Saloiice
Viver já não é aquilo que deve ser. Não é um prazer ou uma tristeza. Não é um conjunto de experiências quotidianas, de alegrias e de privações, de sabores e de emoções. Não. Viver agora é seguir o lifestyle. Sair do trabalho e, em vez de mudar de roupa, trocar o outfit de casual friday por um workout e correr para os braços do personal trainer que nos espera no health club. Transpirar muito numa aula de crossfit, de TRX ou num bootcamp – aquelas coisas que antigamente os rapazes faziam enquanto cumpriam serviço militar – por umas dezenas de euros mensais. Para relaxar, o melhor é deixar de comer iogurtes e passar a comer froyos. Poupamo-nos ao slunch, que já foi um lanche ajantarado, para termos mais fome no dia a seguir à hora do brunch, que já foi um pequeno-almoço reforçado. Os outfits, esses, vão mudando à medida das exigências do dress code. É aí que percebemos que o black tie, o vintage cool, o garden chic, o hippe chic e o casual chic – que não é o mesmo que o outfit de casual friday – nos deixam dúvidas. O melhor é optar por um mix. Fazer uma daquelas coisas que toda a gente sempre fez (misturar peças mais caras com outras mais baratas) e explicar ao mundo que se fez um chiquíssimo high-low. Depois o melhor é não ir a terraços, mas a um terrace ou a um rooftop e aproveitar aquela sunset party ou aquela gin sunset party num ambiente chill out, para não maçar. Enquanto não se janta, vai-se a um winebar ter um chat com outros winelovers. Depois há que experimentar uma hamburgueria, uma pregaria, uma bifanaria ou uma outra qualquer porcaria. Se não houver healthfood, bom, bom, é ir ter uma experiência de livecooking ou de foodporn. E passar o fim-de-semana num charm hotel. Ou pagar duzentos euros por noite para ter a fantástica experiência – antigamente exclusiva de sem-abrigos e agora mais democratizada e cara – que é dormir ao relento. Com tudo isto, gastar um salário. Comprar experiências para viver o que não se vive genuinamente. E usar a rede social mais próxima para fazer dela uma revista cor-de-rosa democratizada. Onde todas as vidas sorriem. Onde todos são felizes. E modernos. E fashion. E trendy. Não, meus caros, nós não somos mais cosmopolitas do que os nossos pais, que vieram para Lisboa directamente do sopé da serra. Podemos ter viajado mais, podemos ter estudado mais, podemos saber mais coisas que eles. Mas não estamos a inventar nada. Estamos só a dar um ar novo a um mar de coisas que existem há décadas. E isto não é nada fantástico. Não é amazing, nem top. É, no máximo, um novo-riquismo desavergonhado, passe o pleonasmo. Uma saloiice que já não usa lenço na cabeça mas que é, ainda assim, uma saloiice.