“Rebecca”: Uma história com potencial mal executada
A 21 de outubro, a Netflix disponibilizou o filme ‘Rebecca’. Os atores principais chamam a atenção, bem como o trailer. Este thriller foi anunciado em 2018 e as filmagens começaram em junho de 2019. Realizado por Ben Wheatley e escrito por Jane Goldman, Joe Shrapnel e Anna Waterhouse, tem uma duração de quase duas horas.
Uma jovem tímida – cujo nome nunca é revelado – é dama de companhia de uma mulher rica. Certo dia, em Monte Carlo, durante o ofício, o seu caminho cruza-se com o de Maxim de Winter, um homem de posses, recentemente enviuvado. Começam a passar tempo juntos e, ao fim de uma semana, surge um pedido de casamento. O amor não escolhe idades e, pelos vistos, também não perde tempo.
O magnata convida a nova paixão a vir morar consigo para a sua mansão, em Manderley, Inglaterra. Além do staff (criados, cozinheiros, governanta, etc.), os noivos dividem a residência com o espírito da falecida Rebecca, o amor da vida de Maxim e, aparentemente, de todos os que a conheciam. Quando questionado acerca dela, Maxim fecha-se em sete copas. A recente Sra. de Winter tenta obter as respostas de outros modos e a incompreensão só aumenta. As comparações são constantes, tal como os segredos e os mistérios.
A história baseia-se num romance – também ele ‘Rebecca’ (1938) – de Daphne du Maurier. Foi pela primeira vez adaptado ao cinema em 1940, por Alfred Hitchcock. Este primeiro projeto norte-americano de Hitchcock foi protagonizado por Joan Fontaine (Sra. de Winter) e Laurence Olivier (Maxim de Winter). Conseguiu 11 nomeações para os Óscares e conquistou duas: a de Melhor Filme e Melhor Fotografia em Preto e Branco. No entanto, arrisco-me a dizer que o remake de 2020 não chegaria tão longe.
Desta vez, os protagonistas são Lily James, que interpretou Donna Sheridan no segundo Mamma Mia (2018), e Armie Hammer, conhecido, de entre outros projetos, pela sua atuação em Call Me By Your Name (2017). Retratam o casal de Winter e têm boas prestações – disso não há dúvida. Acabam por captar o interesse por serem duas caras conhecidas de Hollywood e foram boas escolhas para estes papéis. A prestação de Lily destaca-se muito mais do que a de Armie, o que é normal, pois a personagem tem um maior espaço para brilhar.
Lily James revelou, numa entrevista ao The Guardian, que se deixou consumir pela personagem de Sra. de Winter. “Fui sugada pelo vortex. Por vezes, não sabia para que lado me virar”, desabafa. Explica que, devido à paranóia, às inseguranças e aos medos característicos da personagem, chegou a sentir-se fisicamente afetada. Quando chegava a altura de regressar a casa sozinha, ficava nervosa e “não sabia em quem confiar”. “É muito assustador”, confessa a atriz que, por norma, retrata personagens alegres. Além do par amoroso, fazem também parte do elenco Kristin Scott Thomas (Sra. Danvers), Tom Goodman-Hill (Frank), Sam Riley (Jack Favell), Ann Dowd (Sra. Van Hopper), Keeley Hawes (Beatrice Lacy), Ben Crompton (Hebert Duvall), Mark Lewis Jones (Inspetor Welch), Jane Lapotaire (avó) e Ashleigh Reynolds (Robert). São vários nomes, mas só um é que se destaca: Kristin Scott Thomas. A sua performance enquanto Sra. Danvers é arrebatadora e um dos pontos positivos do filme. Misteriosa, implacável, falsa e intimidante, a governanta da mansão consegue colocar todos os olhos nela quando aparece em cena. Esta faceta fria e insensível traz-nos o suspense que o filme prometera.
No entanto, é mesmo só durante as aparições da governanta que sentimos tal suspense. De resto, é desconforto misturado com confusão, por vezes até tédio. Nunca ficamos a conhecer a história de vida da Sra. de Winter até então, nem chegamos a perceber o arranjinho que tem com a Sra. Van Hopper. Esta contextualização faz falta para que a parte inicial da história faça sentido. Depois, o romance apressado entre os de Winter não nos dá tempo para encontrar a química que devia ser notória. Ao mudar-se para Manderley, a noiva é mal recebida, como seria de esperar, dada a rapidez com que a anterior senhora da casa foi substituída.
A partir daqui, temos alucinações, pesadelos, assombrações e momentos verdadeiramente constrangedores. O filme torna-se interessante pelas reviravoltas, mas, mesmo assim, não as explora como deveria. Leva demasiado a desvendar as verdades e, quando o faz, não sobra tempo para as explicar. Parece que tanto o início como o fim do filme foram negligenciados, deixando-nos com uma estucha no meio. Devidamente tratados, teriam garantido outra qualidade a esta película que se focou na parte errada da narrativa. É uma pena, pois a fotografia é encantadora e o elenco tinha potencial, tal como a história – apesar de girar em torno de uma personagem que está morta durante o tempo inteiro.
Este romance sombrio conquistou uma taxa de aprovação de 53% no Rotten Tomattoes e uma classificação média de 5,67 em 10. Devo dizer que concordo e que não recomendo a visualização do filme. Claro está que cada um tem os seus gostos e ‘Rebecca’ pode apenas ser incompatível com os meus. No entanto, depois não digam que não vos avisei.
Artigo escrito por Mariana Coelho
Artigo revisto por Lurdes Pereira
AUTORIA
Depois de integrar a maioria das secções da revista, a Mariana ficou encarregue de incumbir esta paixão aos restantes membros. O gosto pela escrita esteve desde sempre presente no seu percurso e a licenciatura em Jornalismo veio exacerbar isso mesmo. Enquanto descobre aquilo que quer para o futuro, vai experimentando de tudo um pouco.