Keep on Trocking, trocando estereótipos
Uma futura mamã “sabe” que, se for menina, vai haver alguém que lhe oferecerá babygrows rosinhas e que, se for menino, azuis; que no primeiro ano as meninas vão para o ballet e os meninos para o karaté. No entanto, as coisas nunca foram assim tão lineares e cada vez mais nos afastamos dos paradigmas de género, uma vez que sempre houve meninas no karaté e meninos no ballet e ainda há toda uma panóplia de atividades extracurriculares para as crianças. Mas o artigo de hoje é sobre uma companhia que educa principalmente os graúdos; é para os amantes de ballet e para aqueles que dizem coisas como “ballet é para meninas” e “ballet é demasiado sério e, por isso, uma seca”. No passado dia 26 de Novembro, no CCB, havia uma enorme mancha de cabelos grisalhos, mas fez-se ouvir também o riso de uma ou outra criança. Sim, um riso. A Les Ballets de Trockadero de Monte Carlo é uma companhia de ballet cómico constituída somente por homens.
Criada em 1974, tem vindo desde então a ganhar visibilidade e tem conquistado um espaço no coração dos seus espetadores devido ao carisma, à complexidade e à diversidade técnica dos Trocks. Vestidos e produzidos como mulheres, assumem papéis que, numa companhia de ballet normal, são apenas atribuídos às bailarinas principais, deixando a figura masculina de ser associada à força e masculinidade e tornando-se o protagonista.
O bailado apresentado foi composto por 3 atos em adaptações únicas, desde o clássico Lago dos Cisnes (ato II), bailado moderno, Go for Barroco e Paquita. Em palco estiveram apenas homens, dominando a técnica de pontas, a graciosidade e a expressividade. Os dois primeiros bailados tornam difícil acreditar que algumas das bailarinas em palco eram, na verdade, homens. O que as “denunciou”? A estrutura muscular e o contraste num andar de galo também estereotipado, ou um berro soltado por uma bela Rainha dos Cisnes, delicada, prestes a aterrar no chão por falta de jeito do príncipe.
Para aqueles que estão familiarizados com os bailados, conseguem-se identificar algumas semelhanças; para os menos conhecedores, há um misto de fascínio e gargalhadas. À medida que o nível de “seriedade” aumentava, o desenhar de fortes efeitos visuais com os seus corpos ao longo dos atos era a cereja no topo do bolo. O terceiro e último ato foi mais dedicado ao ballet, havendo menos “acidentes” ou esquecimentos. Contudo, a entrega e calor dos Trocks fez-se sentir. De certa forma, perdeu-se o distanciamento que é geralmente sentido em companhias clássicas, onde existe uma entrega total à dança e performance, mas não ao público. O objetivo de entretenimento da Les Ballets de Trockadero torna as suas performances mais humanas.
Um programa natalício atípico, para toda a família. Numa próxima vinda Portugal, a não perder. Não se veem elefantes de tutu cor-de-rosa, mas já se veem homens.