Therapy Of Fashion: A Performance Da Mulher Como Cura
Estávamos no ano de 1959, quando um grupo de 40 pacientes femininas residentes da ala psiquiátrica do Napa State Hospital, foi selecionado para dar início à primeira edição do projeto Therapy Of Fashion.
Patrocinado pelo The Fashion Group of San Francisco, este programa consistia num conjunto de aulas trissemanais de cariz teórico e prático, cujos temas abordavam métodos que as pacientes poderiam utilizar para se tornarem mais “femininas”. Nestas aulas, especialistas do mundo da moda aconselhavam cada paciente relativamente às roupas que melhor lhes acentuavam, a maquilhagem e penteados que as favoreciam, assim como ensinavam a arte de desenhar e conceber uma peça de roupa. Com algumas aulas com foco na postura humana, as pacientes eram, também, encorajadas a vestir as peças produzidas em aula e a fazerem o seu próprio desfile.
No início de cada novo ciclo deste projeto, as participantes eram convidadas a assistir a um desfile no qual modelos envergavam vestimentas provindas de marcas como Dior, Estevez e Adele Simpson.
Mas como é que isto era suposto ajudar?
Defender que a cura de distúrbios psicológicos como a esquizofrenia, bipolaridade está na moda, parece um cenário ligeiramente distópico. Porém, é importante analisarmos o contexto social da época em que nos encontramos.
Em 1963, Betty Friedan lançou o livro The Feminine Mystique, e, apesar de não oferecer teoria de cariz objetivamente psicológico, oferece-nos uma imagem do que era uma mulher branca americana nos anos 50.
No seu livro, Friedan considera a possibilidade do papel da mulher na sociedade ignorar por completo a sua existência enquanto indivíduo, cercando-a no “misticismo” que a cultura americana lhe impõe. A mulher apenas poderia cumprir o seu papel enquanto ser humano, caso cedesse à performance de feminilidade e ao papel de dona de casa que lhe fora imposto no dia em que nasceu. De uma forma sucinta, a teoria de Friedan é facilmente conectada com hipóteses previamente referidas pelo sociólogo Erving Goffman. Segundo Goffman, o indivíduo tem tendência a formar o seu “eu” através dos resultados sociais provindos de interações prévias, criando uma ideia de performance social constante.
Em 1961, Goffman lançou uma coleção de ensaios sociológicos relativos aos hospitais psiquiátricos e os pacientes que lá residem, levantando uma onda de preocupação pelo bem estar dos doentes.
Ambas as obras mencionadas nos parágrafos anteriores propõem justificações para o porquê do Therapy Of Fashion ser uma possível solução na época. Se as mulheres não eram socialmente corretas, talvez o ensino das suas práticas e da sua função pudesse curá-las do que os outros observavam como anomalias. Pelo menos, ensinava a cobrir o que pudesse ser menos “aceitável”.
Numa outra perspetiva, este projeto foi também fruto da crescente preocupação com os pacientes nas alas psiquiátricas. Inicialmente, foi algo que nasceu do facto de muitas pacientes não terem roupa que lhes servisse quando saíam do seu tratamento. Os desfiles eram organizados para as atualizar sobre as tendências do mundo lá fora. Contudo, os voluntários observaram que podiam existir determinados benefícios em termos de tratamento clínico.
Funcionou?
Apesar do Therapy Of Fashion não ter curado pacientes por si só, os profissionais da época consideraram os seus resultados satisfatórios, principalmente enquanto ferramenta que acompanha outro tipo de tratamentos. Uma grande parte dos pacientes conseguiu desenvolver um interesse e uma maior preocupação por si próprio. Nos anos que se seguiram, vários médicos começaram a reconhecer os efeitos que a imagem pode ter na saúde mental do paciente e o projeto expandiu-se para outros hospitais americanos, e chegou até mesmo a ser implementado em Paris.
Os desfiles que ocorriam no final de cada ciclo apresentavam normalmente uma boa taxa de participação das pacientes, exceto algumas que mostravam um grande desconforto.
Contudo, o sucesso do ponto de vista clínico pode e deve ser questionado. Apesar de a moda e qualquer veículo criativo poderem ser sempre um aliado ao alívio das consequências destes distúrbios, o que se coloca em questão no Therapy Of Fashion é a imposição do estereótipo feminino sobre as pacientes e o efeito que este constante debate entre um certo e um errado subjetivo, fruto de um “especialista”, pode ter.
Mas, como em todos os casos, este é um projeto que tem de ser observado no seu contexto temporal, com a consciência de que nem sempre poderá ser minimamente adequado.
Fruto dos tempos e da falta de financiamento, o projeto teve o seu fim em meados dos anos 70.
Fonte da capa: Taylor and Francis Online
Artigo revisto por Julia Gibelli
AUTORIA
A Mariana está no último ano da licenciatura de publicidade e marketing, mas o seu “bichinho” da escrita parece não a querer abandonar. Abençoada por vários hobbies e interesses, ocupa o seu tempo na ESCS Magazine com um pequeno aprofundamento de “factos interessantes” que os amigos já estão fartos de a ouvir contar.