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“Na rádio, a partir do momento em que começas, não paras mais. Pode haver um terramoto que tu continuas.”

Entrevista a Joana Marques – Parte I

A primeira parte desta entrevista centra­-se na rádio e na televisão.

Podes ouvir a entrevista completa aqui:

Mede pouco mais do que 1,50m, mas isso não a impediu de chegar ao Canal Q e à Antena 3.
 Quando era – ainda mais – pequena queria ser escritora ou pintora; hoje é guionista nas Produções Fictícias. 
É também apresentadora do programa “Altos e Baixos” do Canal Q e locutora na Antena 3. Ao lado de Ana Galvão anima, das dez à uma, as manhãs da Antena 3 no programa “As Donas da Casa”. Para além disto é uma Lisboeta do Futebol Clube do Porto que come sushi.

Parte I - Foto 1

Joana, “A primeira vez é sempre na 3”. Aproveito este lema da Antena 3 para te perguntar: como é que foi a tua estreia como locutora de uma rádio nacional?
Para mim a primeira vez foi na 3, sem dúvida, mas foi em dois tempos. Primeiro, já há uns anos, já não sei… Acho que foi em 2009, por aí, passei pela Antena 3 num outro contexto e num outro programa, que era as “Condutoras de Domingo”. Era um programa que fazíamos ao domingo ­ só com mulheres, tal como o nome indica ­ mas era um programa mais de debate e de conversa. Havia um pivô, de facto, que na altura era a Raquel Bulha, e eu só tinha que ir lá dizer parvoíces. Depois, anos mais tarde, aconteceu outra vez cruzar­me com a Antena 3. Nesse caso foi através do Diogo Beja e a primeira vez foi novamente na 3. Já não me consigo lembrar do primeiro dia. Calculo que estivesse stressada como as pessoas estão sempre que vão fazer uma coisa nova, mas sobretudo com vontade de fazer. Era uma coisa que eu já queria fazer há bastante tempo. Nunca pensei começar logo pelo programa da manhã ­ que é aquele que normalmente é mais ouvido em cada uma das estações. Acaba por ser o horário mais nobre, esse e depois talvez o fim da tarde. Foi bom, a coisa aconteceu com naturalidade. Não me lembro do primeiro momento de todos, mas nunca senti uma pressão terrível para ter que sair tudo direito porque acho que uma das coisas que também tem graça na rádio é o imprevisto e tudo o que pode acontecer. Não sou daquela escola que pensa que tem que sair tudo perfeito e tudo estudado. Há muitas rádios, como sabes, que gravam até a emissão, ou seja, está supostamente em direto, mas tudo foi gravado nem que seja meia hora antes para sair tudo perfeito. Nós na Antena 3 não temos muito essa lógica e vamos mais pelo caminho da imperfeição; umas vezes corre bem, outras nem tanto.

“Uma das coisas que tem graça na rádio é o imprevisto.”

“Não sou daquela escola que pensa que tem que sair tudo perfeito.”

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Qual é que foi a coisa mais caricata que já te aconteceu em direto na rádio?
Caricata… Não sei… Por vezes tem a ver com os telefonemas de ouvintes. Quanto mais interação há com os ouvintes mais possibilidade há de alguma coisa inesperada acontecer, porque quando estamos só entre colegas sabemos mais ou menos o que é que vai suceder, embora às vezes haja, por exemplo, ataques de riso. Lembro­-me de que há uns tempos, para aí há um mês, eu e a Ana Galvão tivemos um momento desses em que estávamos a falar com uma senhora de uma rádio Algarvia, já não sei bem qual… Nós temos um momento todas as semanas em que fazemos um simultâneo com uma rádio local e estávamos em simultâneo com essa rádio local. A senhora era assim muito formal, como são nas rádios locais mais típicas, e então quis anunciar com pompa e circunstância uma convidada que ia ter no seu programa. Mandou­-nos quase calar para dizer aquilo, do género: “Ah, tenho mesmo que dizer isto que é muito importante”. E nós: “Ok, ok!” E de repente anuncia com toda a pompa que vai ter no seu programa a diretora da “Voz de Loulé”, acho que era assim uma coisa, a diretora de um jornal. Nós estávamos à espera de alguém surpreendente… Foi ali um erro de cálculo na nossa expectativa. Nós não sei porquê esperámos o primeiro­-ministro ou assim, ou um jogador de futebol super famoso, e, de repente, era a diretora da Voz de Loulé. São aquelas coisas que depois contadas podem não ter graça nenhuma, mas naquele momento olhei para a Ana Galvão… Nenhuma de nós conseguia parar de rir, baixámos os microfones, mas a senhora continuava a falar e nós tínhamos que voltar à conversa com ela. Acho que esses momentos, em que te descontrolas, acabam sempre por ser os mais cómicos e mais marcantes porque tu tens mesmo que falar, tens de dizer qualquer coisa. Depois fomos ouvir a emissão, que estava em podcast, e nota­-se claramente, mesmo para quem não saiba, que estávamos a rir enquanto falávamos. Foi desconfortável porque nós não queríamos que parecesse que estávamos a gozar com a senhora. Deu­-nos foi muita vontade de rir aquela situação. Normalmente é mais isso, é quando há um elemento exterior ­ ou um ouvinte ou um convidado ­ que nos pode dar vontade de rir por qualquer motivo.

