Fábrica Robinson – Do auge ao abandono
Quando se fala sobre o desenvolvimento industrial as primeiras cidades mencionadas são os grandes centros metropolitanos dos séculos XVIII e XIX, como Londres ou Lisboa. Muito dificilmente alguém mencionará Portalegre. Todavia, a pequena cidade do interior lusitano foi outrora o palco da ascensão da indústria corticeira nacional, categorizada na imponência da fábrica Robinson.
Encerrada desde 2009, a fábrica viveu momentos difíceis nos últimos anos de funcionamento, e atualmente apenas sobram as ruínas da glória de outrora; literalmente, pois a falta de modernização das máquinas e infraestruturas por parte das gerências mais recentes permite a visualização de tecnologia obsoleta do século passado. Contudo, os pesadelos do presente não devem desvanecer os méritos do passado, no tempo em que empregava perto de dois mil trabalhadores e ancorava o desenvolvimento económico e social portalegrense.
A família Robinson
É impossível documentar a história da unidade corticeira sem referir a família Robinson. Não só foram os fundadores da mesma, como também os principais investidores e proprietários durante os seus cento e sessenta anos de produção e tratamento de produtos derivados da cortiça.
Os investimentos por parte da família em terras alentejanas datam o ano de 1848, altura em que George William Robinson adquiriu a propriedade do seu compatriota Thomas Reynolds, na altura uma pequena oficina de transformação de cortiça situada no extinto convento de S. Francisco.
Nos anos seguintes, o novo proprietário utilizou de forma eficiente as ferramentas que possuía para aumentar a produção e importância da fábrica: a abundância de sobreiros existentes na região permitiu uma enorme facilidade na extração de cortiça e a panóplia de contactos que George Robinson tinha, nomeadamente no Reino Unido, que em 1850 representava 50% das exportações corticeiras portuguesas, possibilitou o constante crescimento do negócio.
Em 1868, Robinson aumenta o espaço físico da fábrica, adquirindo outra parte do convento de S. Francisco, dando origem à primeira de muitas aquisições que iria efetuar ao longo dos anos com o objetivo de aumentar o espaço Robinson, não só em Portugal como também na vizinha Espanha.
Foi no ano de 1881 que a fábrica mudou de patrão. George William entregou o seu legado à próxima geração, o seu filho George Wheelhouse Robinson.
O herdeiro fez um trabalho sublime no decorrer das suas funções, continuando a aumentar o negócio e o seu valor. Mas foi na esfera social que George Wheelhouse Robinson se destacou. Impulsionou e apoiou a fundação da Sociedade União Operária Portalegrense (1896), foi fundador e posteriormente presidente da Associação Comercial e Industrial de Portalegre (1898), financiou o projeto da creche Baptista Rolo (1903), fundou o Corpo de Bombeiros Voluntários Privativos da Robinson (1908), entre muitas outras intervenções de cariz social.
George Wheelhouse Robinson acabou por falecer em 1932, e, devido à morte prematura do seu filho, George Milne Robinson (1881-1918), motivada por doença, o negócio passou para a posse de acionistas (Sociedade Corticeira Robinson Bros., Lda), pondo fim à presença dos Robinson em Portalegre. Após a Segunda Guerra Mundial a fábrica viveu novamente um período áureo que se prolongou até à década de setenta.
Foi a partir dos anos oitenta que o negócio começou a perder a força e ferocidade dos anos anteriores, culminando em 2009 com a completa destruição do legado Robinson.
A “Fábrica da Rolha”
“Robinson” não é o único nome utilizado para denominar a fábrica; é normal ouvir a população mais idosa apelidá-la de “Fábrica da Rolha”. Contudo, a sua produção não consistia apenas em rolhas e com o passar dos anos até se afastou mais da produção das mesmas – todavia “fábrica da rolha” nunca abandonou o vocabulário da região. Mas para perceber o sucesso do negócio durante os séculos XIX e XX é necessário analisar as mudanças no tipo de produção e a evolução tecnológica que ocorreu durante esse período.
Nos primórdios da sua atividade, a Fábrica Robinson dedicou-se sobretudo à preparação de prancha enfardada, fabricação de rolhas e quadros.
A primeira aquisição de grande importância tratou-se de uma máquina a vapor de trinta cavalos, que permitiu o funcionamento da fábrica através de energia própria e possibilitou a aquisição de novos equipamentos produtivos. Estes dois fatores deram origem a uma melhoria de produção e ao alargamento do quadro de pessoal.
O sucesso do século XX é palpável através dos dados do jornal A Plebe. Em 1901 noticiou que Portalegre exportava para fora do concelho cem mil toneladas de rolhas e trezentas toneladas de cortiça em prancha, rapada e cozida, bens produzidos quase exclusivamente pela Robinson.
O outro fator decisivo na evolução e modificação produtiva da fábrica foram os dois períodos de guerra que emergiram na Europa no século XX. No período pós-guerra era necessário revitalizar os inúmeros países que ficaram devastados. Os responsáveis pelo negócio não deixaram passar esta oportunidade.
