Usar a arte para fazer arte: o uso do Sampling no Hip-Hop
Decorria a década de 1970 quando, num dos vários distritos de Nova Iorque, surgia um novo género musical que mudaria para sempre a História da música.
O Hip-Hop nasceu em Bronx, uma zona associada à criminalidade e à pobreza, mas rica em multiculturalidade. Nada fazia prever que aquele seria o berço de um dos géneros musicais com mais impacto a nível cultural e que mudaria por completo a forma como se faria música no futuro. Quando surgiu, o Hip-Hop estava longe de ser aquilo que estamos acostumados a ouvir nos dias de hoje. Naquela altura, não se debitavam rimas e poesias num microfone ao som de uma batida – isso só viria a surgir anos mais tarde, até porque as verdadeiras estrelas eram os DJ’s e não os MC’s.
Algumas das maiores influências do Hip-Hop são a música Disco, Funk e Soul que, nos anos 70, eram reproduzidas em festas através dos famosos Disc Jockeys (DJ’s) com ajuda dos discos de vinil. Oficialmente, o Hip-Hop nasceu em agosto de 1973 pelas mãos do jamaicano DJ Kool Herc e foi na Avenida Sedgwick 1520 que, durante uma festa organizada por si, Kool Herc decidiu “misturar dois discos, isolando e prolongando as batidas do bumbo, também conhecidas como «breaks», ao mesmo tempo em que criava sobreposições sonoras rítmicas.”. (BBC News)
Se o DJ Kool Herc abriu as portas para que o Hip-Hop pudesse emergir, então o DJ Afrika Bambaataa consolidou o Hip-Hop, não só como um estilo musical, mas como um movimento cultural assente em quatro pilares: o Rap (através dos MC’s), o DJing (através dos DJ’s), o Breakdance (através dos B-Boys e B-Girls ) e o Graffiti (através dos Writers).
O Hip-Hop nunca negou as suas raízes. Pelo contrário, foi no sampling que encontrou a sua verdadeira identidade. Mais do que uma técnica utilizada no mundo da música, o sampling é também uma arte – uma arte que utiliza partes de músicas já existentes (melodias, ritmos, discursos, etc.) e que são “recortadas” de forma a darem origem a novas músicas. O uso desta técnica surgiu da necessidade de se produzir música sem recorrer a instrumentos musicais que eram financeiramente inacessíveis ou difíceis de aprender a tocar. Mas como é que se fazia música sem instrumentos musicais? Com tecnologia.
Numa altura em que a tecnologia era limitada e pouco evoluída, alguns equipamentos desempenharam um papel fundamental na produção das músicas: vynil turntables, drum machines, synthesizers e, o mais importante, o sampler.
Apesar de esta técnica já ser utilizada por Kool Herc, Afrika Bambaataa e Grandmaster Flash, foi a partir da década de 1980 que o uso de samples passou a ser visto como o quinto pilar do Hip-Hop. Depois de usarem a música Good Times dos Chic como sample base, os SugarHill Gang conseguiram meter o Hip-Hop a tocar nas rádios americanas, e a música Rapper’s Delight tornou-se a primeira música de Hip-Hop a alcançar o Top 40 da Billboard. Em janeiro de 1980, o Hip-Hop, o Rap e o Sampling alcançavam, finalmente, o reconhecimento do público.
“Eu já ouvi isto antes”
Quantas vezes já ouvimos uma música e pensámos “eu já ouvi isto antes” ou “esta não é a versão original”. Provavelmente, se analisássemos todas as músicas consideradas Hip-Hop, iríamos chegar à conclusão de que quase todas usam samples de outras músicas e, não só os artistas usam samples de músicas de outros artistas, como também de músicas que eles próprios já produziram antes. Desta forma, o Hip-Hop passou a olhar para os ritmos do passado como uma oportunidade para adaptá-los e criar algo novo para o futuro.
Mas melhor do que perceber a teoria, só mesmo vê-la em prática com algumas músicas do Hip-Hop que exemplificam na perfeição como se pode fazer arte através da arte.
Kanye West (Touch The Sky)
Polémicas à parte, o Kanye West é um dos maiores génios do Hip-Hop desta geração e, enquanto produtor, tem vindo a colecionar centenas de samples nas suas músicas (Gold Digger, I Wonder, Stronger, etc). Em 2005, com Touch The Sky (ft. Lupe Fiasco), Kanye West recuperou da música Move On Up de Curtis Mayfield, um dos instrumentais mais memoráveis do Soul/Funk da década de 1970 e, quando comparadas ambas as versões, é facilmente percetível.
2Pac (Do For Love)
Considerado por muitos como o melhor rapper de todos os tempos e o mais influente, o 2Pac foi um dos rappers que mais se destacou na década de 1990, e grande parte das suas músicas continham samples (California Love, I Get Around, Dear Mama, Changes, etc). Em 1997, lançou Do For Love com base num sample da música What You Won’t Do For Love de Bobby Caldwell e que, tal como Move On Up, tinha sido um sucesso na década de 1970. 2Pac não só usou o instrumental da música já existente, como também a sua letra e adaptou-a ao Hip-Hop.
Warren G (Regulate ft Nate Dogg)
Tal como o 2pac, Warren G e Nate Dogg são dois dos grandes nomes que marcaram a década de 1990. Na música Regulate de 1994, são usados samples de duas músicas completamente diferentes uma da outra: Sign of The Times de Bob James e I Keep Forgettin de Michael McDonald. A versão destes dois rappers continua a ser uma das músicas mais conhecidas do West Coast Hip-Hop.
Gabriel O Pensador (2345meia78)
Em 1996, Gabriel O Pensador foi mais longe na técnica do sampling e, não só usou como base para a sua música Rapper’s Delight, como também a versão original Good Times dos Chic. A música do rapper brasileiro tornou-se numa referência do Hip-Hop do seu país de origem e no exemplo perfeito de como um só sample pode dar origem a diferentes músicas.
Fonte da capa: Medium
Artigo revisto por Liliana Braz
AUTORIA
A Mariana Jerónimo tem 24 anos é aluna do Mestrado em Jornalismo e tem o sonho de produzir e apresentar um programa dedicado à música numa rádio de renome do nosso país. Enquanto isso não acontece, é através da secção de Música que quer dar a conhecer aos leitores o que de melhor há na vida: a Música. Ao mesmo tempo na secção de Desporto escreve sobre outra das suas paixões, a Fórmula 1. A Mariana costuma dizer que as suas maiores qualidades são o seu sentido de humor e o gosto musical: desde o Hip-Hop e R&B, ao Indie, passando pelos Clássicos do Rock e sem esquecer o MPB, ela é o Spotify em pessoa.