Parte I - Foto 3

Sente­-se mais responsabilidade quando se trabalha num órgão de comunicação público ou não?
Não sei… Acho que não pensamos muito nisso. Fazemos e pronto. Não estamos sempre a pensar nisso… Obviamente que, cada vez que temos reuniões para definir o que deve ser a grelha, o que devem ser os programas, temos em conta o facto de ser uma rádio pública e de ter que prestar o tal serviço público. É uma preocupação que as privadas não têm que ter, mas isso acho que é logo na base quando definimos que programas é que vamos ter. Depois, no dia­-a-­dia, eu acho que isso não se sente, não é uma coisa muito pensada, fazemos os nossos programas e pronto. Claro que sempre que há críticas as pessoas vão buscar muito aquele argumento do “Eu estou a pagar isto porque isto é com os meus impostos”. É um argumento que podiam usar para quase tudo o que é estatal e com o qual nos cruzamos ao longo do dia, mas usam muito quanto à RTP, quanto à Antena 3 ou Antena 1. Têm muito aquele sentimento de cobrar como se a rádio fosse deles. Eu percebo, acho que isso é natural, e nós tentamos corresponder de alguma maneira ao que as pessoas gostavam de ter numa rádio. Eu acho que a rádio, sendo pública, deve ser diferente das outras e acho que é. Goste­-se ou não acho que é diferente das outras ofertas.

“Eu acho que a rádio, sendo pública, deve ser diferente das outras e acho que é.”

Parte I - Foto 4 Parte I - Foto 5

Nunca tiveste daquelas angústias, daqueles dilemas existenciais do género: “Será que eu estou a fazer isto bem”?
A angústia não porque eu sei sempre que estou a fazer mal… (Risos) Portanto, nunca fico angustiada. Lá está, era a tal coisa de que falávamos há pouco sobre as imperfeições. Acho que estou muito longe da perfeição. Acho que nunca vou lá chegar sequer porque sou distraída e porque não sou perfecionista como alguns colegas meus com os quais já trabalhei e que admiro bastante porque têm essa coisa quase matemática de fazer aquilo perfeito, ou seja, não há uma única imperfeição. Eu mais facilmente cometo erros também porque estou lá há menos tempo do que muitos deles. Acho obviamente que vou melhorar, não é por aí, mas não melhorar até ao ponto de ser o suprassumo da rádio, não é essa a minha intenção. Eu até estou sempre mais do lado quase de sidekick (ajudante) do que de pivô, embora possa fazer de pivô quando seja necessário. Sinto­-me mais à vontade no lado de quem não está com a responsabilidade toda dos botões e do painel e está mais descontraído para poder fazer o programa.

“Sinto­-me mais à vontade no lado de quem não está com a responsabilidade toda dos botões e do painel.”

Houve necessidade de se fazer uma reestruturação na grelha da Antena 3 e o período da manhã não foi exceção obviamente. Esta necessidade de mudança nas manhãs deveu­-se à ausência de uma das figuras importantes, que era o Diogo Beja?
Ahhh… Não sei, quer dizer, isso é melhor perguntar aos diretores da Antena 3, mas eu suponho que tenha sido um acumular de fatores. Numa altura em que se resolveu mudar a grelha toda fazia sentido mudar também a manhã, que normalmente, como dizia há pouco, é dos horários mais ouvidos. Era um bocadinho estranho mudar tudo e manter a manhã igual. A manhã já vinha ficando um bocadinho incaracterística porque não só saiu o Diogo Beja, depois mais tarde saiu o Luís Franco-­Bastos. Várias pessoas nesse período fizeram a manhã… Fiz com a Mónica Mendes, fiz com o Miguel Freitas, cheguei a fazer tempos antes, numas férias, com o José Marinho. Aquela manhã foi tendo muitas alterações. Eu acho que estava naquela fase em que mais valia acabar e dar lugar a uma coisa nova do que estar sempre a alterar em cima de uma base já antiga porque os membros da equipa já não eram os mesmos. Portanto, acho que fez sentido e acho que esta nova manhã está a resultar bem. As pessoas têm sempre uma certa resistência à mudança, têm sempre, seja quem for. Pode vir a melhor pessoa do mundo que as pessoas vão dizer que quem estava antes é que era bom. Acho que isso é o natural das pessoas se habituarem, a rádio é muito uma coisa de hábito. Se calhar houve alguma resistência de início, mas acho que as pessoas já começam a perceber que, apesar de ser diferente com o Luís e com a Ana Markl, é igualmente bom.

