O espetro da fanfiction e do “se fosse eu, faria assim”
Somos seres críticos. Todos temos as nossas opiniões. Gostamos, por natureza, tanto de criticar como de simplesmente opinar. Quantas vezes acabamos um livro e pensamos em tudo aquilo que ainda poderia ter acontecido após o dito “FIM”? Quantas vezes achamos que a história dos nossos personagens favoritos poderia ter tido um rumo diferente daquele que o autor deu?
Obras conhecidas como a saga Harry Potter, de J. K. Rowling, veem-se como um exemplo para a criação de enredos totalmente diferentes daqueles que Rowling criou, como uma relação entre Harry Potter e Draco Malfoy, ou, ainda mais estranho, entre o professor de poções – Severus Snape – e a melhor amiga de Harry – Hermione Granger.
Os anos 60 foram dos anos que viram o dito crescimento das histórias criadas por fãs, as ditas fanfictions. Atualmente, a nova geração de escritores até mostra um grande envolvimento com as mesmas, uma vez que a escrita pode ter por base outros tantos enredos já criados. Esta ação é vista como uma das formas mais antigas do mundo da escrita.
Se fizermos por isso, até conseguimos ver que este tipo de histórias possa vir de Homero e Vergílio. A questão da fanfiction esteve sempre presente desde que se soubesse procurar os pontos em comum.
Algumas histórias que conhecemos têm por base uma outra ou personagens que nos são conhecidas, mas a que não associamos. Algumas porque, quando publicadas, os autores alteram o enredo para o tornar mais pessoal e o afastar da ideia original. Vamos ver uns quantos?
“As 50 Sombras de Grey” || Christian Grey foi outrora Edward Cullen
E. L. James talvez seja uma das autoras mais referidas como exemplo de um livro publicado que tenha sido uma fanfiction, neste caso, da saga Crepúsculo. Antes de se chamar “As 50 Sombras de Grey”, a história chamava-se “Master of the Universe”, escrita sobre o nome de Snowqueens Icedragon, e, apesar das mudanças entre as duas, o enredo manteve-se similar à primeira versão criada antes de os nomes serem mudados para Christian Grey e Anastasia Steele.
Em relação a Jacob Black? A third wheel no triângulo amoroso no enredo de Meyer? Ele não entra na história trabalhada por E. L. James. Aqui, ele é excluído e é o paralelo das vidas de Anastasia e Christian o grande obstáculo entre eles.
“A Cidade dos Ossos” || Jace e Clary são o universo paralelo em que Draco Malfoy fica com Ginny Weasley
Ginny Weasley e Draco Malfoy transformaram-se em Clary e Jace em “A Cidade dos Ossos”, de Cassandra Clare. A história remonta a uma realidade alternativa criada para a saga Harry Potter e, apesar de não ser notório à primeira, é possível verificar algumas semelhanças nos dois mundos, como, por exemplo, vampiros, lobisomens e feiticeiros até.
Enquanto fanfiction, a história atingiu um grande nível de popularidade, devido à fama da personagem principal: Draco Malfoy. Quem não gosta de bad boys?
Metamorfoseando Draco para Jace, n’A Cidade dos Ossos, conseguimos encontrar mais semelhanças entre as personagens criadas por Rowling: Jace é loiro e tem uma atitude profundamente sarcástica; Clary, a nossa heroína, é ruiva, destemida e com um humor peculiar.
“Orgulho e Preconceito e Zombies” | A história de Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, mas com zombies
No trabalho de Seth Grahame-Smith contamos com a história de Elizabeth Bennet e as suas irmãs, todas experientes em artes marciais para conseguirem defender a Humanidade dos ditos zombies. Nesta criação, grande parte do que foi fundado por Austen continua presente: desde a persistência da Senhora Bennet em querer casar as filhas até à relação bem atribulada de que tanto gostamos de Darcy com Elizabeth. Esta dita fanfiction é como um reescrever da história clássica, com elementos que tornam a mesma mais aliciante e com mais aventura e ação.
