Opinião

Gracinha digital

Sabe tão bem estar no computador a, como se costumava dizer, teclar. Assim que a tecnologia se espalhou e transformou o mundo como nós o conhecíamos, as pessoas começaram a esconder-se atrás dos vários teclados que foram surgindo. A Gracinha, como devem calcular, não é excepção e também se rendeu às maravilhas do mundo tecnológico. É, ela só continua a ser peculiar numa coisa… Na forma graciosa como consegue cair em tudo o que é sítio e se consegue magoar com tudo o que existe e, vamos ser sinceros, com o que não existe.

Ora bem, mas estava eu a falar de como a tecnologia, e o avanço da mesma, revolucionou a forma como o ser humano interage entre si. Agora está tudo a, literalmente, um toque de distância. O que antes era distante e invisível agora é relativamente próximo e online. E o que antes era uma Gracinha a correr na busca infinita do carregador do seu computador, agora é uma Gracinha no chão a analisar profundamente os ácaros de um dos tapetes de sua casa. Vá, vamos rebobinar um bocadinho…

Estava a Gracinha, moçoila pequena e um tanto desastrada, confortavelmente embrulhada numa manta, enquanto fazia mil e uma coisas no seu computador, quando apareceu algo no ecrã do seu novo bebé: “Bateria fraca. Levante o rabinho do sofá se quer que eu continue a funcionar. Obrigada e uma boa corrida até ao meu cabo de alimentação”. Ok, se calhar estou a exagerar e estava só escrito: “Cuidado: bateria fraca a 10%” ou algo do género, mas aquilo que o computador dizia ou deixava de dizer é irrelevante para a história. O que é relevante aqui é que a Gracinha tinha que sair do seu ninho de mantas, unidas pela sua elevada temperatura corporal, para ir buscar aquele que seria o herói do momento: o carregador do computador.

Com muita dificuldade e esforço, a Gracinha não teve outro remédio se não levantar-se do sofá e fazer um sprint até ao seu quarto onde, no meio da confusão habitual, haveria de estar o dito cujo. E pé ante pé, passo a passo, lá foi a pequena moçoila, com umas meias antiderrapantes calçadas, a correr pela vida do seu computador. Derrubou bonecos, foi contra paredes e portas, bateu com o pé nos móveis, mas tudo valeria a pena, porque no final da corrida iria encontrar o cabo salvador e o seu computador não se iria abaixo, pelo que ela poderia continuar a fazer o que raio estava a fazer.

Contudo, como devem calcular, a corrida não foi assim tão pacífica quanto isso, ou isto não seria uma aventura da Gracinha. No decorrer daquilo que seria o exercício físico da semana, a pequena moçoila, que continua a ser desajeitadamente desastrada, esqueceu-se de que há espaços vazios da sua casa que têm um ou outro tapete (efeitos decorativos ou algo do género; não tenho bem a certeza da função que estes desempenham, só sei que a Gracinha adora – ou então não – aspirá-los e lavá-los, ocasionalmente, com a sua mãe). Ora, como devem calcular, uma Gracinha com meias que, supostamente, são antiderrapantes, mas que, no fundo, não são, o que significa que há uma probabilidade grande para uma pessoa normal cair com elas ao correr , e um tapete que decide “aparecer” no meio do nada não é a melhor mistura para se fazer.  Portanto, já devem estar a imaginar o cenário: a Gracinha, preocupada com a vida do seu computador e concentrada em chegar intacta ao final da corrida, um tapete maquiavélico e umas meias que, no final do dia, não lhe valeram de nada.

O que vocês não sabem é que ela, para além de se dedicar ao ramo da microbiologia tapeteira sem ter de usar um microscópio todo xpto, quase que acertou com a sua cabeça no móvel que estava posicionado mesmo à frente do tapete dissimulado. E tudo por causa do bem-estar do seu computador que lhe permite comunicar com os seus amigos sem estar realmente com eles.

Por isso, não sigam o exemplo da Gracinha e saiam à rua. Desliguem-se dos vossos computadores que, mais tarde ou mais cedo, vão precisar de que vocês vão buscar um cabo milagroso que irá permitir que continuem a comunicar com os vossos amigos através de smiles, emoções disfarçadas e aparências. Vão explorar o mundo e aquilo que este tem para vos oferecer em vez de andarem a surfar pela internet. Carreguem as vossas energias e não se preocupem com a energia de um mero dispositivo. Desconectem-se da vida digital, mas não do mundo real. Ou então quando tiverem de correr pela vida do vosso computador não levem umas meias “antiderrapantes”. Não caiam no mesmo erro que a Gracinha.

 

CRÓNICA - Gracinha Digital - Joana Ochôa (slideshow)

AUTORIA

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Joana Ochôa, a pequena Lambreta, nasceu em 1996 e estuda Jornalismo. A escrita tornou-se um refúgio aos seus 14 anos e desde então que não dispensa pôr os seus pensamentos e sentimentos numa folha de papel. Ou mais. Em maio de 2014 decidiu, finalmente, criar um blog: "A Paragem da Lambreta". É uma rapariga distraída, que diz e escreve «cenas».