“A rir, a rir, dizem-se as verdades”: As melhores comédias francesas dos últimos anos
Enganamo-nos se pensamos que as comédias têm a função única de nos fazer rir. Em tempos de crise e de inquietação, como aquele que atravessamos, o humor surge como uma bóia salva-vidas. O melhor entretenimento cinematográfico é aquele que transcende os limites do mero lazer e até das paredes da sala de cinema, fazendo o público refletir, questionar e emocionar-se.
O humor perspicaz, excêntrico e lacerante do estilo de comédia francês – respeitado por alguns, olhado de lado por outros – é reconhecido por todo o mundo. Em Portugal, este género tem vindo a crescer e a ganhar cada vez mais apreciadores. A razão? Seja pelos diálogos rápidos e atrevidos que arrancam agudas gargalhadas, seja pelos temas atuais e pesados que, camuflados pelo humor, parecem ser tratados com a leveza de uma pena, seja pelo elenco que, geralmente, conta com atores consagrados e de renome, a comédia francesa tem vindo a assumir um lugar de destaque nas salas de cinema portuguesas. Trazemos algumas sugestões daquelas que são, para nós, as melhores comédias da Sétima Arte francesa da última década.
Intouchables
2011 | 1h 52m | Realizado por Olivier Nakache e Éric Toledano
O título português Amigos Improváveis caracteriza na perfeição a relação entre Philippe, um homem francês tetraplégico, milionário e de meia-idade (interpretado pelo ator François Cluzet), e Driss, um jovem senegalês, oriundo de um bairro problemático e que acabou de sair da prisão (interpretado pelo ator Omar Sy). Driss é escolhido e contratado por Philippe para o auxiliar no seu dia a dia, depois de o conquistar com a sua irreverência desbocada e com a capacidade de olhar para ele sem pena e sem lamentação, de igual para igual.
Baseada numa história real, a longa-metragem tornou-se no filme francês mais rentável de sempre, tendo sido aclamada e galardoada internacionalmente. A beleza cinematográfica de Intouchables encontra-se na energia e na química existente entre os dois protagonistas, que o público nunca considerará uns ‘coitadinhos’ (tanto Driss pelo seu contexto social, como Philippe pela sua deficiência física). Não se trata apenas de mais um filme que procura quebrar barreiras e preconceitos entre pessoas – embora o faça –, mas traz consigo, sobretudo, uma história de amizade genuína e de recuperação da joie de vivre. É um filme que marca o espetador e do qual ele nunca se esquecerá.
Paulette
2012 | 1h 27m | Realizado por Jérôme Enrico
Rezingona, preconceituosa e sem papas na língua: assim é Paulette (interpretada pela atriz Bernadette Lafont), uma senhora francesa de terceira idade que procura sobreviver com a sua reforma miserável. Viúva, solitária e sem dinheiro, descobre a improvável, mas ideal, solução para os seus problemas: o tráfico de haxixe. Antiga pasteleira e desprovida de qualquer suspeita – afinal, quem acusaria uma velhota de ser uma traficante de droga? –, a protagonista decide iniciar o seu próprio negócio no bairro onde reside que acaba por se tornar num sucesso: a venda de doces e de bolos com um ingrediente… especial.
Nome de Código: Paulette é uma dura crítica ao sistema social que, neste caso, não procurou amparar e proteger os seus idosos. A insolente, implacável e, admitamos, hilariante Paulette transforma-se numa personagem icónica pela qual os espetadores nutrem, inevitavelmente, um carinho especial e por quem torcem até ao fim do filme. O desfecho, esse, prima pelo engenho e pela imprevisibilidade genial.
Le Cage Dorée
2013 | 1h 30m | Realizado por Ruben Alves
O casal português José e Maria Ribeiro (interpretados por Joaquim de Almeida e Rita Blanco) é emigrante em França há trinta anos. Quando recebem a notícia de que são os herdeiros de uma grande fortuna e que poderão, finalmente, regressar ao seu país para uma vida tranquila e desafogada, todas as pessoas ao seu redor fazem de tudo para os impedir de partir. A razão? Todos precisam deles para satisfazerem, de uma forma ou de outra, os seus interesses egoístas.
