Um café entre o Pessoa e o Garrett
Virado para o rio, numa das mais belas capitais da Europa, encontramos o Martinho da Arcada. É um dos mais importantes cafés Lisboetas desde 1782, sendo o espaço mais antigo em actividade. Tem uma história com mais de duzentos anos ligados às artes que se fazem em Portugal.
Tudo começa no Terreiro do Paço, a gigantesca sala de espera da cidade. Entre ministérios, museus e os mais diferenciados bares, encontramos o café-restaurante Martinho da Arcada. Este é o nome que ficou para a história, mas já teve vários pois a cada proprietário que entrava o nome do local era alterado. O primeiro dono era italiano. Domenico Mignani inaugurou o local a 7 de Janeiro de 1782. Os anos foram passando e em 1845 o café passou para as mãos de Martinho Bartolomeu Rodrigues. Este homem empreendedor realizou obras no local, aumentando as salas e tornando-o, em 1984, imóvel de interesse público. Em 1990 foi reformado e desde então a gerência mantém-se a mesma. As toalhas brancas em cima das mesas comprovam que a qualquer altura nos podemos sentar e pedir o menu.
Quem vai ao local fazer uma refeição fica completamente rendido ao luxo que o rodeia através da arquitectura e da delicadeza dos empregados que o servem prontamente e o ajudam a escolher de entre uma enorme variedade de pratos. As paredes estão decoradas com fotos e existe mesmo a cópia do bilhete de identidade do maior poeta português do século passado.
Também existiram empregados famosos. O galego Valentim foi retratado por Rafael Bordalo Pinheiro (um dos ilustres clientes da casa) em António Maria, devido ao seu volumoso nariz.
Se apenas quisermos um simples café, podemos ficar sentados na esplanada que existe por debaixo das arcadas. Uma bela chávena a fumegar e um livro são a combinação ideal. Já que estamos num local que foi frequentado por alguns dos maiores pensadores do séc. XX em Portugal, que se perdiam pelas torradinhas com chá verde.
Quando pensamos no autor de Mensagem, associamos o seu nome a um outro café da baixa – a Brasileira, no chiado-, mas a verdade é que Fernando Pessoa tem uma mesa cativa neste local (para o caso de querer ir beber um absinto e uma bica antes de voltar para o túmulo). Um dos últimos encontros que teve com o seu amigo Almada Negreiros foi aqui, antes de morrer a 30 de Novembro de 1935, fazendo deste um local de referência para os amantes da literatura portuguesa. E para retomar o espírito de outras épocas, são realizadas tertúlias como incentivo à cidadania. Uma das últimas serviu para homenagear Almeida Garrett e marcar os 160 anos da sua morte. Tal como Pessoa, José Saramago também tem uma mesa reservada no Martinho da Arcada. Esta foi a homenagem realizada ao primeiro escritor português a ganhar o prémio nobel da literatura.
Inúmeros são os grupos de turistas que vão ao local e aproveitam uma das melhores coisas que Portugal tem para oferecer: a sua gastronomia. Dois dos pratos mais apreciados são o bacalhau ou o bife à Martinho. Encerra ao domingo e os almoços começam a ser servidos às 12h30.
” (…) Pessoa para além de tudo
Passando sem pressa de passar na praça maior do Tejo
Sentado no café com versos e odores de mar (…)” – Fernando Pessoa no Martinho da Arcada, de Abel Neves.