EuroCine Parte IV – O Cinema Espanhol
Após um breve escrutínio ao cinema alemão, o EuroCine parte com destino a Espanha. A terra de nuestros hermanos não só tem lançado talentosos atores e audazes realizadores, mas também tem sido palco de gravações de variados filmes internacionais, pelas suas distintivas paisagens. Estas são algumas razões suficientes para consolidar o cinema espanhol como indústria emergente na era moderna. Assim sendo, a rubrica deste mês irá apresentar, como é hábito, uma pequena lista de obras que expressem o melhor que Espanha tem a oferecer nesta área. Apertem bem os cintos, pois não é pouco.
O Espírito da Colmeia (1973), de Víctor Erice
Com cenário montado após o término da Guerra Civil, O Espírito da Colmeia serve de analogia à divisão espanhola durante a Ditadura Franquista, que assombrou a nação durante décadas. Utilizando o ponto de vista de uma criança de seis anos, Víctor Erice procura espelhar os efeitos nefastos do governo de Francisco Franco na sociedade espanhola. Recorrendo a figuras simbólicas, torna O Espírito da Colmeia muito mais que um filme sobre a ingenuidade infantil, mas sim uma crítica, ainda que indireta, ao autoritarismo espanhol. É um dos pioneiros da emergência da nação no mundo do cinema.
Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), de Pedro Almodóvar
Falar de cinema espanhol e não mencionar Pedro Almodóvar é como andar de comboio e esperar que não se atrase – praticamente impossível. Comparações à parte, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos valeu ao realizador a sua primeira nomeação a um Óscar, além de o ter lançado para a ribalta. Várias personagens com histórias distintas cruzam-se numa narrativa onde a impotência e o estado calamitoso da natureza humana estão em voga. Ainda assim, há um teor descontraído na construção do enredo que, lentamente, desvanece ao longo da carreira do realizador espanhol, assinalando um tom mais satírico nesta obra de Almodóvar.
A Espinha do Diabo (2001), de Guillermo del Toro
O génio de Guillermo del Toro está em evidência em A Espinha do Diabo, que decorre num orfanato, em plena Guerra Civil Espanhola. Um filme de terror que se distingue dos restantes dentro deste género pois procura elevar o conteúdo da mensagem que transmite, apelando à sensibilização de quem a recebe. Tudo isto é possível através de um cenário obscuro, bem equilibrado pelo contraste entre real e sobrenatural, conferido por sólidas personagens e uma narrativa verosímil. É, inevitavelmente, pautado por suspense, tensão e terror, mas transcende os hábitos do “vamos assustar o público e agradar as massas”, concretizando uma história com estrutura e sentido.
Mar Adentro (2004), de Alejandro Amenábar
Um filme que consciencializa e emociona, mas que causa maior impacto por retratar um caso verídico. Mar Adentro reporta os longos 28 anos de Ramón Sampedro (interpretado por Javier Bardem) na luta pelo seu direito à morte, após um acidente o ter deixado tetraplégico. O filme faz levantar algumas questões sobre a moralidade da eutanásia e os limites da sua legitimidade, mas não procura tomar partido de qualquer posição. Amenábar apela à reflexão da sua audiência, evocando a emoção e dor humana sem qualquer filtro. A abordagem da temática sensível aliada a uma realização e representação imaculada só podiam ter o seu corolário com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2004.
Volver (2006), de Pedro Almodóvar
É inevitável escolher apenas um único filme de Pedro Almodóvar para esta lista, quando se trata de um dos mais conceituados realizadores a nível mundial. Em Volver, a tragédia e perversidade humana são, de novo, o prato principal de uma história que se centra numa mulher (Penélope Cruz) entrelaçada pela morte e eventos do passado. A sobremesa, essa não revelo qual foi, pois não sou de dar spoileres, mas refiro que a conta foi paga pelos diversos prémios arrecadados a nível internacional. É, provavelmente, um dos melhores trabalhos de Almodóvar.
Truman (2015), de Cesc Gay
A amizade e a lealdade são, acima de tudo, as bases que solidificam esta enternecedora história de dois amigos de longa data que, juntamente com o rafeiro Truman, que dá o nome ao filme, testemunham a magia da brevidade da vida. O realizador Cesc Gay balança bem os momentos de humor com os mais emocionalmente pungentes, permitindo criar uma narrativa com a qual a sua audiência se identifique. Truman foi muito bem recebido e acumulou variados prémios a nível interno, muito graças à audácia com que transmite a mensagem. Façam favor de aproveitar e desafiarem-se enquanto cá estiverem!
Em suma, o cinema espanhol pode ter perdido algum do seu moderado sucesso evidenciado nas duas últimas décadas, mas a sua qualidade tem perdurado. Há atores, realizadores e cenários com potencial suficiente para que, a curto prazo, possa emergir uma nova produção de cortar a respiração. Até lá, e para quem não conhece, há muito para ver sobre as obras cinematográficas do país vizinho. Quanto ao EuroCine, este irá fazer uma pequena pausa para saborear as pipocas dos Óscares, mas estará de volta assim que as salas de cinema arrefecerem.