Grande Reportagem

Afirmou-se o Jornalismo no Cinema São Jorge

Entre 26 de fevereiro e 1 de março de 1998, a Culturgest recebeu, sob o lema “Jornalismo real, jornalismo virtual”, o terceiro Congresso dos Jornalistas Portugueses. Quase dezanove anos depois, Jorge Sampaio já não é Presidente da República. O jornalista José Pedro Castanheira não falou em nome da comissão organizadora e Diana Andringa não é Presidente do Sindicato dos Jornalistas. Neste enorme período de tempo que separa o terceiro do quarto Congresso dos Jornalistas Portugueses, existiu uma panóplia de mudanças, tanto ao nível do exercício da profissão como num aspecto de relevo imperioso: a colaboração entre os meios académico e profissional estreitou-se de modo louvável.

A ESCS MAGAZINE esteve no quarto Congresso dos Jornalistas Portugueses, e trouxe até ti os olhares de profissionais e estudantes, que se juntaram para iniciar a mudança.

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Imagem 1 – Redação Multiplataforma do 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses.
Rui Coutinho / ESCS
 

Corria o ano de 1982 quando se realizou o primeiro Congresso dos Jornalistas Portugueses. Com o lema “Liberdade de expressão, expressão da liberdade”, houve um ambiente propício para as 23 sessões de trabalho que decorreram na Fundação Calouste Gulbenkian. Margarida Alpuim, estudante do segundo ano da Licenciatura em Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, nasceu dois meses depois da realização do primeiro Congresso. Foi selecionada para integrar a secção da Imprensa Escrita na Redação Multiplataforma do quarto Congresso dos Jornalistas Portugueses e, quando questionada sobre a sua integração na mesma, a jovem respondeu: “Senti-me muito bem integrada na maior do tempo. E, nos momentos em que isso não aconteceu, procurei entender o que me estava a deixar menos satisfeita e retirar daí aprendizagens – nomeadamente, o que fazer quando não concordo com algo. Em particular, foi um prazer conhecer pessoas da minha secção e das outras com quem gostaria muito de voltar a trabalhar.”

 

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Imagem 2 – Margarida Alpuim, aluna de Jornalismo na ESCS, a entrevistar Nic Newman, jornalista da Reuters Institute.
Ricardo Dias / CENJOR
 

Quanto à resolução final aprovada por unanimidade, Margarida não tem papas na língua, admitindo que, apesar de ter considerado que o debate de propostas foi uma excelente ideia, sente que “a lista de resoluções tende a ser demasiado vaga, correndo o risco de acabar por não se traduzir em ações concretas”, destacando o ponto 11 – É urgente promover a literacia mediática, com iniciativas no domínio da educação pré-universitária e junto da população em geral: “Parece-me extremamente importante que haja um conhecimento mútuo entre os jornalistas e aqueles a quem queremos fazer chegar a informação, para que o jornalismo cumpra realmente a sua função”. A estudante, que sonha ser jornalista de investigação, sente que abandona esta missão “com a sensação de balanço muito positivo”, pois imaginara um cenário de “stress constante” e acabou por ter a oportunidade de trabalhar nos seus artigos com alguma calma, sentindo-se bem com o trabalho que publicava diariamente no jornal O Congresso.

Em 1986, a Gulbenkian recebeu de braços abertos o segundo Congresso dos Jornalistas Portugueses, que se dedicou exclusivamente à Deontologia. Nesse mesmo ano, Mário Zambujal publicava À Noite Logo Se Vê. Para o escritor e jornalista português, que sorri genuinamente ao falar do jornalismo, em Portugal falta “um bom jornal de informação diversificada e global” e, se tivesse possibilidade, criaria esse próprio órgão de comunicação, dando a todas as pessoas que com ele trabalhassem os meios necessários para realizar bom jornalismo.