Primeiro em 1920, pós primeira guerra mundial, ainda sobre o comando de George Wheelhouse Robinson, a atividade da fábrica expande-se para a área dos aglomerados para revestimentos, produtos mais focados para a construção civil. Constroem-se os primeiros fornos para cozimento dos aglomerados de cortiça, na área onde ainda hoje está instalado o Aglomerado Branco. É adquirida uma nova Caldeira Aquo-Tubular de Vapor, da Babcock&Wilcox. Durante esta década são empregados mais de mil trabalhadores e a marca Robinson afirma-se como uma potência industrial.
Posteriormente, em 1948, pós Segunda Guerra Mundial, já sobre o comando de investidores portugueses, inicia-se a produção do aglomerado puro de cortiça, vulgo aglomerado negro. Para tal, foram instaladas 12 autoclaves, uma linha completa de serras para dimensionamento do produto e uma bomba a vapor que fazia os acionamentos dos autoclaves.
O Futuro
“Era a minha família, a minha vida”. Foram estas as palavras usadas por João Antunes para descrever a fábrica Robinson, local onde trabalhou durante toda a sua vida. O ex-funcionário fez também parte do corpo de bombeiros da fábrica, e comenta com tristeza a situação atual do estabelecimento – “é uma sombra daquilo que era”.
O sentimento do Sr. Antunes espelha as opiniões dos antigos operários. O encerramento em 2009 pode ter posto fim à produção, mas querem ver o espaço receber o respeito que merece.
É com esse objetivo que existe a “fundação Robinson”, sedeada em Portalegre, uma “fundação pública de direito privado que tem por fim a prossecução de ações de ordem cultural, educativa, social e da ciência”. A organização já realizou inúmeras atividades didáticas para dar a conhecer a história da Robinson e dos seus trabalhadores à região. Ainda assim, o espaço físico da fábrica encontra-se em pleno abandono, sendo inclusivamente usado para a obtenção de cobre e outros materiais por parte de indivíduos mal-intencionados.
Uma mudança é necessária para trazer ao espaço o orgulho e prestígio do passado e há alguns sinais de esperança. No passado mês de abril de 2016 o partido Os Verdes chamou a atenção para este assunto junto do Presidente da República. Embora muito ténue, este tipo de ações são um bom ponto de partida para o rejuvenescimento do espaço Robinson.















Boa tarde,
Encontro-me a fazer um levantamento das fábricas ligadas à indústria da cortiça no Montijo e surgiu o nome da
fábrica Robinson, contudo não consigo encontrar informação credível relativamente à sua presença (e de que ano a que ano) aqui no Montijo.
Se puderem dar-me algumas informações, muito agradeço.
Anabela Mariz
Boa tarde, Vários números das Publicações da Fundação Robinson se dedicaram ao assunto. Contudo, infelizmente, não está disponíveis online. Pode consultar um desses números a partir do meu site:
https://jorgemurteira.pt/wp-content/uploads/2024/07/022_PFR-1.pdf
George Williams Robinson, nasceu em Wakefiel, condado de York, Inglaterra, em 1815. A sua família tinha interesses ligados à importação de cortiça portuguesa – que era transformada em fábricas britânicas.
George Robinson veio a Portugal para contactar diretamente com o comércio corticeiro local, visitando diversas localidades do litoral – Moita, Setúbal, Sintra – dirigindo-se depois a Portalegre. Aqui, um seu compatriota, Thomas Reynolds, fundara em 1837 uma pequena oficina para transformação de cortiça, numa parte do extinto Convento de São Francisco, que ficara devoluto após a extinção das ordens religiosas decretada pelos liberais triunfantes em 1834 e que traçou um novo destino para o Convento de São Francisco, o mais antigo da cidade, uma vez que a sua fundação data do século XIII.
George Robinson instalou-se em definitivo em Portalegre em 1848, acabando por adquirir a pequena fábrica de Thomas Reynolds. Era o início de uma empresa que, começando lenta mas seguramente, se converteria na maior unidade fabril da cidade.
George Robinson possuía todas as condições para triunfar: um estabelecimento fabril com trabalhadores dotados de um know-how, uma região produtora de matéria-prima e, sobretudo, bons contactos em Inglaterra. Iria beneficiar, também, do aumento vertiginoso das exportações de cortiça. Se em 1797 Portugal exportara 115.182 grosas de rolhas e 1.331 toneladas de cortiça em prancha, após uma quebra decorrente das Invasões Francesas e da Guerra Civil, a partir de meados do século as exportações não mais pararam de subir, ascendendo em 1880 a mais de 2.000 contos de réis. Ora a Grã-Bretanha absorvia mais de 50% desse volume.
No início da atividade a Fábrica Robinson dedicou-se sobretudo à preparação de prancha enfardada, fabricação de rolhas, quadros e bóias. Nos anos cinquenta do século XIX tinha um total de 210 operários na área produtiva e 50 na extração de cortiça no campo.
Em 1854 iniciou a aquisição de terrenos e moradas de casas no lugar da Boavista, local onde viria a instalar a sua habitação principal e um dos principais núcleos de fabricação de rolhas.
Entretanto o seu filho George W. Robinson nasceu em Portalegre a 17 de Setembro de 1857.
