Warriors Against The System: “Se a banda não fosse pela amizade, então não valia a pena”
Quase por norma implementada, a internet nunca se manifestou como uma grande adepta do Rock n’ Roll. Nos últimos tempos, não houve uma cultura emergente que abraçasse significativamente os power-chords, os solos de guitarra ou até mesmo os estilos estéticos exacerbados característicos de cada década. O Youtube aparenta ditar as novas modas. Diz aos ouvintes o que é necessariamente fresco para a música e os média vão atrás. A evolução segue um padrão familiar em géneros mais populares. Novas estrelas tentam sempre adicionar algo novo – um senso de uma credibilidade renovada – de modo a desprenderem-se de comparações ou associações fúteis de uma indústria dominante.
O Rock, por sua vez, – no sentido mais lato do género – nunca apresentou uma necessidade de se renovar, de fazer frente à onda de um hip pop mais melódico ou um pop mais eletrónico. Se abrirmos a playlist do Spotify, encontramos, algures no top 50, a nova música dos Pearl Jam e um tema do novo álbum do Jack White: dois atos nostálgicos, consumidos precisamente por isso.
Os Warriors Against the System não querem ser um ato nostálgico. A banda originária da Margem Sul pega em ritmos e melodias que nos remetem sem dúvida para os anos 90 – tempos nos quais System Of A Down e Rage Against The Machine (as grandes influências) se estrearam e o híbrido do rap/metal (ou rapcore) ganhava notoriedade. Mas eles não são uma banda tributo, não são uma banda de garagem que se oiça num festival para passar o tempo: são um projeto com identidade própria e com um discurso acareador, que quer voltar a pôr estrofes contestatárias na mente dos ouvintes.
Como fãs fiéis dos nos 90, o conteúdo lírico é chave. Sempre assertiva e pragmática, a mensagem da banda rege-se pelas rimas emparelhadas que espalham um idealismo não conformista ao modelo de vida estandardizado pelo zeitgeist. Há raiva, frustração, mas também há alma e esperança.
Tal coisa verifica-se veemente nas músicas “Queima” e “Não Pares de Sonhar”: a primeira alia-se aos estilos propícios de há duas décadas referidos no parágrafo anterior. A letra pungente é refletida como uma chamada de atenção para algo tão inócuo, mas ao mesmo tempo tão presente e perene:
Eu quero desenvolver a minha própria visão
Formar sozinho a minha opinião
E não aderir à dramatização
Não quero ser mais um gajo controlado – pela TV educado e formatado
Já “Não Pares de Sonhar” forma a sua própria revolta. Desta vez, interiormente e pessoalmente. Escrita como uma forma de autorrealização e autoconfiança, a temática da música mantém-se firme aos princípios que formaram a banda e tenta ensinar o mesmo aos ouvintes:
Se é isto que eu canto
Quero representar
O sonho é o ar que eu quero respirar
A própria axiologia do dia de cada um traz-lhes motivação suficiente para se concentrarem na sua mestria. A verdade é que, até agora, a música não tem sido plano principal de cada um dos membros. O grande sonho seria mesmo pôr cada mensagem num conjunto de dez faixas e chamá-lo um disco de estreia. A lógica está do lado deles: talvez melhor do que ninguém, os Warriors Against the System sabem “quem nunca desiste consegue alcançar”.
Encontrei-me na Baixa lisboeta com dois membros da banda: David Gião (DG), o vocalista e principal compositor, e Daniel Ribeiro (DR), o baixista. Falámos sobre o futuro da banda, os seus inícios e o estado dos dias de hoje. Estão prestes a lançar uma demo com temas inéditos, os primeiros enquanto Warriors, que têm divulgado no Youtube. O que começou como um projeto familiar é agora um grupo no qual quatro amigos de longa data fazem o que meslhor sabem fazer.
EM: Podia começar esta entrevista de diversas formas, mas preferi fazê-lo através de um aspeto peculiar: na música “Queima”, vocês dizem: “deita fora a televisão”. Este tipo de mensagens é uma boa representação da banda?
