O que aprendemos antes de saber ler
Há poucos inícios de histórias infantis que nos marcam mais do que o “Era uma vez…”. Estas três palavrinhas abrem portais, constroem sonhos e acendem perguntas que, por vezes, levamos uma vida para conseguir responder.
É importante perceber que a literatura infantil é muito vasta e não tem apenas uma coleção. Abriga fábulas, contos tradicionais e inúmeras coleções que se dedicam ao tema e que são, na verdade, os primeiros manuais sobre como saber viver, não só com os outros, mas também connosco mesmos.
Os livros que os nossos pais nos leem em voz alta, quando ainda não conseguimos juntar as letras para formar uma palavra, são os mesmos que nos ajudam a formar a nossa visão adulta do mundo, fazendo com que este seja completamente influenciado por aquilo que ouvimos enquanto crianças. Quando a Capuchinho Vermelho tem coragem para falar com o Lobo, ou quando o Principezinho diz a emblemática frase “o essencial é invisível aos olhos”, não estamos apenas a ouvir histórias, mas sim a construir os alicerces que vão moldar o nosso comportamento e fazer parte do nosso imaginário.

É notório que o poder deste tipo de literatura está na sua simplicidade. Através de uma linguagem acessível, as histórias transformam emoções e cenários complexos em imagens e palavras que as crianças conseguem entender. Conseguem mostrar que o medo não é algo insuportável, ensinam o que é o amor, de forma simples e sem as complicações que a vida reserva num estágio mais avançado. Não é por acaso que mesmo os adultos por vezes regressam a essas histórias, não só para as ler aos filhos, mas também para se reencontrarem com a pureza que é transmitida apenas pelas crianças.
Também a imaginação é desenvolvida ao som dos contos que tão bem conhecemos. Histórias nas quais os animais falam, as meninas voam, as florestas encantadas e os reinos escondidos existem, as vidas de princesa… todas nos ensinaram a pensar de forma criativa e a ver para além do óbvio. Ensinaram-nos a acreditar que nunca há uma só solução nem uma maneira certa de ver a vida, e é algo em que a grande maioria das pessoas continua a acreditar, mesmo depois de adultos.
É, no entanto, verdade que a forma como as histórias nos foram contadas antigamente é diferente da forma como são contadas hoje em dia: onde antes monstros comiam crianças mal comportadas, hoje choram dragões e vilões, mostrando que estes só precisavam de ser compreendidos. Houve uma evolução no método de ensino das crianças: se antigamente era através do medo que se ensinava, atualmente ensina-se através da empatia. A literatura infantil contemporânea tem vindo a tornar-se mais inclusiva e atenta à diversidade de experiências e sentimentos. São hoje representadas realidades distintas através dos autores de forma a quebrar estereótipos e a mostrar que não há uma forma certa de se ser humano. No entanto, os clássicos continuam a ter o seu lugar: O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry, O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos e vários outros atemporais continuam a ensinar-nos algo novo sempre que os visitamos.
O impacto dos livros que lemos em crianças pode não se manifestar automaticamente na nossa vida, por vezes, só depois de vários anos é que percebemos a importância que estas obras tiveram em nós e reparamos que muito do que somos hoje, a forma como confiamos nas pessoas, como amamos e como sonhamos foi moldada pelas palavras que na altura eram só um passatempo.
Talvez devêssemos mudar a forma como olhamos para a literatura infantil quando somos mais crescidos. Talvez devêssemos continuar a ler aqueles livrinhos, não por nostalgia, mas porque eles nos ensinam muito sobre o mundo e sobre nós próprios.
Imagem de Capa: POSTAL
Artigo revisto por Ana Ferreira
AUTORIA
A Sofia é estudante do 2ºano de Publicidade e Marketing. Não se lembra de um tempo em que não gostasse de ler e escrever, e é nas palavras escritas que encontra a melhor forma de se expressar. Estar com as pessoas de quem gosta é a sua forma favorita de passar o tempo, seja uma tarde no café ou a fazerem uma atividade que encontraram nas redes sociais. O desporto e a música têm também um lugar especial no seu coração. Encontrou na Magazine o sítio perfeito para explorar a sua criatividade e escrever sobre algo pelo que é apaixonada.