Para Inês Paulos, aluna do terceiro ano da Licenciatura em Ciências da Comunicação no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, que só nasceu dez anos depois, o quarto Congresso dos Jornalistas Portugueses possuiu um forte impacto: “Superou as minhas expectativas, porque não tinha expectativas nenhumas. Não me lembrava do último, porque… Enfim, foi há quase vinte anos e não sabia como se organizaria. Sabia que existiriam sessões, mas desconhecia como seria o seu funcionamento e até que ponto nós, estudantes, estaríamos envolvidos”. No entanto, Inês integrou a secção das Redes Sociais e ficou surpreendida. Sente que toda a redação multiplataforma trabalhou verdadeiramente, ainda que supervisionada: “Mas o que nós fazíamos é que era publicado e esse sentimento é ótimo!”.

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Imagem 3 – Inês Paulos, estudante do 3º ano da Licenciatura em Ciências da Comunicação no ISCSP.
Ricardo Dias / CENJOR
 

Em 1998, o reforço da autonomia e da representatividade do Conselho Deontológico, as novas tecnologias, a atribuição dos títulos profissionais, a exploração dos estagiários e o acesso à profissão foram algumas das questões mais abordadas no penúltimo congresso dos jornalistas. Ruben Martins, na época com três anos, não imaginava que o jornalismo seria a sua vocação. O co-produtor do podcast Politicamente e jornalista no Público, que emana talento e cativa qualquer pessoa com o seu sorriso e voz inconfundível, julga que os recursos humanos devem ser uma prioridade nos órgãos de comunicação e, para além do dinheiro, faz falta o tempo naquilo que concerne à procura de histórias: “Se trocássemos um milhão de euros por um milhão de horas para distribuir aos jornalistas de trabalho remunerado e que eles tivessem tempo para pensar, preferia. Acho que é nisso que devemos investir, efetivamente”.

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Imagem 4 – Ruben Martins, co-produtor do podcast Politicamente e jornalista do Público.
Miguel Fernandes / Universidade Nova de Lisboa
 

Três anos apenas tinha também Gonçalo Costa, aluno do Mestrado em Ciências da Comunicação, Especialidade em Jornalismo e Informação na Universidade do Minho, que considera a experiência da redação “muito enriquecedora”: “Percebemos que temos de fazer todos um bom trabalho para que o resultado final seja o desejado. A hibridização da redação cumpriu-se. Não houve barreiras entre online, rádio, vídeo, etc.. Essa é a realidade que deve imperar nas redações ‘a sério’ e nós conseguimos que funcionasse (quase) na perfeição”. Para o editor da secção de Cultura, no jornal online ComUM, o acompanhamento prestado pelos professores foi essencial: “Aprendi muito. A exigência misturava-se com um reconhecimento das nossas limitações e o objetivo era sempre fazer com que melhorássemos. Na redação deste congresso percebi o significado da palavra ‘camarada’, quando utilizada entre “jornalistas”. Gonçalo, que trabalhou na secção de Fotografia, apontando sempre a objetiva da câmara com uma mestria impressionante, salienta a entreajuda existente nos quatro dias do congresso: “Estávamos ali uns para os outros. Todos para um fim comum: fazer bem. Se algum órgão de comunicação social quiser contratar oitenta jornalistas, estes estudantes são uma opção acertada”. Na opinião do jovem, o jornalismo português sofre de uma forte centralização “geográfica e ideológica”, na medida em que sente que se exploram maioritariamente as histórias das duas grandes metrópoles: Lisboa e Porto. Com convicção, afirma: “Há mais país para além disso e não chega ir lá para falar do louco que matou a mãe ou da aldeia que tem três habitantes. Há uma grande riqueza cultural e social por este Portugal fora. Falta tempo e dinheiro ao jornalismo para escutar mais e escutar outras coisas. Deixar a cadeira da secretária e ouvir as pessoas. Aquelas que são como nós, não o poder – que já tem voz que chegue. Para muita gente, o jornalismo que é feito hoje não lhe diz nada. Por isso, afirmar o jornalismo é fazer com que “a mais bela profissão do mundo” esteja ao serviço das pessoas”.

