The Death of Stalin
Num período onde as relações entre Grã-Bretanha e Rússia se pautam pela instabilidade, o escocês Armando Ianucci lançou mais achas para a fogueira com a sua sátira política The Death of Stalin. Recorrendo ao humor britânico, o realizador aborda, como é explícito no título, o período conturbado que precedeu a morte do ditador soviético em 1953. Esta representação anglicana do comité do Partido Comunista tem a sua dose de absurdo e só podia originar um cenário possível: reações polarizadoras.
Para quem assiste do lado neutro, The Death of Stalin consegue proporcionar boa disposição e bastantes sorrisos. Os diálogos fluiem de forma natural e estão sempre repletos de ironia, o que ajuda à composição da paródia pretendida por Ianucci. Existe, por vezes, uma tentativa de recorrer ao humor visual, que não funciona tão bem quanto o pretendido. Contudo, também se revela como um fator importante no desenho da sátira dos acontecimentos da trama, enquanto fornece um relevo inusitado às personagens históricas.
O elenco é, aliás, um ponto forte para atribuir alguma veracidade, dentro do possível exagero ficcional, aos diversos protagonistas. Claramente escolhido a dedo, dele fazem parte nomes como Steve Buscemi, Jeffrey Tambor, Rupert Friend, Jason Isaacs e Michael Palin, entre outros. A química entre os atores é bem patente e ajuda a vincar o lado satírico que o realizador pretende impôr no seu argumento. Talvez o desempenho possa levar céticos que fazem dos factos históricos o seu vício a inteirarem-se de que há espaço de manobra para a teatralidade de tais factos, quando a encenação é bem preparada.
Mesmo assim, por vezes, certas cenas parecem ligeiramente desintegradas do percurso que a narrativa toma para o seu desenlace. Não são muitos os momentos em que nos deparamos com um ligeiro soluçar dos acontecimentos; todavia são suficientes para questionar a sua utilidade no filme. Ainda assim, e não obstante algumas cenas forçadas, The Death of Stalin consegue superar esse registo menos positivo com um ritmo célere e com emocionantes períodos de ação com uma pitada de humor q.b., que acabam, contrastando com o que acabei de mencionar, por ser relevantes para o final do enredo.
Passando ao ponto de vista dos satirizados, nem mesmo as estrelas do elenco que encarnam Nikita Khrushchev, Georgy Malenkov, entre outras figuras do Partido Comunista Soviético, conseguem salvar o trabalho de Ianucci de uma maré de críticas negativas vindas de Leste. O filme, que satiriza o comité sem qualquer filtro, podendo ser bastante cru, foi inclusivé banido de vários países, com a Rússia a encabeçar a lista. Outros Estados da antiga União Soviética, como a Bielorrússia e o Cazaquistão, também se juntaram ao boicote a The Death of Stalin. Numa era onde o politicamente correto é um tema sensível e as relações entre russos e “ocidentais” se deteriorizam, era previsível esta posição. Mas, atendendo à natureza do filme, Ianucci produziu os efeitos pretendidos, que foram referidos logo no preâmbulo: originar reações polarizadoras. E esse mérito ninguém o tira. Porém, como escrevo com isenção, não irei opinar sobre a polémica em que The Death of Stalin se envolveu. Deixarei, talvez, para os especialistas, se forem mesmo especialistas de alguma coisa.
Em suma, independentemente da nacionalidade, The Death of Stalin é um filme capaz de entreter minimamente, apropriando-se da comédia para reportar um acontecimento por si só irónico. Ainda que com algumas nuances confusas pelo meio, Armando Ianucci consegue realizar o seu principal objetivo, mesmo que aparente tomar partido de uma posição pouco neutra para o fazer. Mas, como disse, não me alongarei nesse tópico. Fica o registo da realidade de reinventar um determinado período histórico em prol da crítica ou da sátira, mesmo que desvirtue a veracidade dos acontecimentos. Mas isso eu perdoo.