Paranormal: uma performance de outro mundo
Joaquim Monchique volta a reencarnar no papel de Professor Adamastor (e de 16 outras personagens), no regresso da peça Paranormal.
Um dos monólogos mais vistos nas salas de teatro portuguesas está de regresso, anos após a sua primeira estreia. Quem o traz não é uma entidade transcendente, mas antes a força da produção, que, através de um trabalho notável e meticulosamente preparado, recorda o público português da admirável experiência que é testemunhar um verdadeiro one man show.
Professor Adamastor, também apelidado de “Satélite do Além”, um dos maiores vultos da “paranormalidade” em Portugal, a quem foi concedida a inóspita dádiva de encarnar pessoas desaparecidas, canalizando a energia de quem o rodeia.
Durante os primeiros momentos da peça, em que se torna difícil distinguir o momento exato em que Adamastor ocupa o lugar de Monchique, o protagonista começa por interagir com a plateia fazendo-a repetir exercícios que, segundo ele, são essenciais para entrar na frequência metafísica que permite o contacto com o além, de forma a identificar e encarnar as diferentes pessoas com quem pretende contactar. Monchique faz-nos acreditar, por breves momentos, que aqueles exercícios são realmente um mecanismo fulcral para fazer a peça andar – como se estivéssemos a assistir a um verdadeiro fenómeno paranormal, isto é, antes de nos estilhaçar a realidade, faz-nos aperceber do quão ridícula era figura que estávamos a fazer.
A trama desencadeia-se a partir de uma explosão cósmica que faz com que Adamastor perca o controlo das ligações, o que resulta numa sucessão de personagens que vão ocupando o palco, intercalando-se numa autêntica matrioska de subtramas. Monchique incorpora, ao longo da peça, 16 personagens diferentes, sempre com um timing soberbo e uma destreza cénica incomparável, sendo que nem nos equívocos se engana – algo que a produção faz questão de frisar no final do espetáculo.
Nos momentos finais, torna a ser difícil identificar quem quebra a quarta parede, se Adamastor, se Monchique, ou, quiçá, ambos. O discurso final não é mais do que um virtuoso desafogo em que Adamastor reflete sobre como é agradável regressar todas as noites para sentir aquela energia e reentrar na vida de tantas pessoas diferentes, sendo que, no fundo, é para isso que vivemos, para nos colocarmos no lugar dos outros.
O interessante, e talvez seja esse o recado que Falabella (autor da peça) pretende transmitir, é que a empatia é um exercício comum, tanto aos mestres das artes paranormais, como aos dramaturgos, guionistas, atores, encenadores, entre outros artistas. Parece-me que as últimas palavras do monólogo não são um mero desabafo, mas sim um apelo à importância das artes performativas e a uma reflexão que nos recorda de que só o espetáculo, o texto, a mimeses e a cultura nos podem ajudar a encontrar quem realmente somos. Tal como no início – em que fomos enganados, e bem enganados, pelos exercícios iniciais -, trata-se acima de tudo de acreditar. Não no além ou nos mecanismos metafísicos incompreensíveis para o Homem, mas sim uns nos outros e em nós próprios.
A peça está atualmente no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, até 20 de fevereiro, mas tem datas marcadas para Setúbal, Aveiro, Braga, Póvoa de Varzim e Estarreja. Fica o apelo àqueles que se pretendem encontrar, mas ainda não o sabem.
Fonte da capa: Pexels
Artigo revisto por Madalena Ribeiro
AUTORIA
Aluno de mestrado em Audiovisual e Multimédia na ESCS. Trabalhei 1 ano como editor de vídeo e assistente de realização, e embora a paixão se mantenha, em 2020 comecei a expandir conhecimentos para seguir os meus objetivos de escrever guiões e ensinar escrita de argumento. Comecei a trabalhar como estagiário na SP Televisão. Mas foi desde jovem, na paz da Beira Interior, que criei uma grande afinidade por histórias, filmes, artes e cultura.