Moda e Lifestyle

McQueen e Joan

O ano era 1998, na velha estação de Gatliff Road, Alexander McQueen fazia-se acompanhar de Katy England, Guido Palau, Mira Chai Hyde e Val Garland para apresentar a sua coleção de outono/inverno Joan.

Dedicado à sua amiga e musa, Annabelle Neilson, o desfile retira o seu título, narrativa e inspiração da figura de Joan D’Arc, uma guerreira francesa condenada à fogueira por bruxaria e por vestir roupas masculinas. Seguindo esta temática, 82 looks fizeram o seu caminho pela catwalk sombria e de aparência industrial, explorando os conceitos do martírio católico e da prossecução. As origens militares da principal figura deste desfile, assim como a sua ousadia em utilizar um vestuário tradicionalmente masculino, tornaram-se claras na androginia e cotas de malha prateada que constituíram algumas das peças.

Contrastando com a sua coleção anterior, que se focava no elemento da água, nesta coleção McQueen explorou o elemento do fogo. Uma referência direta à morte da guerreira e um elemento presente na paleta de tons vermelho das suas criações, na maquilhagem das modelos, e no cenário vulcânico que a junção destes fatores criava.

Maquilhagem e cabelo

Fonte: The Quiet Front

Guido Palau foi o encarregado dos penteados das modelos femininas no desfile, deixando os modelos masculinos nas mãos de Mira Chai Hyde. Por sua vez, Val Garland criou os looks de maquilhagem. Em conjunto, esta equipa ficou com a tarefa de criar um visual futurista e único, uma referência ao estilo do designer, bem como referente à tradição presente da guerreira canonizada.

As principais bases do conceito estético foram pela primeira vez utilizadas na capa da  revista The Face, que, apesar de ter sido apenas lançada em abril daquele ano, tinha sido fotografada previamente ao desfile.

Mantendo os tons vermelhos das chamas, todos os modelos utilizaram lentes de contacto vermelhas, conferindo uma imagem mais assombrosa, mas podendo também ser uma referência às visões de Joan D’Arc. As sobrancelhas dos modelos, na sua maioria, foram rapadas, e os cabelos foram tingidos de tons loiros platinados. Muitos dos manequins destacaram-se também pela pouca presença de cabelo, sendo apenas adereçados de tranças que contornavam as suas cabeças quando não estavam totalmente sem cabelo.

Os looks

Contrariando outras das suas coleções, em Joan, McQueen desapega-se do conceito de sensualidade exposta e apela a uma sensualidade de caráter mais sugerido. Este detalhe é algo que também se relaciona com a guerreira francesa, representando as suas origens mais conservadoras e tradicionais. Com isto, o designer retém-se de expor a pele do manequim, focando-se nos contornos do seu corpo e na forma como o material o acomoda. Uma transparência subtil reinou a escolha dos materiais utilizados.   Contudo, não se abstém da sua identidade estética para contar a narrativa, continuando a utilizar o tartan ao qual nos acostumou em outras das suas coleções. A utilização deste material é algo que se mantém constante na sua marca, sendo uma forma de homenagear as suas origens escocesas.

Através do uso de material prateado e de silhuetas tradicionalmente masculinas, Lee faz uma referência direta às vestimentas utilizadas pelos cavaleiros, e pela própria Joan. Não esquecendo as origens religiosas da santa, o designer fez uso da peregrineta, uma capa curta usada por eclesiásticos.

Ainda no tema da prossecução, McQueen utiliza imagens distorcidas da família Romanov, criando imagens de lantejoulas. As imagens dos jovens assassinados da família imperial russa observam o espetador com um olhar sério.

Conta-nos a História que Joan D’Arc fora obrigada a vestir trajes mais tradicionalmente femininos pelo clérigo, após se ter tornado uma prisioneira de guerra. Esta sua transição de roupas mais estereotipadamente masculinas para formas e cortes mais femininos é algo que se acentua no decorrer do desfile. Contrastando com as calças e cortes militares a que assistimos na primeira parte, a segunda metade deste desfile traz-nos saias e vestidos chamativos, a que tradicionalmente associamos a uma maior feminilidade.

Fonte: Pinterest

Esta viagem culmina no típico final de McQueen. Um momento que fica para a história, acompanhado de todos os finais de desfiles a que o designer nos acostumou. A catwalk escurece e uma mulher de face tapada caminha até ao centro da passerelle. Chamas nascem à sua volta e, assim como a mulher que dá o nome a esta coleção, a modelo aceita o seu destino, dançando no meio das chamas. Tal como Joan, podemos dizer que McQueen aceita a excentricidade das suas ideias e abraça assim a sua sina.

Fonte da capa: FFW

Artigo revisto por Inês Gomes

AUTORIA

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A Mariana está no último ano da licenciatura de publicidade e marketing, mas o seu “bichinho” da escrita parece não a querer abandonar. Abençoada por vários hobbies e interesses, ocupa o seu tempo na ESCS Magazine com um pequeno aprofundamento de “factos interessantes” que os amigos já estão fartos de a ouvir contar.