DG: A letra foi escrita por mim, e eu sou uma pessoa que não consome muita televisão. Há coisas nela cujas quais eu sou contra, que acho que são poluição e a nossa sociedade está muito formatada com aquilo que observa nos média. A nossa opinião é sempre um pouco condicionada por tudo o queremos ver. Óbvio que ninguém vai queimar a televisão. É engraçado porque na música eu digo, “evolui, muda de canal”: para mim, é uma questão mental e pessoal, de dar um salto na nossa perspetiva intelectual e abrir um pouco os horizontes. “Queima” é uma mensagem de contestação, de oposição àquilo que está constituído.
EM: Vocês focam-se muito nas entrelinhas, então?
DG: Acho que a maioria das coisas são diretas…também por questões artísticas. Penso que não é positivo darmos sempre tudo. Por acreditar que existem pessoas que não iriam perceber de outra forma, prefiro fazer o que faço de uma forma mais direta. Hoje em dia estou a mudar o meu pensamento, a minha escrita. Há um tempo preferia ser mais explícito, sem qualquer filtro no que digo, assim o pessoal cantava a cena toda.
EM: No entanto, na música seguinte, “Não Pares de Sonhar”, a mensagem é assertiva, mas mostra um lado mais inspirador…
DG: Nós podemos não concordar com tudo aquilo que vemos. No entanto, se não fizermos nada, as coisas ficam como estão. O objetivo das letras é pôr a mão na consciência das pessoas: por um lado, apresentamos aquilo que achamos que não está tão bem – não somos ninguém para julgar tal coisa, apenas apresentamos algo com o qual não concordamos – por outro lado, queremos incentivar a fazer-se as coisas por nós mesmos e mostrar que temos de ser nós os impulsionadores desta transformação – se realmente queremos ver alguma mudança. Na altura, era o que eu precisava de ouvir e de escrever para mim próprio. Identifico-me com a mensagem.
EM: A atitude “anticonformismo” é algo com que lutam no vosso dia-a-dia?
DR: Depende. Há dias em que temos algo em mente e depois com o dia-a-dia os nossos pensamentos acabam por ser atropelados pelas ideias que estão à nossa volta. Às vezes acabamos por fazer aquilo que o mundo nos diz para fazer em vez de seguirmos a nossa própria linhagem de pensamento, e nós queremos transmitir precisamente isso. É algo que acontece com todos, penso eu. “Não Pares de Sonhar” diz que às vezes o conformismo não nos permite avançar com o que queremos transmitir.
EM: Ou seja, a vossa própria frustração dá-vos inspiração para a música
Os dois: Claro!
DG: O que as letras apresentam é a situação ideal, não quer dizer que é o que façamos sempre. Somos absorvidos por tanta coisa que às vezes o que chamamos ideal no momento de reflexão não é exequível.
EM: Como é o processo de composição e montagem de uma música?
DG: Varia. Eu escrevo as letras todas, depois o processo vai variando consoante a própria música. Às vezes escrevo já com ritmo e com uma ideia daquilo que quero; outras vezes escrevo só a letra e depois vou à procura de um som. Mas penso que isto é um processo em constante mudança: há cada vez mais liberdade para outros membros da banda terem uma ideia. Há abertura para isso. O Daniel [o baixista] e o Lucas [o guitarrista] compõem também. É comum fazermos introduções para os concertos, que são maioritariamente da autoria deles.
EM: Reparei que estão a lançar novas versões de músicas anteriores…
DG: Sim, a ideia é melhorar cada vez mais e chegar a uma melhor qualidade também. Aquilo que tínhamos anteriormente fomos nós que não percebíamos nada daquilo: apenas ligámos rec. no computador e gravámos, não houve qualquer trabalho de edição. Agora, estes temas tiveram ajuda de alguém que percebe mais disto e ainda assim é algo rudimentar. A ideia é melhorar e gravar talvez num estúdio mais profissional. Mas primeiro vamos ver os frutos que esta demo nos dá. O objetivo é gravar tudo com uma qualidade melhor. Talvez fazer um álbum com 11 ou 12 temas.
EM: Como surgiu a ideia da banda?
DG: Comecei os Warriors Against The System com o meu irmão em casa e, mais tarde, um miúdo começou a tocar bateria connosco. Entretanto, o pessoal foi deixando e à medida que a primeira formação se foi perdendo, chegou o guitarrista e depois o Pedro Branquinho [o baterista]. A partir daí, começámos a compor novas músicas. Começou como uma cena minha, mas estamos juntos os quatro há 1 ano e meio.
