Velho e cansado
Já estou mais perto de ser um quarentão do que estou da minha data de nascimento. Não é algo em que pense todos os dias (pelo menos desta maneira), mas a peculiaridade dessa afirmação espelha bem a absurda e precoce nostalgia que nenhum miúdo deve sentir. O meu receio em relação a um futuro para o qual eu não me esforço para consolidar e garantir faz-me ansiar pelo passado, talvez. Serei um velho num café a discutir bola com os restantes velhos, a citar ditos pseudo-filosóficos partilhados nas redes sociais do futuro, às quais acederei através de um dispositivo tecnológico que tentarei, de forma mal sucedida, dominar antes de sucumbir.
Acordo num novo dia, vejo as notícias ou falo com alguém sobre o sexo dos anjos ou o raio que me parta e há algo que me incomoda ligeiramente: não é necessariamente mau, mas deixa a minha cabeça meio pesada. Retorço a cara e começo a pensar. São coisas que de dia para dia não fazem grande diferença, mas se for a pensar nelas numa esquemática mais geral começo a perceber o quanto o mundo mudou desde os meus tempos de cabeça de ervilha até à minha atual condição de fava mole e apodrecida. Não creio que ainda tenha as bases para conseguir expôr tais mudanças em todo o seu esplendor, mas posso dizer que a natureza humana não muda, apenas as tendências e os costumes, e isso é suficiente para causar alguma mossa. De longe, o fator que contribui mais para essa mudança é o facto de eu ter acesso a todo o tipo de informação que queira procurar, e isso aplica-se à minha pessoa e a todas as outras.
Numa conversa de ocasião com um amigo meu, lembrámos um estupendo sketch dos Gato Fedorento no qual se usa blackface (conhecido como o “tá mal”). Apesar de ser hilariante, compreendemos que nem seria viável fazer um sketch semelhante hoje em dia por razões óbvias, nem eu e ele, se calhar, acharíamos tanta piada, de tão absurdo e relativamente racista que é o sketch. No mínimo, pode ser entendido como tal. Atualmente, compreendo quem se sinta “culpado” de achar piada a tal coisa, e quem se sinta “culpado” de dar a sua opinião sobre achar piada ou não. Quando eu era “puto puto” (ainda sou puto, mas agora com responsabilidades), andar na Web ainda não era para todos. Logo, a maioria da informação que obtinhamos sobre o dia a dia era através de televisão ou rádio. Era mais ou menos aceitável ter uma abordagem mais ligeira e comedida em relação a um certo tema, ou pelo menos tentar entender pontos de vista contrastantes e combiná-los num argumento, mesmo que não concordássemos com um desses pontos de vista. Talvez eu pense assim porque eu não as tinha em pequeno, como é perfeitamente aceitável, e por isso eu não me lembro tão bem de eventuais discussões com ninguém. No entanto, hoje em dia parece que é obrigatório tomar um partido ou ter uma opinião enraizada e completa sobre qualquer coisa. Os discursos mediatizados são de um extremo ou do outro. Não há meio-termo ou algo equivalente.
Tem de haver uma alternativa. Entre os paladinos da justiça social e da igualdade de oportunidade, compostos por muitos meninos e, sobretudo, meninas que nunca tiveram de ultrapassar uma única dificuldade na vida mas julgam que são mais bondosos que toda a gente (não quer dizer que não reconheçam as mesmas nas outras pessoas) e os campeões, durões e sabichões defensores das Pátrias mundiais, frustrados porque alguma minoria lhes olhou de lado ou lhes roubou o dinheiro do almoço com 5 anos e não se conseguiram defender, prefiro ser do Benfica. Desculpa, pai.
Todos nós temos as nossas frustrações. Se eu não as tivesse não as escreveria. No entanto, não creio que, num futuro próximo, nos livremos destas pragas. Enquanto tivermos os Bolsomitos, os Drunfos e as Capazes, há apenas um caminho a seguir: há que rir para não chorar. Há que continuar a evidenciar o rídiculo. Isto acaba por ser só um exemplo, mas é o mais notório, creio. Há que literalmente dar a provar o veneno que estas tropas de gente completamente desprovida de bom senso dá a provar a milhões de jovens e menos jovens. Há que ser, de certa maneira, refinado, porque não dá para ser sério com tanta porcaria que vejo, ouço, e leio todos os dias (mesmo que eu não leia muita coisa). Já começo a ficar meio cansado de ser sério.
Artigo revisto por Gonçalo Taborda