Opinião

O Movimento 4B: A resposta das mulheres sul coreanas ao patriarcado

Na sociedade contemporânea podemos notar que existe, por parte da população, uma crença de que o feminismo nos dias de hoje é inútil e que a igualdade de género já foi há muito alcançada. No entanto, basta sair um pouco da bolha do privilégio para compreender que não é bem assim. Mesmo nos países chamados “desenvolvidos”, a misoginia continua espelhada na sociedade em questões como o assédio sexual, desigualdade de salários, números crescentes de violência doméstica, leis relacionadas com o aborto e com outros direitos, em outras situações e, até mesmo, em pequenas expressões faladas.  

Estes tipos de situações vão continuar a acontecer e a estar presentes no dia-a-dia enquanto vivermos numa sociedade patriarcal, foi a essa conclusão que várias mulheres sul-coreanas chegaram, depois de anos a experienciar uma sociedade com valores altamente conservadores e machistas.

Em 2019, teve origem na Coreia do Sul um movimento atualmente conhecido como 4B, no qual as mulheres negam principalmente 4 ações, todas começadas por B: bihon (비혼) é a recusa do casamento heterossexual, bichulsan (비출산) a recusa de engravidar, biyeonae (비연애) a recusa de namorar e, por fim, bisekseu (비섹스) é a recusa de relações sexuais heterossexuais. Para aqueles que não estão a par da realidade diária das mulheres coreanas pode parecer um movimento demasiado radical, no entanto, tudo começa a fazer sentido quando ouvimos as suas experiências e vemos o quão presente está o machismo nesta sociedade considerada desenvolvida.

Em dezembro de 2016, a taxa de natalidade da Coreia do Sul rondava os 1.2 partos por mulher (atualmente ronda os 0.78). A solução do governo para isto foi lançar um “Mapa Nacional de Nascimentos”, que mostrava o número de mulheres em idade fértil por município e enunciava o que era esperado da parte delas. 

No ano de 2022, este mesmo presidente voltou a ser eleito enquanto passava a mensagem de que a culpa da baixa taxa de natalidade do país é do feminismo, espalhando a promessa de abolir o Ministério da Igualdade de Género e da Família. 

Ainda no mesmo ano, surgiram protestos feministas para ir contra uma onda gigante de anti-feminismo que surgia; o discurso era baseado na premissa de que os homens eram agora as vítimas de discriminação.

O problema de spy cams em casas de banhos públicas, transportes, hotéis e em praticamente qualquer canto é de tal maneira grave que todos os telemóveis produzidos na Coreia do Sul têm obrigatoriamente de fazer som ao tirar fotografia ou gravar vídeo, sendo esta funcionalidade impossível de silenciar.

Protesto conta o machismo e pornografia de spy cams em agosto 2018.
Fonte: Jean Chung via Getty Images

Uma pesquisa recente revelou que, enquanto a maior parte das mulheres sul-coreanas hesitam em casar por causa da divisão de tarefas de casa, os homens hesitam por causa do “feminismo”.

Kimchee Women é um apelido dado a mulheres com um curso superior. Em fóruns online anti-feministas, elas são descritas como egoístas, obcecadas consigo mesmas e acusadas de explorar os seus parceiros.

Marcha feminista em março de 2019 no dia internacional da mulher no ano em que ocorria uma onda de anti-feminismo motivada pelo presidente.
Fonte: Jung Yeon-Je/AFP via Getty Images

Estas e outras situações, como os padrões de beleza absurdamente irreais e elevados números de violência em relações, levam as mulheres do país a acreditar cada vez menos na hipótese de algum dia casar com um homem sul-coreano. No entanto, as mulheres são também vítimas da maior desigualdade salarial do mundo e ganham, atualmente, menos 31% que os homens. Esta desigualdade de salários acaba por levar muitas mulheres a procurar um casamento, por se sentirem incapazes de se sustentar, criando-se, assim, um ciclo no qual o casamento reforça os estereótipos de género.

Para este problema existem já ajudas em fóruns como WITH, ou Women In The Hell, onde várias mulheres partilham entre si dicas financeiras, listas de vagas de empregos, informações sobre bancos e leis, entre muitas outras informações. Para vários membros do movimento 4B, esta parte financeira é essencial à tentativa de acabar com a sociedade patriarcal, uma vez que a sociedade gira em torno de dinheiro, então, se as mulheres se tornarem financeiramente influentes existe esperança de serem ouvidas pelos partidos.

O movimento aparece para muitas mulheres como a única maneira de lidar com uma sociedade altamente machista e conservadora, que não mostra sinal de abertura. Estas contam que, ao aderirem ao movimento, sentem que estão a negar serem vistas como objetos, como máquinas de bebés, e a reivindicar o direito às próprias escolhas.

Obviamente que a Coreia do Sul não é o pior país do mundo em termos de direitos das mulheres, mas é apenas mais um exemplo de que a igualdade de género está longe de ser atingida: ainda há muito trabalho a fazer e mentalidades a desconstruir, por mais que às vezes tenhamos a ilusão de que é um problema que já foi resolvido por gerações passadas. Mulheres à volta do mundo lutaram, lutam e continuarão a lutar pelos seus direitos em todos os países.

Fonte da capa: The Economist

Artigo revisto por Joana Gonçalves

AUTORIA

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Com interesses em várias áreas, a experimentação faz parte do currículo da Joana. Atualmente estudante de Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, quer desenvolver o amor que tem pela escrita utilizando a Magazine como ponto de partida. Desde a música, passando pela política, filosofia e até ficção, são várias as áreas onde pretende deixar as suas palavras escritas.