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Figura 5 Gonçalo Costa, estudante do Mestrado em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho e editor da secção de Cultura na ComUM
Rui Coutinho / ESCS
 

Em 2017, aquilo que se considerava impossível aconteceu: o resultado da colaboração entre os meios académico e profissional – aos estudantes, juntaram-se o Sindicato dos Jornalistas, o Clube de Jornalistas, a Casa da Imprensa e a Comissão Organizadora. Subordinado ao tema “Afirmar o Jornalismo”, o Congresso fez História: o media lab, mais conhecido por redação multiplataforma, conseguiu unir os esforços de oitenta alunos provenientes de cursos de comunicação, professores e jornalistas, que durante quatro dias, formaram uma família, cobrindo todos os eventos do Congresso por todos os meios de comunicação.

Como este Congresso mostrou que tudo é possível desde que haja vontade, questionámos três personalidades da comunicação acerca daquilo que fariam se tivessem um milhão de euros para investir no jornalismo. Francisco Sena Santos, docente na Escola Superior de Comunicação Social e nome incontornável da rádio portuguesa, exprime o desejo de prolongar o poder da redação multiplataforma do congresso, a força enorme de trabalho que se criou “com pessoas novas e gente crescida a ajudá-las”.

Pedro Coelho, jornalista da SIC, revela: “Desenvolveria um trabalho de investigação jornalística, que produzisse conteúdos para as diversas plataformas, ou seja, teria uma equipa de jornalistas e venderia o nosso trabalho para as várias televisões, rádios, etc, não apenas em Portugal mas também internacionalmente”.

Conceição Lino, apresentadora do programa E Se Fosse Consigo?, continuaria a lutar contra a indiferença: “Acho que investiria em tempo, com uma equipa de jornalistas dispostos a investigar muitas das situações que corroem e estragam a nossa democracia e, muitas das vezes, porque os jornalistas não têm tempo e estão a fazer outras coisas, passam incólumes, e também porque a justiça não chega lá. E são coisas que nós todos sabemos que existem e que vão andando e vão estragando o país e a vida dos cidadãos”.

No Cinema São Jorge consagraram-se a liberdade, o rigor, a credibilidade e a objetividade. Falta saber se estes conceitos e o esforço coletivo que existiram durante quatro dias perdurarão. Em suspenso, fica a ideia da realização do quinto Congresso dos Jornalistas Portugueses, no Porto, em 2019. Quiçá, a partir de agora, o jornalismo se passe a afirmar com mais regularidade em território lusitano…!

AUTORIA

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Se virem uma rapariga com o cabelo despenteado, fones nos ouvidos e um livro nas mãos, essa pessoa é a Maria. Normalmente, podem encontrá-la na redação, entusiasmada com as suas mais recentes descobertas “AVIDeanas”, a requisitar gravadores, tripés, câmaras, microfones e o diabo a sete no armazém ou a escrever um post para o seu blogue, o “Estranha Forma de Ser Jornalista”… Ah, e vai às aulas (tem de ser)! Descobriu que o jornalismo é sua minha paixão quando, aos quatro anos, acompanhou a transmissão do 11 de setembro e pensou: “Quero falar sobre as coisas que acontecem!”. A sua visão pueril transformou-se no desejo de se tornar jornalista de investigação. Outras coisas que devem saber sobre ela: fica stressada se se esquecer da agenda em casa, enlouquece quando vai a concertos e escreve sempre demasiado, excedendo o limite de caracteres ou páginas pedidos nos trabalhos das unidades curriculares. Na gala do 5º aniversário da ESCS MAGAZINE, revista que já considera ser a sua pequena bebé, ganhou o prémio “A Que Vai a Todas” e, se calhar, isso justifica-se, porque a noite nunca deixa de ser uma criança e há sempre tempo para fazer uma reportagem aqui e uma entrevista acolá…!