“A manhã (da Antena 3) já vinha ficando um bocadinho incaracterística.”

“Acho que esta nova manhã está a resultar bem.”

“A rádio é muito uma coisa de hábito.”

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A Antena 3 perdeu com a saída do Diogo Beja?
Não sei, acho que não, quero acreditar que não. Acho que as rádios têm que sobreviver às pessoas porque a Antena 3 tem anos e anos e já passou muita gente por lá. De cada vez que pessoas saem nós pensamos: “Pronto, é o fim!” Um bocadinho como nos clubes, sai assim um grande jogador e as pessoas: “E agora? O que vai ser disto?”. As pessoas pensam sempre: “E agora o que é que vai ser?” e a coisa renova­-se. Pode não ser imediato, pode não ser logo e também não vale a pena cair naquelas comparações: “Saiu este, entrou aquele”. As pessoas nunca são iguais e é sempre incomparável. Acho que, se calhar, se a pergunta for ao contrário “Se a Rádio Comercial ganhou com o Diogo Beja?”, se calhar sim, “Se a Antena 3 perdeu?”, acredito que não.

“Se a Rádio Comercial ganhou com o Diogo Beja? Se calhar sim.”

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Foi ele que te levou para a rádio. O que é que tu aprendeste com ele?
Olha, aprendi muita coisa. Quando eu referia pessoas que são ultra perfecionistas, pensava no Diogo Beja de facto. Porque é assim: ele é a absoluta perfeição a fazer rádio em termos técnicos e não só, mas tenta que tudo saia perfeito, é muito organizado e pensa muito em tudo. Nunca abre o microfone sem saber o que é que vai dizer e acho que nesse sentido foi uma ótima escola. Eu comecei precisamente num workshop com ele, num workshop rápido daqueles de fim­-de-­semana, mas que serviu para nos conhecermos. Calhou como altura de oportunidade, ele estava a mudar a equipa das manhãs da 3 na altura e um mês ou dois depois convidou­-me. Não esperava nada, quando fui lá ter uma reunião com ele não esperava de todo que o convite fosse para fazer as manhãs com ele. Aprendi muita coisa no sentido do método e mesmo em termos técnicos aprendi aquilo que é importante quando se faz uma emissão de rádio: as coisas que têm que ser ditas ao longo da emissão, a história de manteres sempre aquele suspense para o que vai acontecer a seguir, o manter as pessoas interessadas e também, ao mesmo tempo, lembrares-­te de que nem toda a gente está a ouvir a emissão do princípio ao fim. Isto não é um filme, a qualquer momento estão a chegar pessoas novas e tu tens de fazer um bocadinho o contexto do que é que está a acontecer, quem é que estás a entrevistar… Todos esses pormenores nos quais não pensamos muito no dia-­a­dia, mas que foi importante ele ter­-me dito e já não me esqueci mais. Se calhar nem sempre faço, nem sempre executo na perfeição, mas lembro­-me sempre.

“Aprendi muita coisa [com o Diogo Beja].”

Tu acreditas no destino ou nem por isso?
Nunca pensei muito nisso. Acho que nunca tive muito tempo para pensar nisso do destino, mas, se calhar, de certa maneira, sim, eu acho que sim. Não assim num sentido muito místico da coisa, mas a verdade é que eu nunca fiz assim grandes planos. As coisas foram sempre acontecendo, nunca tive um tempo de paragem desde que comecei a trabalhar. Tive sorte de começar a trabalhar logo nas coisas que gostava de fazer e depois foram sempre aparecendo outras. Por exemplo, estou a escrever um programa qualquer para a televisão e o programa acaba, isso é o mais normal de acontecer. Nunca caio muito naquele desespero de: “O que é que vai ser agora?” Espero e aparece outra coisa. Claro que é sorte e nem sempre, se calhar, poderá ser assim ainda mais em tempos de crise…

Mas também é trabalho…
Sim, também é trabalho. É um misto das duas coisas. Claro que se a crise se continuar a avolumar vai haver menos programas, menos projetos, menos tudo. Portanto, posso dar por mim numa altura em que não tenha mesmo trabalho. Felizmente nunca aconteceu, mas, como isso não aconteceu, nunca tive assim aquele momento de paragem em que tenha que pensar, que traçar um plano. O plano foi acontecendo e eu vou assim um bocadinho na maré, portanto, nesse aspeto talvez destino, sim.

