Cinema e Televisão

Lobo e Cão: o retrato policromático da juventude queer micaelense

O filme Lobo e Cão, realizado por Cláudia Varejão, já conta com uma aclamada reputação internacional. Estreada mundialmente em 2022, no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza, a longa-metragem recebeu o prémio para Melhor Filme – o Giornate Degli Autori. Com constante divulgação tanto na imprensa  nacional como internacional e com apoios de várias entidades, este sucesso destaca-se essencialmente pela sua produção e construção comunitária, na qual a realizadora se inseriu. A comunidade queer de São Miguel participou ativamente na criação do filme, livrando-se das hierarquias impostas numa produção regular.

A história de Lobo e Cão mergulha no quotidiano de vários jovens de São Miguel (Açores), convidando-nos a experienciar as suas rotinas e  angústias. Centrado na região isolada de Rabo de Peixe, altamente demarcada pelas práticas religiosas como as romarias de peregrinos, Ana, Luís e Clóe enfrentam as distintas dificuldades de ser jovem.

Fonte: Cláudia Varejão

O filme dá-nos a conhecer mais profundamente as famílias de Ana e de Luís: dois melhores amigos adolescentes que exploram a sua sexualidade e todo o espetro que esta envolve. Ana mora com os seus irmãos, com a sua mãe e com a sua avó e leva uma vida comum de trabalho num porto. Luís, com uma mãe que o envolve em carinho e aceitação, tenta viver de forma livre, ignorando quaisquer julgamentos exteriores e dando vida ao filme com maquilhagens e roupas resplandecentes. Por outro lado, Clóe, que mora no Canadá e visita esporadicamente, é como uma representação das possibilidades que existem para estes jovens fora da ilha, para lá do oceano que os agarra.

O fator auditivo é essencial para a perceção de empatia no espetador de Lobo e Cão. A banda sonora conta com artistas díspares, desde XINOBI ao português Guii, e músicas como The Book of Sounds, de Hans Otte (interpretada por Joana Gama), e Porque Te Vas, de Vive La Fête.

Fonte: Cláudia Varejão

A construção visual desta história faz-se através do uso de cores robustas e de granulado fotográfico que aliciam ao espetador. Os tons de azul, vermelho, amarelo e todas as suas variantes constroem o filme. Sejam os passeios no mar, as procissões religiosas ou os convívios do grupo de amigos, a imagem refletida e a fotografia do filme ressoam para quem assiste, dadas as preferências pelos cenários policromáticos. Através desta particularidade visual, a longa-metragem transparece uma homenagem à comunidade queer da região, demonstrando as características de um indivíduo num espaço em que o exterior se evidencia inalcançável. Porém, o retrato desenvolvido vai além da ilha, conseguindo ainda revelar-se noutras localidades com costumes e tradições semelhantes.

No fundo, Lobo e Cão simboliza as novas experiências e o conceito de autodescoberta de um grupo de pessoas que se encontra mais condicionado de forma social e económica, sendo este fator o que realmente atinge o espetador. Por isso, este filme recomenda-se a todos aqueles que acreditam na liberdade de expressão própria que ultrapassa todos os limites e fronteiras, porque, para além de ser a pura demonstração do que é ser jovem, é também a nostalgia de voltar a querer. E querer muito.

Fonte da capa: esQrever

Artigo revisto por Beatriz Morgado

AUTORIA

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A Laura não sabe estar quieta. Adora boas recomendações - especialmente de filmes bombásticos - e aceitou a oportunidade de ler mais sobre a área ao ser editora de Cinema e Televisão. A escrita sempre fez parte desta inquietude, com especial atenção para o despejar de emoções após uma sessão de cinema. Coloquem um bom neo-noir, fervam um bom chá de hibiscus e têm a sua companhia para sempre.