Futebol feminino e o seu lado financeiro
A disparidade financeira entre géneros não é uma novidade para ninguém, ainda menos quando falamos sobre futebol. Todos temos consciência das diferenças que existem entre o futebol feminino e masculino, mas será que temos a verdadeira noção daquilo que os separa financeiramente?
Este assunto teve uma maior visibilidade devido ao facto de a Seleção Feminina dos Estados Unidos trazer para discussão pública as desigualdades salariais que existem entre os géneros. Depois de uma batalha jurídica de seis anos, as bicampeãs mundiais chegaram a um acordo histórico com a Federação norte-americana, que se comprometeu a remunerar de igual forma as seleções masculina e feminina.
O CASO PORTUGUÊS
Apesar de estarmos numa fase de crescimento e de investimento ainda são muitas as precariedades que o futebol feminino atravessa no nosso país. Segundo o Sindicato de Jogadores, ainda há uma maioria de jogadoras que competem com contratos de prestação de serviços a recibos verdes e ajudas de custo, já para não falar das que não têm contrato profissional.
O crescimento que se tem verificado no futebol feminino em Portugal tem sido cada vez mais notório. O número de profissionais tem tido um aumento bastante significativo: só no último ano passaram de 75 para 125 profissionais na Liga BPI. Estes números tendem a aumentar ano após ano, uma vez que são cada vez mais frequentes os investimentos nas infraestruturas e nas formações que permitem uma base de futuro cada vez mais sólida. O aumento do número de competições, mesmo que amigáveis, e de torneios permite que haja uma noção de competitividade que até então, no nosso país, não era frequente. Tudo isto ajuda a que a cada ano que passe possamos dizer que o futebol feminino atingiu um novo patamar histórico e que se aproxima a olhos vistos daquilo que acontece a nível internacional.
Algo que daria um grande impulso às situações financeiras seria uma valorização massiva por parte dos meios de comunicação, nomeadamente a televisão, que poderia ser uma grande alavanca não só para o aumento dos contratos de patrocínio, como das receitas de cada clube.
Podemos olhar para um caso bastante simples que representa o desastre financeiro que existe não só em Portugal como no resto do mundo, em que a equipa mais bem-sucedida do mundo, o Lyon, dispõe de um orçamento que varia apenas entre os sete e os oito milhões de euros. Este valor é irrisório comparado com os milhões que se movimentam em simples contratações entre clubes masculinos de mediano sucesso.
Uma investigação do Diário de Notícias dá-nos conta das diferenças dentro da própria modalidade relativamente aos salários. Os ordenados mensais variam entre o salário mínimo obrigatório e 8000 euros. Das 125 atletas profissionais, apenas quatro delas são remuneradas acima de 3500 euros. Na liga BPI, das 16 equipas em competição, apenas três têm o plantel 100% profissional, são elas o Benfica, Sporting e Sporting Clube de Braga. No clube da Luz compete a jogadora mais bem paga da liga, recebendo 8000 euros. Já no Sporting a sua atleta melhor remunerada recebe 4500 euros. Por outro lado, o clube bracarense tem uma média contratual de 1500 euros por mês. Estas diferenças entre os próprios clubes acabam por ser bastante significativas, existindo plantéis com metade da equipa profissional, como o caso do Famalicão, existindo ainda clubes com três ou quatro jogadoras profissionais. Há pelo menos seis equipas que se mantêm 100% amadoras.
Outro facto que é também demonstrativo das diferenças financeiras entre o futebol feminino e o masculino é a existência de uma minoria de transferências pagas, ou seja, em 2018, a FIFA deu conta de 16,533 transferências no futebol masculino, num total de 6,2 mil milhões de euros. No futebol feminino realizaram-se apenas 696 contratações que auferiram um total de 503 mil euros. Só estes números mundiais já são reveladores das diferenças existentes, que em Portugal são ainda mais acentuadas.
Na liga portuguesa, a maior transferência teve o valor de 50 mil euros que foram pagos pelo clube chinês Shanghai Shengli ao Famalicão pela avançada brasileira Mylena Freittas. A grande parte das transferências no futebol feminino em todo o mundo ocorre mediante fim de contrato e saída a custo zero ou mesmo num sistema de troca de jogadoras.
O futebol feminino tem demonstrado que é uma modalidade capaz de prender a atenção de adeptos e que tem condições para ser dominante em cada clube. É certo que há um longo caminho pela frente, mas para isso é preciso que lhe seja dada a oportunidade de ter investimentos e de ter um palco para que possa mostrar a todo o público o talento e maestria que também tem.
Fonte da capa: Mundo Português
Artigo revisto por Catarina Peixe
AUTORIA
A paixão pelo desporto foi o que a fez querer escrever para a Magazine. Encontra no desporto, tal como na música, a maior forma de liberdade e aprendizagem. Só precisa de um bom concerto e um bom jogo de futebol para ser a pessoa mais feliz do mundo. Considera-se uma pessoa justa e por isso a imparcialidade estará presente em cada um dos seus artigos.