O facto de a história ter sido utilizada no seu todo leva a que, em várias edições deste enredo, seja colocado o nome de Grahame-Smith em conjunto com o de Jane Austen.
“O Inferno de Gabriel” || Edward Cullen era professor e Bella sua aluna, agora Gabriel Emerson e Julia Mitchell tomaram os seus lugares.
Uma coisa é certa: apesar da fama atual referente ao livro Crepúsculo, de Stephenie Meyer, foram vários os autores que utilizaram as personagens Edward e Bella para darem um rumo diferente à história destes dois. Sylvain Reynard foi um deles e mesmo antes de assinar como tal.
Sebastien Robichaud trabalhou para a então chamada The Univeristy of Edward Masen. A fanfiction criada levou à necessidade de reescrever os livros mais pequenos, na qual já não se conseguem verificar as parecenças com o enredo outrora publicado como uma história entre Edward e Bella. “O Inferno de Gabriel”, de Sylvain Reynard, é o primeiro deles. Aqui, Gabriel é um professor e Julia é uma das alunas que trabalha para se especializar em Dante. Este tema medieval é um dos grandes tópicos que percorre os livros de Reynard.
Vários são os métodos de publicação: plataformas online, blogues e até mesmo fóruns que demonstram a popularidade em escrever fanfictions. Além de obras publicadas alicerçadas noutras, existem também narrativas muito populares cujo foco está em celebridades e no facto de compor uma realidade fictícia com elas. Um dos casos mais conhecidos envolve uma das bandas britânicas mais populares dos últimos anos. Já sabem qual é?
“After” | Uma fanfiction cujo protagonista é Harry Styles dos One Direction
“After” foi uma das histórias com milhões de leituras através do Wattpad – uma aplicação concebida para partilhar histórias. Anna Todd, antes de ser conhecida como tal, escreveu a narrativa com o mesmo nome enquanto ‘imaginator1D’.
A história, dividida em cinco livros, conta com a banda One Direction, tendo como protagonista um dos membros – Harry Styles. Quando a obra foi publicada pela Gallery Books, os nomes foram modificados, estando e soando parecidos aos originais – o que contribuiu para que o paralelismo com o que antes foi uma fanfiction continue a ser feito. Desta forma, o nosso protagonista passou de Harry a Hardin Scott.
As obras publicadas e referidas como anteriormente fanfictions aqui apresentadas são algumas de uma enorme lista. Algumas são mais populares do que outras, mas é sempre percetível um ponto comum.
Existe até um certo pré-conceito sobre a qualidade de fanfictions: estruturadas com simplicidade e sem qualquer valor enquanto obra. O que é certo é que gostamos de opinar. Gostamos de criticar. É o típico “se fosse eu, faria assim”. Ao contrário de como é vista, a ideia de fanfiction não deve ser a de menor qualidade. Toda a gente é fã de algo, portanto, tudo aquilo que criamos não será, na verdade, de fãs para fãs?
Percy Jackson? Quem sabe, talvez seja uma fanfiction sobre a mitologia grega. Várias são as adaptações que temos de Ulisses, mas a matéria vai ser sempre sobre o que Homero nos obsequiou. Tudo se fundamenta em algo: da ideia à caneta, da caneta ao papel, do papel à mente de outrem.
Vejamos as coisas com outros olhos. Os livros abrem mundos. As fanfictions? Elas desencadeiam realidades alternativas.
Fotografia de capa de Joana Americano
Artigo revisto por Constança Lopes
AUTORIA
Nascida, ao mesmo tempo que alguém igualzinho a ela, em julho de 1998. Veio de Cultura e Comunicação e está no segundo ano de Mestrado em Jornalismo. O seu grande amor são os livros, tanto que ouvir audiobooks, quando está a trabalhar para manter o foco e sanidade, é o seu guilty pleasure. Diz sempre que “é só mais um capítulo”, mas sabe que é mentira. É aquela que gosta de ananás na pizza.