma encomenda de roupa ou compramos por impulso/influência peças que serão usadas muito pouco.  

Mas como é que posso começar a comprar roupa com mais consciência?” Bem, não é assim tão difícil: com perguntas! “Preciso mesmo desta peça?”; “Vou usá-la várias vezes ou apenas para um evento, viagem…?”; “Já tenho algo parecido no meu armário?”; “Isto combina com alguma coisa que já tenha ou quando chegar a casa vou perceber que não vou usar com nada?”. Ao fazermos estas pequenas perguntas antes de comprarmos uma peça estamos, possivelmente, a evitar fazer uma compra impulsiva e, assim, a resistir às estratégias da fast fashion.

Há soluções mais sustentáveis?

Sim, a boa notícia é que existem alternativas mais sustentáveis! Não é preciso escolhermos entre o estilo e a sustentabilidade. Embora nenhuma alternativa seja sustentável a 100%, existem melhores opções do que comprar sempre neste tipo de lojas. Uma opção que tem vindo a crescer nos últimos anos são as lojas em segunda mão. Feiras, lojas e plataformas online vintage como a Humana, a Vinted ou o OLX, que têm peças autênticas, em ótimo estado e com preços acessíveis. Além de serem uma forma mais sustentável e consciente de consumir, é possível encontrar roupas únicas que mais ninguém tem!

Quando tens um evento, por exemplo, não caias na tentação de ir comprar uma nova peça de roupa só para “estrear algo novo”. Em vez disso, troca roupas com amigas. A troca de roupas é uma ótima opção para reduzir hábitos consumistas e podes fazê-lo não só com amigos, mas também em eventos organizados em escolas ou outros tipos de comunidades.

Por fim, podemos ainda aprender a cuidar melhor das nossas roupas, ou seja, lavar a menores temperaturas, evitar utilizar máquinas de secar, ir fazendo pequenos arranjos aos defeitos que a roupa vai ganhando, entre outras. Isto vai fazer com que aumentemos a vida útil da peça.

Fonte: Pinterest

Agora já sabes: não é sobre nunca mais comprar fast fashion, mas sobre perceber que cada compra é um voto a favor de um sistema descartável e desigual. Por isso, cabe-te a ti usares estas dicas para votar contra este sistema!

Fonte da capa: Pinterest

Artigo revisto por Constança Alves

AUTORIA

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A Matilde é uma estudante de 3º ano de Relações Públicas e Comunicação Empresarial. Criada numa pequena aldeia, veio para Lisboa estudar o mundo pelo qual é apaixonada, o da Comunicação. Foi na Magazine que viu a oportunidade de aprofundar o seu gosto pela escrita, algo que já gostava de fazer desde criança. Adora viajar, ouvir música, comer sushi e ir à Disneyland (se pudessse, vivia lá). Atualmente, quase a terminar a licenciatura, encontra-se pronta para abraçar novos desafios e viver novas experiências!