Hienas, Smarts e Josés
Aviso prévio: esta crónica não está assente em nenhuma ideologia política. Pode causar alguns efeitos secundários, como estranheza, confusão ou surpresa. Em caso de agravamento ou persistência dos sintomas, consulte o seu médico ou farmacêutico.
Se eu tivesse de confiar a minha vida a um político português, certamente que não seria ao José Sócrates. Para dizer a verdade, não confiaria a minha vida a nenhum político. No caso de Sócrates, já não é de agora, nem tão pouco da altura em que ele era Primeiro-Ministro. Não significa, porém, que eu possa falar dele como culpado. Começando pelos jornalistas, passando pelos comentadores políticos e terminando nos populares raivosos do facebook, todos falam como se soubessem a verdade dos factos. Mais! Todos querem sangue. No dia da detenção de José Sócrates, os jornalistas já especulavam sobre as consequências que isto traria para o PS de António Costa. O que importa é fazer sangue. No fundo, estamos perante um daqueles casos de hienização do espaço público. Os necrófagos alimentam-se entre sorrisos de um corpo putrefacto e isso é uma das coisas com a qual eu não compactuo. A dignidade humana, para mim, está acima de tudo. Estejamos a falar de inocentes ou culpados.
Eu não sei se ter um ex-Primeiro-Ministro (confesso que sou um fã incondicional de palavras com muitos hífens. Quando Paulo Portas sair do Governo, será o ex-Vice-Primeiro-Ministro. Não caibo em mim de entusiamo.) preso preventivamente é uma coisa que sobe a reputação de um país. Não me interpretem mal: a prisão e as detenções não devem ser feitas segundo o estatuto da pessoa em causa. A questão é que, por um lado, mostra um sistema de Justiça sem medo. Por outro lado, agrava as suspeitas de corrupção na política portuguesa. Na verdade, a política portuguesa começa a ser como a Volta a França em bicicleta: já suspeitamos de todos e não acreditamos em ninguém. Levem já o Passos Coelho ao controlo anti-doping e à entrevista com a Oprah para tirarmos todas as dúvidas.
A detenção de Sócrates veio funcionar como um balão de oxigénio para o Governo. Há quinze dias demitiu-se um Ministro na sequência de um caso de corrupção e parece ser uma história tão antiga como a batalha de Aljubarrota. O impacto político acabou por ser diminuído de modo inesperado. No entanto, eu gosto de ter memória e lembrar a todos aqueles que hasteiam bandeiras partidárias a propósito de casos judiciais que não me esqueço de que todos têm o rabo preso de alguma forma. Chame-se caso Relvas, caso Tecnoforma, caso dos Vistos Gold, caso Freeport ou caso dos Submarinos – ou como eu gosto de lhe chamar: caso Freeportas.
Eu não costumo virar-me contra os cidadãos comuns, mas confesso que nesta situação é complicado não reparar em algumas coisas. Muitas das pessoas que passam as legislaturas a chamar corruptos aos políticos são aquelas que depois votam nos autarcas independentes com processos judiciais a decorrer na justiça. Essas pessoas merecem o país que têm. Afinal de contas, a culpa não é sempre deles (sejam lá quem eles forem). Às vezes também é nossa. Sócrates, se me estás a ler, esquece as Presidenciais e candidata-te às Autárquicas.
AUTORIA
O Francisco Mendes é licenciado em Jornalismo e pauta a sua vida por duas grandes paixões: Benfica e corridas de touros. Encontra o seu lado mais sensível na escrita de poesia, embora se assuma como um amante da ironia e do sarcasmo. Aos 22 anos é um alentejano feliz por viver em Lisboa.