Opinião

Crónica: Glorioso

Nunca gostei de desportos colectivos. Julgo ser consequência da minha personalidade anti-social e do meu enamoramento pela clausura. Sempre me identifiquei com a solidão do ténis e com o pacifismo do golfe. Complementando, sou avesso a todos os tipos de fanatismos – sejam eles religiosos, políticos ou antropológicos. Quando amalgamamos este dois traços da minha personalidade, obtemos uma contra-corrente de pensamento. Um indivíduo teórico, cuja experiência prática é nula, enojado pelo extremismo. Observo, com desgosto, a criação duradoura de uma “neo-religião”: o clubismo. Há apenas um desporto equiparável ao fanatismo de um extremista: o futebol. Devo, antes de continuar, dar a minha definição de facciosismo. Este é, para mim, algo análogo à informática. Troquemos o computador pelo humano (que, segundo o falecido Alan Turing, está para breve): o humano recebe um input e devolve um output. O mesmo humano recebe um input diferente e devolverá um output diferente. O fanático dá a mesma reposta independentemente dos estímulos externos e da realidade concreta. As crenças deste são insubstituíveis. Encontro cada vez mais esta situação no futebol profissional e, nomeadamente, no “clube com mais fãs do mundo”. Obviamente, estou a falar do Benfica. Que outro tipo de fanatismo, senão o religioso, leva milhares de indivíduos a viajar dezenas de milhares de quilómetros, para verem 90 minutos de algo? É inconcebível que estes adeptos sejam todos de um estrato social superior. Existe, então, um claro paradoxo, aqui. Como é que a ensanduichada classe média consegue suportar este custo? Um dispêndio que, no mínimo dos mínimos, será equivalente ao ordenado mínimo nacional. Um amor deste tipo é patologicamente doente. Caindo num cliché, que, por o ser, não deixa de estar correcto, há mais pessoas na rua quando o Benfica ganha do que quando os cidadãos desejam reivindicar os seus direitos constitucionais. Nem sequer terei de falar nas remunerações dos profissionais desta actividade. No entanto, e em certos aspectos, parece-me um fervor apático e conservador. Como é possível que o futebol seja dos poucos desportos em que a introdução tecnológica é residual ou mesmo nula? Como é que o “desporto-rei” não admite a inclusão de um sistema em que um árbitro possa observar replays das jogadas, ou em que este possa obter “julgamentos” de um indivíduo que se encontra estrategicamente colocado de forma a ver todo o terreno e sendo recetivo a numerosos ângulos? Falta de fundos não será de certeza. Restam poucas hipóteses. Eu aposto na mais óbvia.

Não é meu objectivo criticar nenhum adepto. A paixão de cada indivíduo é-me redondamente indiferente. No entanto, a falta de moderação, o extremismo e a meta-hipocrisia não me estão nas veias. A crise sangra, mas o vermelho persevera.

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AUTORIA

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João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.