Livros de Afonso Cabral barrados nos EUA
Afonso Reis Cabral, trineto de um dos maiores romancistas da literatura portuguesa, Eça de Queirós, aproveitou o talento herdado para seu próprio benefício e tornou-se um conhecido pós-modernista do século XXI. O escritor de 33 anos foi condecorado graças a obras de grande sucesso, que chegaram a ser traduzidas para outras línguas. No entanto, o seu nome não foi suficiente para permitir que as suas obras fossem traduzidas por editoras americanas.
A negação de tradução de dois dos seus livros aconteceu há dois anos, mas foi só em abril de 2023 que Afonso Reis Cabral se pronunciou, através das redes sociais, sobre a situação. Com o objetivo de levar as suas obras para o outro lado do Atlântico e expandir a sua audiência, o escritor enviou o seu trabalho para uma editora norte-americana (até hoje não identificada). Porém, o pedido acabou por ser negado.
As obras em questão são O Meu Irmão (2014) e Pão de Açúcar (2019). O primeiro relata a história de um professor universitário que, após o falecimento dos seus pais, fica encarregue do seu irmão de 40 anos com Síndrome de Down. Esta história não só é uma das mais conhecidas, como também foi agraciada, em 2014, com o Prémio LeYA. Já Pão de Açúcar (2019), inspirado na história verídica de Gisberta Salce Júnior (Gi para os amigos), uma mulher transexual brasileira que foi encontrada sem vida num poço de um prédio, no Porto, após ter sido espancada até à morte por 14 adolescentes. É através do ponto de vista de Rafa, um jovem institucionalizado, que descobrimos mais sobre a morte de Gi e sobre como a mente juvenil lida com o diferente. Com este livro, o escritor recebeu o Prémio José Saramago, em 2019.
Segundo a publicação de Afonso Reis Cabral, no Facebook, a editora considerou que ambos os livros abordavam temas “problemáticos” e não seriam, por isso, adequados para o mercado editorial americano. Sem primeiro referir e identificar o talento do autor, a editora explicou que a obra O Meu Irmão, ao apresentar uma personagem principal com Síndrome de Down, poderia trazer grande agitação nas redes sociais, pois “estes assuntos são levados muito a sério pelos media”, conforme referiu o escritor no esclarecimento. Relativamente ao livro Pão de Açúcar, o facto de ter sido escrito por uma “pessoa cis” e não por alguém da própria comunidade LGBTQIA+ era a preocupação.
No entanto, o primeiro a pronunciar-se sobre o assunto foi Pedro Sobral, administrador executivo da editora LeYA e presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), que partilhou a sua opinião na rede social LinkedIn. Na publicação, o presidente da APEL afirmou ter sido um ato de censura por parte da editora e não deixou de tecer elogios ao autor, referindo que dois “livros extraordinários” poderiam estar hoje a circular nos Estados Unidos da América. Sobral terminou o texto afirmando que Afonso Reis Cabral terá sempre espaço em Portugal para partilhar as suas obras e relatar a história das personagens “que melhor entender e quando e sempre que ele entender”.
Por vezes, é complicado proteger a imagem de uma empresa. Haverá sempre duas vertentes para todas as decisões. Neste caso, dado que a editora americana optou por rejeitar a tradução das obras de Afonso Reis Cabral, afastou quaisquer comentários negativos e revoltas sobre os temas delicados abordados nos livros. No entanto, esta decisão acabou por ter um impacto negativo, pois muitos consideraram-na um ato de censura. Para várias pessoas pode não ser considerado censura e apenas um ato de proteção à empresa. Porém, o uso das palavras também é arte. Um escritor não escreve só uma história. Ele estuda, pensa, reflete.
Desta forma, considero que este é um exemplo de censura. A meu ver, quando um escritor redige uma história como a de Pão de Açúcar ou de O Meu Irmão tem como objetivo pôr o leitor a refletir, a pensar sobre estes assuntos. Tentam sempre dar um novo olhar aos leitores. Ainda que estes temas sejam sensíveis para a sociedade, despertaram o interesse de Afonso Reis Cabral. O autor usou o seu lado criativo e partilhou-o com várias pessoas. Estava nas suas mãos decidir se o livro era digno de ser discutido e os temas debatidos, pois a função de um livro é originar opiniões diversas e levar o leitor a refletir sobre os assuntos atuais. Esta não será só a maior perda para a editora americana, como também para os cidadãos americanos, que não poderão ter acesso a estas obras.
Fonte da capa: Público
Artigo revisto por Beatriz Félix
AUTORIA
Apesar de se demonstrar tímida, a Catarina também é uma rapariga muito dada às pessoas e extrovertida. Sempre adorou escrever e viu a participação na ESCS Magazine como uma boa oportunidade para escrever sobre temas do seu agrado, especialmente a literatura. Tem um enorme gosto em se aventurar no mundo dos livros e viver na sua imaginação.