“Nunca tive um tempo de paragem desde que comecei a trabalhar.”

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Quem é que eu devia convidar para uma entrevista para falar sobre a Rádio?
Para falares sobre a rádio… Olha, vou ter que dizer, obrigatoriamente, a Ana Galvão, claro. Porque falávamos há pouco das coisas que aprendi com Diogo Beja, que foram muitas, e agora estou a aprender outras tantas com a Ana Galvão. É curioso porque são duas pessoas com imensos anos de experiência e são duas pessoas totalmente diferentes e com formas diferentes de fazer rádio. Isso para mim é ótimo também: ter o privilégio de aprender coisas diferentes com cada um deles. Portanto, acho que a Ana Galvão seria uma boa convidada para teres aqui.

“Agora estou a aprender outras tantas [coisas] com a Ana Galvão.”´

Uma das tuas grandes aspirações quando eras mais pequena era teres uma televisão no quarto. Dizes que sempre gostaste imenso de ver televisão e assumes­-te como uma “espectadora compulsiva de televisão”. Hoje em dia fazes rádio… Sei que é uma pergunta é muito cliché mas… Rádio ou televisão?
Sim, parece aqueles inquéritos de Verão em que uma pessoa tem de escolher entre a praia e o campo quando há praias horríveis e campo também horrível. É difícil pôr as coisas assim nesses termos. Depende da rádio e depende da televisão. Eu continuo a ser, apesar de tudo, mais viciada em televisão do que em rádio no aspeto de espectadora, ou seja, na ótica do consumidor, digamos assim. Há aquelas pessoas que chegam a casa e ligam o rádio, e felizmente que há, mas eu sou mais ouvinte de rádio no carro ou em deslocação para algum lado e em casa fiel seguidora da televisão. Portanto, eu acho que a fazer: divirto­-me muito mais na rádio, sem dúvida. A ver: televisão. Eu chego a casa e ligo imediatamente a televisão.

“Eu continuo a ser, apesar de tudo, mais viciada em televisão do que em rádio no aspeto de espectadora.”

“A fazer: divirto­-me muito mais na rádio, sem dúvida. A ver: televisão.”

Porque é que te divertes mais na rádio?
Não sei, é uma coisa um bocadinho inexplicável, mas se pensar nela eu acho que tem a ver com a simplicidade da coisa. Na rádio chega­-se e fazes, não há nenhuma preparação prévia. Quando começas a ter que fazer coisas na televisão assim um bocadinho mais a sério é uma chatice. Há pessoas que adoram, mas para mim toda aquela coisa de teres de estar lá uma hora antes, mais meia hora na maquilhagem, mais ver a roupa que se vai levar, mais não sei o quê, esse processo todo chateia­-me e tira-me um bocadinho aquela alegria que é a do fazer propriamente dito. Na televisão mais vezes tens que parar por motivos técnicos, porque uma luz não está bem… E na rádio, a partir do momento em que começas, não paras mais. Pode haver um terramoto que tu continuas. Portanto, acho que a rádio tem essa coisa mais imediata e sem tantos preparativos e, por outro lado, também comunicas de uma forma mais direta com as pessoas porque elas só têm a voz, não estão dispersas noutras coisas. Estás a ver um programa de televisão e podes estar distraído com o cenário, distraído com qualquer outra coisa, a reparar em coisas que não são tão importantes. Acho que na rádio o conteúdo passa melhor.

“Na rádio chega­-se e fazes.”

“Esse processo todo [de preparação na televisão] chateia­-me e tira-­me um bocadinho aquela alegria que é a do fazer propriamente dito.”

“Na rádio, a partir do momento em que começas, não paras mais. Pode haver um terramoto que tu continuas.”

“A rádio tem essa coisa mais imediata e sem tantos preparativos.”

“[Na rádio] comunicas de uma forma mais direta com as pessoas.”

“Na rádio o conteúdo passa melhor.”

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Entrevista a Joana Marques – Parte II