Vinil: de mainstream a produto gourmet
A Discolecção e a Carbono são duas das mais importantes lojas de discos da cidade de Lisboa. Lá ainda se compra música em vinil e, apesar da moda actual de comprar estes discos, os donos de ambas vêem com preocupação o futuro do mercado da música. A ESCS MAGAZINE entrou nas duas lojas e conversou com Vítor Nunes e João Moreira, vendedores de um produto que cada vez menos quer ser vendido: a música.
“Só ainda não veio aqui ninguém da Coreia do Norte! Mas da do Sul já.” As palavras são de Vítor Nunes, proprietário da Discolecção e conhecedor puro do mundo da música. Há 11 anos que tem a loja ali, na Calçada do Duque, em Lisboa, mas antes já teve o negócio noutras partes da cidade. Conta que recebe ali clientes de todos os cantos do mundo, essencialmente coleccionadores, que “antes de saírem de casa, fazem a compilação das lojas de discos” e aproveitam as viagens para aumentar as colecções. A loja de Vítor Nunes já faz parte dos roteiros de quem conhece o meio.
Noutra parte da cidade, na rua do Telhal, perto da Avenida da Liberdade, fica a Carbono. João Moreira tem a loja há 21 anos e também tem histórias de quem vem do outro lado do mundo e compra ali discos de vinil: “Já cá veio um da Nova Zelândia, e uma vez esteve aí um brasileiro que estava aqui a passar uns dias e veio comprar discos de música brasileira…”, conta. João lamenta que “muitos só vêm ver e não compram nada”, e tal como na Discolecção, quem por cá passa são essencialmente coleccionadores à procura de coisas específicas. O resto, acrescenta, “compra pelo objecto em si – há edições que são bons investimentos. Uma edição limitada que daqui a uns anos esgote pode ser vendida pelo dobro”.
Do vinil ao CD
O vinil é melhor do que o CD? Nem sempre é fácil responder a esta pergunta, apesar da ideia generalizada de que o vinil soa melhor. Voltemos à época em que se começaram a fazer os CD. António Pinto, cliente habitual da Discolecção e amigo de Vítor Nunes, conta que “as primeiras vezes que passaram a música para o digital, foi mal feito” e o dono da Discolecção concorda: “No início, a tecnologia não era a melhor”. Mas ambos reconhecem que já não é assim. “O CD já chegou ao auge, agora toca bem” é a opinião de Vítor, que acredita que “a electrónica evoluiu muito e agora há forma de fazer o digital soar muito bem”. António explica que “há muita gente que ainda grava em analógico, e quando é assim vale a pena ter o vinil. Com a música electrónica feita em computador, que já é digital, para quê comprar o vinil? Mais vale um CD.”
Mas pior do que a batalha entre o CD e o vinil, o mercado da música enfrenta agora um rival mais perigoso e poderoso: a internet.
Para quê em suporte físico? A era do download
“Agora é tudo download. Querem que lhes caia tudo na mão”, queixa-se João Moreira. Em tom de crítica aos maus hábitos da internet, o dono da Carbono conta que tem “gente que chega e quando vê os móveis dos discos acha muito confuso e vai embora”. Compara a situação actual das lojas de música à dos clubes de vídeo, que “acabaram por causa do digital”. E já nem a melhor qualidade interessa, quando a preguiça fala mais alto: “quem é que quer ter uma parede cheia de prateleiras com discos e ir lá buscá-los, quando pode ter tudo no computador e ouvir sem se levantar do sofá? E nem importa ouvir em MP3, com o som todo comprimido”.
O dono da Carbono responsabiliza a “loucura” de novidades. “Actualmente, todos os meses saem não sei quantas novidades”, o que também está a levar a um crescimento expressivo da música grátis online. É que, como diz João Moreira, “é uma dor de cabeça arranjar dinheiro para tudo. Primeiro a malta saca da net, legal ou ilegalmente, e quando gosta compra o CD ou o vinil”.
Vítor Nunes também lamenta a supremacia do donwload, especialmente agora que o CD tem excelente qualidade. “É pena que agora, que se ouve tão bem em CD, as pessoas prefiram sacar tudo da net”, comenta. António Pinto acrescenta que “o CD perdeu todo o valor”, e caracteriza o objecto como “um CD-ROM que se compra por 10 cêntimos com 15 músicas que podes sacar grátis da internet. Quem dá 15 euros por isso?”
A nova moda do vinil
É precisamente a crise no CD que leva, como diz António, a uma nova moda do vinil. “Por um vinil as pessoas já dão dinheiro. Ficam ali com uma capa grande e um produto para guardar. Nem é que o som seja melhor, mas anda na moda, pelo objecto em si”.
Na Carbono, também se vêem discos de artistas novos. “É um bocado moda, agora”, diz João Moreira. E as vendas não são expressivas, como acrescenta o vendedor: “Fazer um vinil é caro e muitas bandas que editam em vinil ficam com a maior parte do stock”, até porque, como lembra João, “um vinil novo custa uns 30 euros”.
É moda, mas não dura para sempre. “Muita clientela compra e passado um ou dois anos já está a vender os discos”, conta João.
“No futuro, o Amazon e o Spotify vão dar música a toda a gente”
A previsão é feita por João Moreira, comparando o futuro das lojas de discos às actuais lojas de comida gourmet: “Vão ser poucas e para pouca gente, para lá se ir comprar uma relíquia e ver como se ouvia música antigamente”. É nesta fé de que “o negócio não há-de morrer por completo” que o dono da Carbono mantém a sua paixão pelos discos, mas reconhece que “tem de haver um limite de vendas para sustentar a coisa”.
Nas duas lojas, santuários do vinil, onde o suporte físico é rei, a preocupação é visível. O futuro do mercado da música está online e é cada vez mais difícil vender canções.
Fiéis ao suporte físico: os “doentes dos discos”
A esperança está nos coleccionadores, nos audiófilos e nos melómanos, “que gostam de ouvir o som puro”, como diz Vítor Nunes. Vai tirando discos de uma caixa para os limpar e etiquetar e lembra um cliente cujo médico “lhe disse para ele deixar de comprar discos”. Chega-se ao extremo por um disco que falta e “há quem pague alguns 400 ou 500 euros por um disco”. O coleccionismo puro dos exemplares leva muito em conta as capas e as edições e Vítor garante que há quem “chegue a ter a mesma canção dez ou vinte vezes, mas com capas diferentes. Querem ter tudo o que a banda editou”.
António Pinto reconhece que “isto é como as drogas, as pessoas têm sempre de comprar mais discos”, e confessa-se um coleccionador, que conhece as lojas todas e já comprou em muitos locais no mundo. Diz que é “amigo deles todos”, o que se nota pelo conforto com que vai andando pela loja, pegando em discos e comentando-os com Vítor.
Vale a estes apaixonados a vontade de ouvir música a partir de um objecto e não de um ficheiro no computador. Cuidadoso, Vítor vai colocando discos no gira-discos e António senta-se a apreciar a música. Noutra parte da cidade, João Moreira continua a actualizar o seu catálogo, ao som de boa música e rodeado de vinil, enquanto conclui que “faz sentido um gajo trabalhar nisto por gosto. Se for pelo dinheiro, não vale a pena”.
Fotogaleria:
Fotografias por Inês Monteiro.
AUTORIA
João Francisco Gomes nasceu em Leiria, a meio da década de 90. Interessa-se por música, sobretudo por fado, música portuguesa, música erudita e música sacra. Gosta de tocar vários instrumentos musicais. Interessa-se por literatura, gosta de escrever e lê quase diariamente.