Um (quase) século sem Pessoa
No dia 30 de novembro celebra-se uma importante data para a literatura, não só por se assinalar o nonagésimo oitavo ano desde a morte de Fernando Pessoa, mas também por ser o trigésimo aniversário da inauguração da Casa de Fernando Pessoa. Sendo um dos poetas mais prestigiados de Portugal, as suas obras estão traduzidas em 37 línguas e já foram lidas por milhares de pessoas. Apesar de não o ter concretizado em vida, o seu sonho acabou por se realizar.
Fernando António Nogueira Pessoa nasceu no dia 13 de junho de 1888, em Lisboa. Aos cinco anos, perdeu o pai para a tuberculose e o seu irmão, que acabava de cumprir o primeiro ano de vida. Passado um ano, a sua mãe, Maria Madalena, enamorou-se de um oficial da marinha e viu-se obrigada a acompanhá-lo para Moçambique, deixando o filho para trás. Foi neste período que, com apenas sete anos de idade, Fernando Pessoa escreveu o seu primeiro poema, dedicado à mãe. Neste poema compara o seu amor pela mãe com o amor à pátria.
Quando Maria Madalena se casou com o oficial, o jovem saiu de Portugal rumo à África do Sul. Esta foi uma grande mudança: um país com uma língua diferente e um novo modo de convívio. Na escola, não conseguia fazer amigos, pois não gostava de praticar atividades desportivas. Gostava apenas de ler e escrever, tendo sido nesta altura que começou a ler obras em inglês e a preferir a literatura inglesa. Era o melhor aluno da escola e pretendia continuar os seus estudos em Inglaterra com o apoio de uma bolsa, mas, por questões burocráticas, não teve direito à mesma e regressou definitivamente a Portugal. Foi este percalço que trouxe à sociedade portuguesa um dos maiores poetas.
Logo que chegou a Portugal, frequentou o Curso Superior de Letras, mas desistiu após dois anos, pois sentia-se desiludido com um curso que não lhe trazia desafios para a vida. Começou então a trabalhar, mas sempre com tempo para a poesia. Escrevia maioritariamente em inglês e em francês; escrever em português já era raro.
Foi no próprio café A Brasileira que surgiu o primeiro sinal do movimento modernista Orpheu, através do qual Fernando Pessoa apresentou o heterónimo Álvaro Campos, com os poemas Ode Triunfal e Opiário, já em nome próprio apresentou O Marinheiro. Passados três meses, foi lançada a segunda edição da revista Orpheu. Nesta edição, volta a dar voz a Álvaro Campos nos poemas Ode Marítima e Chuva Oblíqua. Apesar de a sua escrita ter sido marcada pelos heterónimos e pela dor de pensar, o poeta também criou correntes literárias como o paulismo, o intersecionismo e o sensacionismo.
Foi só em 1914 que Fernando Pessoa apresentou, numa carta ao seu amigo Adolfo Casais Monteiro, a biografia dos seus três mais importantes heterónimos: Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro Campos. Além disso, dá a conhecer o heterónimo com que mais se identificava, Bernardo Soares, o autor de O Livro do Desassossego.
Em vida, Pessoa não foi reconhecido pela sociedade como um poeta de mérito e da sua vida íntima eram poucos os amigos que tinham conhecimento. A sua vida não era perfeita. Os momentos depressivos periódicos afetavam a sua criatividade.
A criação da obra sempre foi a prioridade de Pessoa, deixando a vida sentimental num plano secundário, e a prova viva disso foi Ophelia, o único amor conhecido de Fernando Pessoa. Este relacionamento não durou mais do que alguns meses, no entanto foi uma paixão que levou à criação de cartas de amor, pois “Só as criaturas que nunca escreveram/ Cartas de amor é que são ridículas” (Álvaro de Campos). Mesmo assim, o poeta teve dúvidas quanto à sua sexualidade e demonstrou o seu desespero em alguns dos poemas que escreveu – sendo o próprio Álvaro Campos, assumido homosexual, uma manifestação destas dúvidas.
Em 1920, Fernando Pessoa mudou-se para a casa onde morou durante os seus últimos quinze anos de vida. Casa essa que, no dia 30 de novembro de 1993, foi aberta ao público como A Casa de Fernando Pessoa. O edifício de três pisos relata as obras e a vida do poeta, e ainda conta com uma biblioteca com poesia mundial. Esta casa não só está cheia de memórias do poeta, como também é a demonstração da criação da poesia pessoana.
Foi na revista que fundou, Atenas, que apresentou os poemas de dois dos seus heterónimos: Ricardo Reis e Alberto Caeiro. O último heterónimo que Pessoa apresentou foi Barão de Teive, aquele que teve o final mais trágico: o suicídio. Barão de Teive matou-se porque não conseguia terminar as suas obras e não conseguiu concretizar o amor.
A única forma de conseguir partilhar as suas criações foi através de revistas. Fernando Pessoa só publicou um livro em vida, Mensagem, um ano antes da sua morte. Foi um homem que não se conseguiu concretizar: não editou nenhuma obra em Inglaterra, como era seu desejo.
Apesar do amor à pátria portuguesa, as suas últimas palavras foram escritas na língua de que mais gostava: “I know not what tomorrow will bring”. Fernando Pessoa faleceu a 30 de novembro de 1935, aos 47 anos. Atualmente, encontra-se sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, junto ao seu eterno “rival”, Luís Vaz de Camões.
Fonte da capa: Portugal Tours
Artigo revisto por Matilde Gil
AUTORIA
Apesar de se demonstrar tímida, a Catarina também é uma rapariga muito dada às pessoas e extrovertida. Sempre adorou escrever e viu a participação na ESCS Magazine como uma boa oportunidade para escrever sobre temas do seu agrado, especialmente a literatura. Tem um enorme gosto em se aventurar no mundo dos livros e viver na sua imaginação.
Parabéns Catarina. Este artigo está perfeito. Amei constatar o quanto és um exemplo para todas as pessoas que lutam pelos seus objectivos.
Artigo muito bem escrito e muito claro. Parabéns e continua.