Um filme que tanto diz aos portugueses. O elenco de A Gaiola Dourada não poderia ter sido mais bem escolhido: Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Barbara Cabrita, Roland Giraud e Chantal Lauby são apenas alguns dos nomes que constam nesta película franco-portuguesa, que retrata a comunidade de emigrantes portugueses em França. O bacalhau, o futebol, a mulher porteira, o marido da construção civil, o tio que diz palavrões à mesa… O realizador Ruben Alves não se limita a divertir o público apenas com os estereótipos ligados ao povo português e a outras personagens. Vai muito mais além nesta longa metragem que foi um sucesso em Portugal, evocando, subtilmente, aquilo que mais caracteriza o povo português: a saudade.
Qu’est-ce qu’on a fait au Bon Dieu?
2014 | 1h 37m | Realizado por Philippe de Chauveron
Que Mal Fiz Eu a Deus? – é o que pensa o casal profundamente católico (e também profundamente preconceituoso) composto por Claude e Marie Verneuil (interpretados por Christian Clavier e Chantal Lauby), pais de quatro filhas, quando as mais velhas escolhem, para seus maridos, homens de religiões e de origens diversas: um advogado de ascendência argelina, um gestor chinês e um empresário judeu. Desiludidos, a esperança para o casal Verneuil reside na filha mais nova, que garante aos progenitores – para sua grande felicidade e alívio – que o noivo é católico, sem nunca lhes contar que o namorado é, também, negro.
O filme, que tem uma sequela – igualmente brilhante – realizada no ano de 2019 (e, segundo consta, haverá ainda lugar para um terceiro filme a estrear brevemente) conta com um elenco onde todos os elementos, sem exceção, têm uma performance exímia e hilariante – com destaque para o veterano das comédias francesas, Christian Clavier (quem se poderia esquecer do Astérix, a par com o Obélix, interpretado pelo igualmente icónico Gérard Depardieu?).
Le Brio
2017 | 1h 35m | Realizado por Yvan Attal
Pierre Mazard (interpretado por Daniel Auteuil) é um professor universitário controverso e elitista que é castigado após proferir insultos racistas na direção da estudante Neïla Salah (interpretada por Camélia Jordana), de origem argelina, quando esta chega atrasada a uma das suas aulas. Como represália pelo seu comportamento inadequado, a universidade obriga Mazard a treinar a aluna que humilhou e que sonha ser advogada, para que esta se apresente numa competição de oratória interuniversidades. O professor deverá ensinar-lhe O Poder da Palavra – precisamente o título do filme, em português -, de modo a evitar uma sanção disciplinar.
A ligação, inicialmente por mera conveniência, que os protagonistas constroem ao longo do enredo acaba por ser desprovida de lugares comuns. A insolência, o sarcasmo e a resistência dão, lentamente, lugar à honestidade e ao respeito mútuo. Le brio é uma comédia sincera, onde o tema da (in)tolerância se encontra presente. Pierre e Neïla demoram a conquistar a simpatia e a cumplicidade um do outro, num percurso controverso e com muitos ‘altos e baixos’, tendo em conta todas as diferenças que os separam. Afinal, o poder das palavras é inquestionável – tanto para o mal, como para o bem; seja para separar ou para unir as pessoas.
Artigo redigido por Inês Sousa Martins
Artigo revisto por Inês Paraíba
Fonte da imagem de destaque: Télé 7 Jours
AUTORIA
Uma pessoa de muitas paixões. Por isso, licenciou-se em Informação Turística, está a terminar o Mestrado em Jornalismo e quer tirar Doutoramento em História Contemporânea. A ideia de ter uma só carreira durante a vida toda aborrece-a. A Inês gosta de escrever, de concertos, dos The Beatles, de Itália, de conduzir e dos seus cães. Sonha em visitar, pelo menos uma vez, todos os países do mundo.