DR: Quando conheci a banda era só o David, o irmão dele e o primeiro baterista. Eles tocavam em concertos pequeninos. O nosso pessoal amigo ia lá ver e eu marcava sempre presença. E gostava: gostava do estilo de música, que ia também ao encontro daquilo que eu ouvia. Quando o irmão do David saiu, falaram diretamente comigo. Claro que tinha de assumir um compromisso, mas aceitei.
EM: Como correram os primeiros ensaios enquanto banda com esta formação?
DG: Já foi mais facilitado porque já tocava com o baterista e com o Lucas há mais tempo e depois foi só enquadrar o Dani. Nós já éramos todos amigos. Foi mesmo só transmitir a amizade para dentro da banda, o que foi tranquilo. Se a banda não fosse pela amizade, então não valia a pena.
DR: Penso que o nosso primeiro concerto a sério tenha sido talvez no Penicheiros, um bar no Barreiro. Nessa altura, já tocávamos há algum tempo juntos. Costumávamos concorrer a vários concursos e aproveitar essa altura para fazer o maior número de concertos.
EM: Lembram-se do vosso primeiro contacto com a música?
DG: No meu caso foi gradual. Eu oiço música desde miúdo e aos 10 anos comecei a ouvir música em português. A partir daí, despertou-se o interesse pela escrita. Para mim, a música é uma forma muito mais livre de dizer o que eu escrevo. Podia escrever um livro com os meus poemas, mas prefiro expressar-me assim. Entretanto, comecei a aprender a tocar guitarra e depois a bateria, o que me levou, de uma forma muito básica, a reproduzir alguma coisa. Depois comecei a querer levar isto mais a sério e a aprofundar o meu conhecimento musical e lírico. O que eu canto é muito rapado. Tenho refrões mais melódicos, mas a ideia é evoluir vocalmente; evoluir enquanto músico, vocalista, compositor e instrumentista. Não te posso dizer que tenha havido um momento que me fez querer ser músico…não, foi um processo de crescimento.
DR: O meu foi completamente diferente. Desde os 10/12 que queria aprender guitarra. Felizmente, o meu pai arranjou-me uma e tentei aprender o máximo possível, mas vi que no início dava imenso trabalho e negligenciei-a durante algum tempo. Foi preciso uns dois ou três anos para começar a aprender a sério. Nessa altura, o que ouvia era aleatório. O meu estilo musical desenvolveu-se quando comecei a tocar mais. Só há cerca de dois anos é que comecei a definir o meu estilo musical, pois apercebi-me do quão presente a música sempre foi na minha vida. Entretanto, entrei na banda e, mesmo no início, não achava que fosse algo para o futuro. No entanto, o que dá vida a isto é a amizade que temos uns com os outros. Quando olhava para nós e víamos aquilo que fazíamos, tive um flash que me fez pensar, “Bem eu quero mesmo fazer isto para a minha vida”.
EM: Qual é a necessidade para vocês de escreverem em português?
DG: É urgente porque o meu inglês é péssimo! É muito mais natural a escrita. Podia tentar escrever em inglês, mas não seria genuíno. Há artistas portugueses que viveram em Londres e aquilo para eles é natural. Para mim não é, não consigo. Eu tenho 24 anos e, a meu ver, é impensável que uma pessoa consiga ser melhor em inglês do que em português, tendo vivido 24 anos em Portugal. Agora, se eu fosse viver para a Austrália durante 10 anos e quisesse só cantar em inglês, então seria natural também. Para mim é mais uma questão de naturalidade. As bandas portuguesas que eu oiço são as que cantam em português
EM: Nesse sentido, ouvem bandas portuguesas que cantam em inglês?
DG: De que eu me lembre, muito poucas ou nenhuma.
DR: Penso que o nosso estilo não se iria adaptar muito bem ao inglês. Eu tenho orgulho no meu país e acho que nos expressamos melhor em português, até faz mais sentido. Não quer dizer que no futuro não nos adaptemos a coisas diferentes, mas penso que só se tocássemos num cenário mais internacional.
EM: Como veem 2018 para a banda?
DG: Isso vai depender muito do feedback que tivermos do lançamento da demo. Nós não estamos a fazer grandes planos, vamos tentar tocar ao vivo algumas vezes – somos uma banda ainda pouco conhecida. Mas a ideia da demo, mais do que divulgar na nossa música, é também para apresentar a agências ou produtores. Ainda não a apresentámos a muita gente e o nosso caminho vai ser traçado tendo em conta o feedback que nos vão dando.
