Artes Visuais e Performativas

“A juventude também escreve… e bem”

Nascido em Lisboa, no ano de 1995, João Gomes emigrou para a Suíça aos 11 anos, tendo regressado à nação que o vira nascer apenas três anos depois. Passando por um período de reajustamento à língua materna após a aventura francófona, este descobriu gostar de escrever. Reúne no papel desde esse momento uma imensidão de ideias, acabando por publicar a sua primeira obra no passado mês de fevereiro, “O Cinzento Renascimento de Gonçalo Jaime”. Estive à conversa com ele na residência do mesmo, na região do Ribatejo.

“Os escritores são sempre considerados criativos, mas o bacano que criou a roda é que é. Já agora, espero do fundo do meu coração que estejam a ler esta (atenção à minha palavra de eleição) obra pelo conteúdo, e não por esperarem um conjunto de informações que não fique gravado na memória, mas que ajuda a passar o aborrecido e lento tempo. Isto é suposto ser interessante de ler.”

Pedro Garcia (PG): O que te levou a escrever (seja o que for) em primeiro lugar?
João Gomes (JG): A tentativa de expressar os meus sonhos.

PG: Quais são as tuas influências literárias?
JG: Nunca gostei muito de ler. Quando era pequeno tentei, mas todas elas eram definidas por um pequeno detalhe enervante e extremamente irrazoável e isso deixava-me fulo, portanto desisti de ler muito cedo e passei a prestar atenção àquilo que me rodeava e, não tendo livros para me entreter, comecei a abusar da imaginação. Por isso, quando recentemente contactei com autores Anglo-Saxónicos como Salinger ou Bukowsky ou Faulkner, senti-me perfeitamente feliz. Portanto podem dizer-se serem estas as minhas influências; apesar de, recentemente, me ter interessado pela escrita de Chandler, que escreve romances policiais que não são decididos por detalhes absurdos.

PG: Estando dois anos a tirar o curso de direito, o que te fez desistir e simplesmente focar-te em escrever?
JG: Já escrevia muito tempo antes. Não gostava do curso e não tinha aptidão. Senti que ao entrar em contacto com o mundo académico foi verdadeiramente a primeira vez que senti que estava num verdadeiro lugar de aprendizagem onde se podia tomar contacto com muita informação, mas no entanto fui percebendo que, à medida que ia estudando o que estava a aprender, não surgia interesse nem aptidão. Comecei a reparar mais nas coisas, principalmente em estar em contacto com aquilo que me deixava mais feliz como cinema, arte contemporânea, livros, etc., o que não tinha nada a ver com o curso de direito.

«O cinzento renascimento de Gonçalo Jaime», de João Gomes

PG: Relativamente a este livro, consegues fazer uma pequena sinopse sobre a história?
JG: Não consigo e por isso é que gosto dele. O que me leva a crer que não vou voltar a conseguir escrever algo como isto, visto que não tem uma estrutura definida.

PG: O que te separa a ti, autor, da personagem Gonçalo Jaime?
JG: O que me separa da personagem é que esta é um total produto de ficção, derivado de certos pontos de vista que vi algumas pessoas terem durante a minha vida, portanto pode-se dizer que eu não sou o Gonçalo Jaime nem vice-versa, mas que Gonçalo Jaime existe, apesar de estar confinado às páginas do livro.

PG: Então, como vimos acima, este livro acaba por se traduzir em vários pontos de vista sobre várias situações vividas por Gonçalo Jaime?
JG: Nem eu sei, devido à confusão existente entre o narrador e a personagem. Deixo ao critério do leitor, porque depende verdadeiramente do ponto de vista ou do facto de não existir um só…

PG: Neste livro, existe um renascimento da personagem. Porque é que sentiste necessidade de “criar” um renascimento para a mesma?
JG: Vem do confronto entre o mundo real e o mundo onírico em que o personagem pensa residir. É uma derradeira expressão do fatalismo latente em Gonçalo Jaime.
A personagem sentiu que não podia continuar a viver da forma que estava a viver. Para além disso, Gonçalo Jaime, que queria viver de outra forma, descobriu que, como se vê nesta odisseia literária, não o pode nem consegue fazer.
Todas estas e muitas mais, porque a resposta a esta pergunta depende inteiramente da forma de interpretação do livro. Pode-se dizer que é um livro que incita à liberdade.

PG: Logo no primeiro capítulo, dizes que Gonçalo Jaime “Não é livre e sente-o ao olhar para o relógio do seu vídeo, cuja hora indicada é sempre mais drástica durante as manhãs”. Porquê ou em que sentido é que dizes que ele sente esta falta de liberdade?
JG: Descobrindo, lendo o livro e percebendo as entrelinhas, entendendo que é uma personagem muito fatalista e que não consegue mudar a maneira de ser e que não tem poder ou liberdade sobre si mesmo, ou pelo menos é assim que ele vive.
O leitor tem de ir ter com o livro; ou seja, tal só se consegue emergindo no mesmo…

PG: “já tive muitos amigos labregos. Oh sim! Eram tão hostis a principio, mas, quando viam que eu era um cordeirinho gentil, caçavam-me, empatizando comigo. É triste.” Porque é que fazes a comparação entre “caçar” e “empatizar”? Termos tão distintos.
JG: Este é o derradeiro traço que prova que Gonçalo Jaime é um grande sociopata lírico – utilizando estas duas palavras –, que ele não é a fórmula de Deus, tal como se tinha sugerido, mas que é realmente um menino birrento, que não se sabe bem se ele próprio tem a noção de ser uma pessoa com aversão à convivência social.

PG: Durante o livro acabas por tecer muitas críticas ao “Direito”. Baseias-te na tua experiência pessoal para isto?
JG: Sim, embora tenha usado muita liberdade artística, porque as pessoas não são bem assim como estão retratadas no livro, porque eu as adaptei ao mundo de Gonçalo Jaime que é um mundo pautado por um ponto de vista absolutamente subjetivo; (a juntar ao fatalismo) leva-o a crer que ele não pode fugir, apesar de ser ele a ditar as regras.

PG: Porquê a decisão de matar a personagem no fim do livro e dizer logo aos leitores no início?
JG: Porque o importante não é o destino, é a viagem. Isto não é uma história de mistério, mas uma odisseia.

PG: Continuas ou vais continuar a escrever?
JG: Sim, continuo a escrever.

PG: Que pretendes fazer daqui em diante?
JG: Ainda estou a ponderar o meu futuro, mas planeio que seja risonho.

Esta obra encontra-se disponível para compra nos links abaixo e tem um custo de 12€ em versão papel e de 3€ em e-book.

https://www.chiadoeditora.com/livraria/o-cinzento-renascimento-de-goncalo-jaime

http://www.fnac.pt/O-Cinzento-Renascimento-de-Goncalo-Jaime-Joao-Garcia-Gomes/a1024113#