Bang bang, lá se vai o miolo
No dia 14 de fevereiro, um tiroteio numa escola secundária no estado americano da Flórida provocou 17 mortos e 17 feridos. O autor do ataque foi um antigo estudante, Nikolas Cruz. O jovem de 19 anos tinha sido expulso da escola no ano passado e já tinha sido investigado por inúmeros red flags, como um vídeo no Snapchat onde se cortou nos braços e disse que planeava comprar uma arma, por exemplo. Durante a investigação, foi reportado que Cruz sofria de depressão, autismo e hiperatividade, mas que, apesar de tudo, não apresentava perigo para os outros.
Nos últimos 3 anos, o resto do mundo conseguiu (espero eu) perceber o quão absurda e estupefaciente a política americana e o debate em seu torno é. Já tive sonhos surreais e moralmente repreensíveis: lembro-me de uma vez ter colocado uma garrafa de vidro no ecoponto azul. No entanto, nunca fumei ganzas (erva, marijuana, droga) nem psicadélicos ou alucinogénios ou qualquer tipo de substâncias. A quem acha que devo experimentar, eu pergunto porquê. Nenhuma trip me proporcionará um mundo onde Donald Trump é o homem mais poderoso do mundo e onde o pioneiro da diplomacia entre o maior inimigo do estado americano foi Dennis Rodman. No entanto, a diarreia mental que esta história me proporcionou é de tal forma insuportável ao ponto de eu me questionar acerca do fracasso darwiniano que é a falta de intestinos para o cérebro, de tanta merda que sai da cabeça de certa gente.
Questionemo-nos sobre a forma como um puto autista, deprimido, suicida e que era visto como um perigo pelos próprios colegas arranjou uma metralhadora. A Flórida é, afinal de contas, o pénis americano, e é constantemente alvo de chacota por ser um pequeno shithole no meio do aparentemente fabuloso país que é os Estados Unidos da América. Agora não acredito que humanos, os únicos seres detentores da razão, como uns senhores “iluminados” vinham dizendo há 400 anos (mais coisa menos coisa), sejam capazes de permitir que um rapaz aparentemente autista e com a sua inteligência emocional destruída arranjar armas que acabou por utilizar para tiro ao alvo a outros putos. Já havia dito Nikolas, em comentários na Internet, que queria morrer a matar um monte de gente, e que ia ser um atirador de escolas profissional. Mesmo que tenha sido alguém a gozar, os acontecimentos do sangrento São Valentim de 2018 iriam ser levados a cabo por Cruz mais cedo ou mais tarde.
Ainda mais óbvio do que Nikolas Cruz não se poder aproximar de uma arma será enaltecer, a partir desse facto, a importância da regulação da posse de armas nos EUA. Não sou psicólogo nem aficionado de qualquer tipo de armas de fogo. No entanto, um QI relativamente mediano é suficiente para perceber que deve haver um equilíbrio entre a posse livre de armas para autodefesa em casos extremos e a restrição de armas a quem não tem nem a inteligência cognitiva nem a inteligência emocional para disparar do próprio pénis, muito menos de uma metralhadora. Assim todo o homem era sniper. A sugestão da National Rifle Association (NRA), a associação pró-armas americana, foi a de armar professores. Não é algo totalmente descabido, visto que evitaria muitas mortes, mas é mais um penso rápido do que uma verdadeira cura. Aliás, é uma manobra de negócio disfarçada de ato bondoso disfarçado de penso rápido. É um esquema para vender mais armas.
Descabido foi aquilo que muitos propagandistas conservadores espalharam na Internet ao afirmarem que os jovens alunos encenaram o tiroteio para que espalhassem a sua propaganda anti-armas. Um vídeo onde se afirmava que David Hogg, o mais mediático dos sobreviventes até agora, era um “crisis actor”, que esteve no topo do trending no Youtube. Isto levanta já umas questões em relação à hipocrisia do site, mas isso é um tópico para depois. A ousadia e evidente falta de escrúpulos, de bom senso, de humanidade, de compaixão e de corrupção mental e moral de quem defendeu e propagou este argumento seria suficiente para banir a democracia no mundo. Se está longe da vista, não só está longe do coração como também está longe da cabeça, porque os neurónios também ficam atrofiados. No entanto, aquilo que incomoda mais é não me admirar de algo do género realmente acontecer nos Estados Unidos, visto que a atitude dos media e da classe política do país é simplesmente estapafúrdia.
Para finalizar, e como se não bastasse, o argumento anti-armas foi retorquido com o reacendimento do debate em relação à “violência” nos videojogos. Após investigação, concluiu-se que Nikolas Cruz não demonstra qualquer interesse em videojogos. Nikolas Cruz está de tal forma revoltado com o mundo, que o único escape que encontrou para canalizar a sua angústia foi as armas. Tal como as armas, os videojogos também são um escape, e, ocasionalmente, há quem tente praticar na vida real os atos violentos que se aprende num videojogo. Mas nem chegam a minoria: é quase nula a existência de tais indivíduos. Praticamente toda a gente que joga numa Playstation ou numa Xbox ou num computador tem noção de que aquilo que se passa na consola ou no jogo fica lá. São mundos distintos. Aliás, são tão distintos e, para muita gente, comparavelmente melhores que ficamos viciados neles. Não queremos outra coisa. Eu posso comprovar isso. O vício de videojogos tem outras implicações, mais do foro individual do que num contexto de perigo para a sociedade. No Japão e na Coreia do Sul, apesar de as taxas de suicídio serem das maiores no mundo inteiro, não existem tiroteios em escolas. São modos de vida diferentes, mas um tem implicações nos outros e o outro, ao menos, corta o mal pela raiz. Não defendo o suicídio nem qualquer tipo de violência, mas se a outra opção é matar outras pessoas, o suicídio é, em comparação, uma bênção.
Perceba-se que há muita gente, a maioria sendo simplesmente retardada, mas alguns mais inteligentes do que aquilo que parecem, que irá dizer e fazer de tudo para defender os seus interesses, especialmente quando o carcanhol está à vista e pelo qual dá para passar a mão. Até queima de tanta que é a vontade (ou atenção). Espero é que, independentemente da moeda de troca para comprar mais uma existência, numa que consigam usufruir de um nível cognitivo suficientemente bom para que vivam uma vida decente, visto que nesta não tiveram sorte.