DR: Depende muito do sucesso, depende muito da cultura musical. Há uma massa generalizada de cultura musical. Hoje em dia as pessoas ouvem aquilo que é mais comercial. Podem ter noção do que querem ouvir, mas não têm a iniciativa para explorar. O nosso estilo musical é muito focado e depende muito das massas e da cultura musical a que cada pessoa está habituada. Nos nossos planos, queremos expandir isto e mudar a nossa forma de tocar. E aqueles que têm boa cultura ouvir-nos-ão.
EM: Tendo em conta a cultura musical de massas que referiram e o vosso próprio estilo, imaginam a ouvir a vossa música na Rádio?
DG: Já achei que fosse menos possível. Hoje tu vês festas dos anos 90, vês tributos a Rage Against The Machine, System Of a Down. A cena do rapcore vai subir um pouco, mas não são as pessoas que vão procurar, é alguém que vai mostrar isto às pessoas e depois vão recomeçar a ouvir as bandas que sempre ouviram.
Olha, por exemplo, os Linda Martini: são das melhores bandas do país e eles estão no circuito deles, que é mais alternativo.
EM: Mas é um alternativo que vende…
DG: Sim, mas dentro desse circuito. Eles são muito bons e não percebo como é que não há mais pessoas a ouvi-los. A cena deles está catalogada como alternativa e não tem uma grande divulgação. Não percebo como é que as massas não ouvem mais este estilo de música, quando depois ouvem lixo que passa na rádio. É assim.
EM: Há uma plataforma fraca na música portuguesa para bandas alternativas como vocês?
DG: Não sei. Acho que com as redes sociais a aposta é maior. Se há, penso que o cenário vai mudar. O problema está mais nos ouvintes do que nos apoios. Digo isto porque eu vejo – e vamos ser sinceros – compositores que não sabem escrever duas linhas, mas que têm um ritmo fixe. Há cenas que começam no Youtube, não é na televisão nem na rádio; aliás, eles vão ao encontro das novas tendências. Não podemos culpar ninguém, existem concursos e a realidade é que as bandas que mais ganham esses concursos tocam aquele pop/rock português. O que for mais parecido com os Xutos e Pontapés é o que ganha. Mas isso, penso eu, já é mais uma cena das organizações. Poderia ser diferente, mas são opiniões pessoais. Não acho que mais plataformas resolvam o problema, penso que é mesmo a cultura das pessoas que tem de ser mais eclética, mais abrangente.
EM: Participariam em algum desses concursos de talento televisivos?
DG: Só se fosse com o “Queima”!
DR: Já vi em concursos televisivos bandas mais punk/rock. Os júris olhavam para aquilo, gostavam da cena, até os passavam para a próxima fase, porque até foi divertido, mas é raro bandas desse género terem futuro. É raro avançarem para uma fase final, ou até mesmo ganharem mantendo, ao mesmo tempo, o estilo original. Normalmente, as pessoas ouvem aquilo uma vez e acham interessante, mas depois cortam porque estes programas estão direcionados para os média.
DG: Eu nunca me inscreveria numa cena dessas.
DR: Até porque não fazia sentido. À priori, sabemos que não dará resultado.
DG: Acho que a maioria do pessoal tenta essa via mais como um atalho para o sucesso. Alguns só querem ser famosos e ter nome e aquilo funciona como uma catapulta. Mas eu acho que o caminho pode ser mais longo e pode ser mais consistente. Não é por aparecer na TV que se é melhor do que os outros. Sim, compreendo que possa abrir novas portas e surgir novas oportunidades. Mas também podem ser oportunidades que não valem a pena…em que tens de te prender e limitar um bocado. Eu prefiro ir com malta que genuinamente se interesse por este estilo de música, que goste e que tenha a mesma visão sobre música como nós temos. Esse tipo de oportunidades vale mais a pena do que o tipo de oportunidades que tens num programa de televisão.
Quem são os Warriors Against The System?
David Gião – Vocalista/Guitarra;
Daniel Ribeiro – Baixo;
Lucas Perdiz – Guitarra;
Pedro Branquinho: Bateria
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