Uns anos mais tarde, em 1868, George Williams Robinson adquiriu em hasta pública parte da propriedade do extinto Convento de São Francisco, que então pertencia à Fazenda Nacional. Neste ano faliram as três fábricas lanifícios da cidade: Larcher & Cunhados, Andrade & Larcher e a Companhia da Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre, lançando no desemprego seis centenas de trabalhadores.
A Fábrica Robinson assume-se como a grande empregadora, uma vez que os lanifícios só recuperarão parcialmente por volta de 1880, mas sem recuperarem o antigo protagonismo, o que só sucederá no século XX, com Francisco de Sales Fino.
O ano de 1872 foi marcado pela compra de uma Máquina a Vapor de 30 cavalos de força, equipamento este que irá permitir a aquisição de novos equipamentos produtivos. Neste quadro observam-se significativos incrementos de produção e o alargamento do quadro de pessoal. O abastecimento energético era antes executado pela Fábrica da Horta das Bolas, também conhecida por Fábrica da Luz.
Cinco anos mais tarde George Robinson adquire a Herdade de Casillas, Alburquerque (Espanha) a D. Mercedes Garcia Vallecillos. Foi o início da compra ou arrendamento de numerosos prédios rústicos com um duplo objetivo – a extração de cortiça e a exploração agrícola.
Na Representação dirigida aos Senhores Deputados da nação Portuguesa pelos Representantes de todas as Fábricas de Portalegre em 20 de Março de 1880 (Portalegre, 1880), consta que a Fábrica Robinson possuía 680 operários (260 homens e 420 mulheres), enquanto as restantes, 4 de lanifícios, uma de curtumes e uma de massas tinham, no seu conjunto, 463.
Neste ano, George Robinson comprou uma morada de casas e terrenos circundantes na Corredoura de Cima (hoje Av. George Robinson), local onde o seu filho George Weelhouse Robinson se irá instalar após o casamento. Ainda nessa época comprou outra morada de casas com Teatro anexo, na Rua dos Canastreiros, onde fundou uma igreja do culto evangélico, religião professada pela família Robinson e que ganhou um notável incremento entre a população operária da cidade. Essa componente religiosa é fundamental para se compreender a dimensão humanitária e altruísta dos Robinson, materializada na ajuda ao associativismo e à instrução dos operários.
1881 – No Inquérito Industrial de 1881 constam numerosas alusões e elementos quantitativos relativos à fábrica, a qual, ainda com o principal núcleo de atividade situado na Boavista, contava com 560 operários. No Inquérito se rendia homenagem ao industrial: «Ativo, inteligente, foi ampliando de ano para ano a fábrica, e adestrando e disciplinando, sob regulamentos severos o pessoal de que se servia, elevou a tal grau de prosperidade o seu estabelecimento, que não somente se constituiu o principal da província neste género de indústria, mas habilitou o seu possuidor a tornar-se um dos mais opulentos proprietários de prédios rústicos destes sítios».
Neste ano, George Robinson confiou a gestão dos seus negócios a seu filho, George
Weelhouse Robinson, o qual nascera em Portalegre em 1857, estudara em Inglaterra (Doncaster) e acabara de regressar a Portugal.
Morre a 30 de Abril de 1895, com 80 anos de idade, sucedendo-lhe na responsabilidade plena da direção dos negócios, o seu filho George Weelhouse Robinson.
George Wheelhouse Robinson acabou por falecer em 1932, e, devido à morte prematura do seu filho, George Milne Robinson (1881-1918), motivada por doença, o negócio passou para a posse de acionistas (Sociedade Corticeira Robinson Bros., Lda), pondo fim à presença dos Robinson em Portalegre. Após a Segunda Guerra Mundial a fábrica viveu novamente um período áureo que se prolongou até à década de setenta.
Foi a partir dos anos oitenta que o negócio começou a perder a força e ferocidade dos anos anteriores, culminando em 2009 com a completa destruição do legado Robinson.
Neste momento a Fábrica Robinson está aberta ao público para uma visita. Se um dia pretender visitar.
Uma importante reportagem para a memória da fábrica e dos trabalhadores.
Parabéns.
A minha familia ftinha produção e fazia extração de cortiça mas apenas a nivel.familiar em São Brás de Alportel. Gostaria muito de saber mais sobre a fabrica, acervo fotografico e história
Boa tarde Sofia,
Deixo-lhe aqui o link de um documentário que fiz sobre a Fábrica Robinson há já algum tempo. Espero que goste: https://www.youtube.com/watch?v=wI929Csjejk
Vi agora o vídeo e tenho de lhe agradecer em nome de todos os Portalegrenses de que de alguma maneira viveram a Robinson. O meu avó trabalhou toda a vida na fábrica . Era um homem muito feliz e fez feliz a filha e a neta. Honra em trabalhar é a maior felicidade do mundo . Bem haja à Fundação. Pena que os executivos da câmara tenham deixado chegar este espólio à miséria actual . Turismo industrial seria um dos caminhos … por acaso tem registos da Fábrica de Lanifícios em Portalegre tb ??
Muito obrigada !