Artes Visuais e Performativas

Maria Sibylla Merian: Entre a arte e a ciência

Cruzar a arte com a ciência nem sempre foi uma abordagem comum entre investigadores. Maria Sibylla Merian, nascida em 1647 em Frankfurt, foi a grande pioneira deste método. Desde cedo, Merian, fascinada pelos seres invertebrados que encontrava na rua, trazia insetos para casa e fazia criação de bichos-da-seda, com o objetivo de os observar e conhecer a sua biologia. Crescida numa casa rodeada de artistas e influenciada principalmente pelo seu padrasto ilustrador, Jacob Marrel, começou a desenhar a metamorfose dos insetos que colecionava, com detalhes impressionantes aos 13 anos.

“Na minha juventude, eu passei o meu tempo a investigar insetos. Comecei com bichos-da-seda em Frankfurt. Percebi que outras lagartas produziam lindas borboletas ou mariposas, (…) e isso levou-me a colecionar todas as lagartas que eu poderia encontrar, a fim de ver como elas mudariam.” – Prefácio do seu livro Surinamensium Metamorphosis insectorum – Metamorfose dos Insetos do Suriname.

Há 300 anos, vivia-se uma realidade, na qual se acreditava que os insetos apareciam magicamente, a partir do pó, da terra ou da carne apodrecida. A reprodução dos insetos era vista como algo assustador. Eram designados como “seres do diabo”, pelas suas formas de metamorfose “estranhas” e pelo pequeno ou nenhum conhecimento que se tinha destes animais. Maria, hoje considerada uma das maiores influências da entomologia, veio a provar todas estas crenças erradas, com os seus estudos e ilustrações encantadoras. A ilustradora científica viveu num período posterior ao Renascimento, o que teve grande intervenção nas suas obras. Este período caracterizou-se por uma produção científica intensa, que consegue ser explicada em grande parte pelas descobertas do Novo Mundo, ou pela rutura de vários paradigmas da ciência e da arte (assim como em muitas outras áreas). No que diz respeito ao estudo da biologia dos seres vivos, principalmente a morfologia e fisiologia de insetos; dissecar, desenhar, indicar e nomear partes de um organismo vivo era uma prática relativamente comum entre os naturalistas. No entanto, a representatividade feminina nestas atividades era quase nula, e, em vários estudos da entomologia era apresentada informação que, mais tarde, através do trabalho pioneiro de Maria Merian, comprovou ser falsa.

Merian foi a primeira cientista natural a explicar a metamorfose dos insetos em detalhes precisos no seu livro New Book of Flowers, publicado em 1675 que explica como todas as borboletas e traças nascem a partir de ovos, após reprodução (contrariando assim a ideia de que estes seres apareciam misteriosamente).

Maria Sibylla Merian, The Woman Who Made Science Beautiful - The Atlantic
Fonte: Livro Metamorphosis insectorum Surinamensium

Para entender melhor a vida destes animais, a ilustradora botânica incluiu ainda nas suas obras a diversidade da flora e da fauna que encontrava. Foi graças à naturalista que se descobriu que a mudança de lagarta para borboleta depende de um grande número de plantas envolvidas no processo. Em 1699, com a sua viagem ao Suriname, América do Sul, acompanhada da sua filha Dorothea, Merian deu um grande passo como mulher, cientista e artista. Ficou marcada para a história como a primeira mulher a viajar pelo mundo em nome da ciência. Apesar dos vários desafios que a selva do Suriname apresentou, sendo esta descrita como o “paraíso de qualquer naturalista”. Esta viagem permitiu à artista criar um dos trabalhos mais inovadores da história da ciência botânica, Metamorphosis Insectorum Surinamensium, de 1705. A coleção apresenta várias ilustrações deslumbrantes de insetos que nunca tinham sido descobertos, bem como de outros animais exóticos que encantaram a naturalista. Esta exploração e documentação do ecossistema, impulsionada por Maria Merian, mudou não só a forma como as pessoas olhavam para o desconhecido, como também aliou amantes de dois mundos diferentes: a ciência e a arte. Esta grande viagem serviu como motivação para os cientistas e artistas procurarem sempre mais além. Foram muitos os que se inspiraram a estudar espécies encontradas em terras ainda por explorar com as viagens marítimas e estadias ao Novo Mundo da artista.
Após esta obra desencadeada no Suriname, Maria Sibylla Merian trabalhou como artista botânica e dedicou-se à publicação de vários livros ilustrativos e gravuras.

Fonte: Livro Metamorphosis insectorum Surinamensium
Fonte: Livro Metamorphosis insectorum Surinamensium

Na Europa, a ilustradora documentou e catalogou os processos de metamorfose e de plantas hospedeiras de 186 espécies de insetos. Já na América do Sul, Merian dedicou-se à exploração de novas espécies e plantas que não encontrasse na Europa. As suas obras são também reconhecidas pelas menções feitas aos maus tratos que os escravos sofriam e às contribuições que os mesmos tiveram para as pesquisas da cientista. Na descrição da flor Peacock, escreveu:
“Os indianos, que não são bem tratados pelos seus mestres holandeses, usam as sementes [desta flor] para abortar os seus filhos, para que não se tornem escravos como eles mesmos.”

O legado de Maria Sybilla Merian permanece até hoje. Mais de seis plantas, nove borboletas, dois insetos, uma aranha e um lagarto foram nomeados em memória da cientista botânica. O seu trabalho em biodiversidade continua a ser valorizado por vários cientistas e é atualmente utilizado para mostrar como diferentes espécies podem se adaptar a mudanças climáticas. O amor de Maria pelo naturalismo, pelo desconhecido, pela arte e pelos insetos levou à criação de obras incrivelmente detalhadas e aproximadas à realidade, que permitem a qualquer observador se encantar pela biodiversidade do nosso planeta.

Fonte da capa: Naturalizaeducacion

Artigo revisto por Madalena Ribeiro

AUTORIA

+ artigos

Joana, natural de Vila Franca de Xira, decidiu aos 19 anos estudar jornalismo, como uma oportunidade de descobrir novas histórias e explorar mais sobre o mundo. A arte é um grande componente na sua vida, o que a motiva a escrever sobre o universo dos traços e das cores na ESCS Magazine. Hoje, já no seu último ano do curso, pretende avançar como jornalista multimédia e criar projetos que puxem pela sua criatividade.