Cisgénero, vegan, Non-binary e outras nomenclaturas
Disclaimer sobre a crônica a seguir: alguns parágrafos refletem minha real opinião sobre o assunto, outras não. Algumas coisas serão ditas por serem meramente engraçadas (para mim) ou intencionalmente provocadoras. Enjoy!
Era uma sexta-feira chuvosa. Estava com minha amiga Jéssica num restaurante a divagar sobre a vida, quando o atendente de mesa se aproxima e pergunta, com uma alegria no olhar de quem trabalha todos os dias nessa profissão tão gratificante, o que gostaríamos de comer.
– Bom, eu não como carne ou derivados de animais. Há dois meses tornei-me vegan, então gostaria de alguma opção na ementa sem qualquer tipo de crueldade animal – respondeu Jéssica.
Engraçado que o atendente só tinha perguntado o que queríamos comer. Entretanto, minha amiga sentiu a necessidade incontrolável de apresentar todo o seu lifestyle curriculum vitae. Sem contar que estávamos num restaurante de gelados. Eu não sei quanto a vocês, mas não me lembro do dia que a Magnum começou a vender gelado com sabor a cordeiro com cobertura de sangue de cavalo.
Mal sabia eu que o melhor estava por vir!
Jéssica confessou-me que estava à espera de seu novo namorado. Aquilo destruiu meu coraçãozinho brasileiro. Até àquele momento, pensava que estávamos num encontro romântico. Sair sozinha com um homem para depois lhe apresentar o namorado é a mesma coisa que levar um amigo numa casa de Strip e descobrir que sua mãe será a dançarina da noite.
Conformado com o facto de que a única coisa que comeria naquele dia seria um Tiramisu, vejo se aproximar da nossa mesa uma linda mulher de cabelos curtos com um corpo per-fe-i-to (acho que não é assim que se separam as sílabas. Não deveria ter faltado às aulas de gramática).
Quando vejo que a linda mulher se senta na nossa mesa, não consigo controlar meus impulsos e esbravejo um:
- Você é muito gostosa! – na verdade esse foi o meu pensamento no momento. Todavia, o que saiu da minha boca foi algo mais socialmente aceitável – A sua amiga tem um cabelo muito foda, Jéssica.
Para a minha surpresa, Jéssica, com um olhar de desaprovação, corrige-me:
– Sim, Wesley, meu namorado tem um cabelo muito foda.
Nesse momento, o(a) namorado(a) da Jéssica – vamos lhe chamar de Sabonete Íntimo Unisex (um nome neutro sem estereótipo ou presunção de identidade de género) –, que por sinal tinha umas mamas pornográficas e o rosto mais feminino que já vi na minha vida, apresenta toda a sua ficha técnica, assim como Jéssica, a vegana, anteriormente apresentara ao atendente de mesa:
– É comum a ignorância das pessoas, amor, não se irrite. Wesley, eu me identifico como um homem transgénero não-binário heterossexual.
Bons tempos aqueles em que as pessoas se apresentavam apenas como Carlos, Joana, ou apenas Zé, para facilitar. O que o Sabonete Íntimo Unisex tinha me apresentado parecia mais uma especificação do seu produto do que qualquer outra coisa. Confesso que me controlei para não perguntar se o contribuinte acompanhava a fatura.
– Ele é Cisgénero, amor, além de ser homem e branco; é aceitável não compreender – completou Jéssica.
Eu fiquei extremamente ofendido. Primeiramente porque meu nome é Wesley (quem é esse tal de Cisgénero?). E, segundo, eu venho de uma família negra por parte da minha mãe e os meus peitos estão muito próximos de serem considerados femininos (se eu não começar uma dieta urgentemente). Então, eu praticamente tenho a legitimidade necessária para que minha opinião tenha um mínimo de importância, nesse mundo misógino e opressor.
Apesar da minha revolta, abri meu coração e confessei:
– Eu entendo, na verdade eu acredito que todo mundo deve, antes de tudo, se aceitar. O amor próprio é muito importante e só assim conseguiremos conscientizar as outras pessoas da nossa identidade e reivindicar o direito de sermos tratados pelo pronome que acharmos melhor.
Todos ficámos emocionados e acabámos por nos abraçar num momento ímpar de compreensão e aceitação.
Confesso que na verdade eu disse aquilo porque existe uma pequena parte em mim – uma parte de que eu tenho muita vergonha e tento esconder de todos – que acreditava que, no meio de toda aquela confusão, um ménage poderia acontecer. E eu não queria estragar tudo em nome de algo em que eu acreditasse. Que se lixem os meus princípios.
SpoilerAlert: nada aconteceu e eu voltei sozinho para casa.
Mesmo assim, me assusta ver que todo mundo sente a necessidade de levantar uma bandeira, ser reconhecido por uma particularidade ou exigir tratamento especial por uma característica única.
“Eu sou vegan, ateu, anárquico, feminista, não-binário, conservador, libertário, pro-choice, pro-life, pokémon”. Porquê sentimos a necessidade de fazer parte de algo, qual o problema em sermos apenas…pessoas?
Amigos, somos todos iguais em desgraça, ninguém é especial; Pai Natal não existe, as vossas mães não vos amam de verdade e o Walter White morre no final do Breaking Bad com um tiro.
Acredito que não consegui passar uma visão clara sobre o assunto, como sempre. Porém, tentarei resumir esse texto de proporções bíblicas em quatro frases:
- Se ofender, ser insultado ou ouvir críticas é algo saudável;
- Ninguém liga para os seus sentimentos;
- Se apresente através de um ideal e não de um adjetivo;
- O novo álbum do Kendrick Lamar saiu dia 7 de abril;