Literatura

“Era apenas meio-dia.”

A esperança é uma força motriz para a vida. Quando tudo corre de forma completamente inesperada, resta-nos a fé. Quando tudo parece estar a desabar, podem existir revolta, tristeza, dúvidas… A esperança parece desaparecer por momentos. Há quem se manifeste contra os outros, ou contra o seu Deus, a sua figura de adoração (independentemente da religião). No seu próprio limite, um crente chega a questionar a Sua existência. No caso dos católicos, Deus é omnipresente, omnipotente e omnisciente. A fé parece desvanecer ao ver com os seus próprios olhos as injustiças do destino. Por que razão Deus quereria forçar a partir uma mãe ou um filho de uma forma repentina? Ou por que razão faria sofrer essa mesma mãe e esse mesmo filho?

Joan é um exemplo de força, personalizando a esperança na obra Há sempre um amanhã, de Pearl Buck – escritora norte-americana vencedora do Prémio Nobel da Literatura. A vida da personagem muda drasticamente quando termina a faculdade – volta para casa, para o seio de uma família presbiteriana.  Reencontra a sua mãe, o seu pai (pastor da igreja protestante da aldeia) e os seus irmãos (Frank e Rose). Poderia aproveitar o verão e quem sabe arranjar um emprego, embora a sua família seja relativamente abastada. O que poderia correr mal? Joan não espera que seja o último verão com toda a sua família unida. À medida que a trama se desenvolve, a personagem vê familiares e amigos partirem, procura alguém que seja o seu refúgio na solidão que sente, mas percebe que tentar camuflar os seus sentimentos não faz com que desapareçam. De que serve ter um marido, uma casa… se não é tratada como um membro da família? Na sociedade em que vive, o divórcio por vezes não é opção. A união aceite aos olhos de Deus não deve ser dissuadida, mesmo que o casamento seja uma farsa. 

De que serve fugir dos problemas se quando menos espera é confrontada com os mesmos? Frank mostra-nos a revolta que se sente quando se é consumido pela impotência e também a realidade de quem trabalha arduamente, sem conseguir ganhar dinheiro suficiente para comer. Rose segue o “chamamento de Deus”, tornando-se missionária, conhecendo um mundo de violência, coincidente com a Guerra Civil Chinesa (1927-1949). As histórias dos três irmãos cruzam-se, surgindo várias surpresas e novas responsabilidades para a protagonista.  A energia de Joan é inabalável, agarrando-se às pequenas coisas para dar sentido à vida. 

A narrativa é intemporal, fazendo qualquer um refletir sobre a obra. Embora se trate de uma história trágica, a escrita de Buck impossibilita a existência de um sentimento indiferente para com a protagonista. Mostra-nos mais uma vez que a mulher não é “um sexo fraco”. Joan está ao lado dos seus pais e irmãos quando estes mais precisam. Parece não viver a sua própria vida, mas a dos que a rodeiam, embora nunca perca a vontade de continuar a lutar. Sonha ter uma grande família, com crianças a brincar pela casa, algo que parece impossível… Recorda-se da sua própria infância com os irmão e outras crianças e, não perdendo nunca a fé de uma vida melhor, decide seguir um novo rumo. Mais uma mudança repentina na sua vida que nos mostra determinação. Após alguns anos, desde o início da trama, Joan consegue alcançar alguns dos seus sonhos, ultrapassando todas as tragédias que enfrentou. 

Embora seja apenas uma personagem de um livro, Joan mostra-nos que a esperança não morre quando existe dor. Embora seja protestante e se revolte com Deus, sabendo que a disseminação da fé culminou na morte de pessoas que amava, não se torna alguém inerte, conformado com a sua situação. Ela luta constantemente por uma vida melhor, de uma forma honesta e não esquecendo quem é. O verdadeiro amor existe e o sofrimento não é eterno.

No fim de contas, não precisava de se apressar. Era apenas meio-dia.

Pearl Buck, Há sempre um amanhã

Fonte da capa: Unsplash (Alexandru Vicol)

Artigo revisto por Andreia Batista

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